Resumo: A Proposta de Emenda à Constituição nº 76 ameaça desestruturar o modelo de investigação criminal brasileiro ao retirar da Polícia Civil a competência para a produção da prova da materialidade do crime. A divisão entre a autoria (Polícia Civil) e a materialidade (Polícia Científica), embora aparente ganho técnico, pode provocar o colapso da persecução penal, comprometer a eficácia da investigação e beneficiar organizações criminosas. Este artigo analisa os impactos constitucionais, legais e operacionais dessa mudança, denunciando o risco de extinção funcional da Polícia Civil e os reflexos nefastos para a segurança pública nacional.
Palavras-chave: PEC 76/2019, Polícia Civil, Polícia Científica, prova da materialidade, investigação criminal, segurança pública, persecução penal, desmonte institucional.
INTRODUÇÃO
A pretensão punitiva do Estado é exercida dentro de um modelo processual penal misto, estruturado em duas fases essenciais: a investigação preliminar e a fase processual judicializada. A colheita da prova da infração penal depende, primariamente, da apuração de dois elementos fundamentais: a materialidade do crime e os indícios suficientes de autoria. Esses elementos são reunidos pelas Polícias Judiciárias — a Polícia Civil dos Estados e a Polícia Federal — nos termos do artigo 144 da Constituição Federal e do Código de Processo Penal.
Contudo, a Proposta de Emenda Constitucional nº 76 propõe uma cisão radical entre a apuração da autoria e a materialidade, transferindo esta última para a chamada “polícia científica”. Caso seja aprovada, essa proposta poderá provocar um verdadeiro esvaziamento das funções constitucionais da Polícia Civil, transformando-a em mera coletora de depoimentos e provas testemunhais. Em vez de aprimorar o sistema, caminha-se para o desmonte da investigação criminal brasileira.
ANÁLISE CRÍTICA
A PEC 76 representa uma ruptura estrutural e funcional no sistema de persecução penal brasileiro. Atualmente, as polícias judiciárias, com base no Código de Processo Penal (artigos 155 a 250), conduzem investigações criminais que compreendem tanto a busca por indícios de autoria quanto a apuração da materialidade do delito. Essa atuação integrada, que permite uma linha lógica e coerente na montagem probatória, está ameaçada.
A proposta de dividir a responsabilidade entre duas agências — Polícia Civil (autoria) e Polícia Científica (materialidade) — ignora a complexidade e a interdependência dessas provas. Na prática, a perícia é parte indissociável do inquérito policial. Separar os dois campos significa enfraquecer a narrativa probatória e criar obstáculos à obtenção da verdade real.
Além disso, a retirada das funções periciais da Polícia Civil desconsidera o modelo previsto no artigo 2º da Lei nº 12.830/2013, que reconhece a atividade de investigação criminal como função essencial à justiça. A perícia oficial, embora técnica, deve manter vínculo orgânico com a autoridade policial responsável pelo inquérito. A desvinculação rompe o encadeamento lógico da investigação.
Sob a falsa premissa de tecnicismo, esconde-se um plano político de esvaziamento institucional da Polícia Civil, que há décadas sofre com sucateamento, baixos salários e desvalorização. Ao enfraquecer a Polícia Civil, o Estado entrega às organizações criminosas um presente inestimável: a desarticulação do principal órgão de investigação da República.
A descentralização mal planejada, sem integração plena entre as agências, compromete prazos, encadeamento lógico da prova e a eficácia da persecução penal. Nos crimes contra a pessoa, sexuais, patrimoniais ou ambientais, a ausência de sintonia entre a autoria e a materialidade pode anular todo o esforço investigativo. Com isso, o processo penal brasileiro se tornará uma colcha de retalhos disfuncional.
CONCLUSÃO
Se a PEC 76 for aprovada, assistiremos, impassíveis, à morte institucional da Polícia Civil no Brasil. Uma morte lenta, anunciada, mas carregada de consequências devastadoras para a justiça criminal e para a segurança pública.
A polícia investigativa será relegada à condição de espectadora da criminalidade. Sua atuação, outrora central, passará a ser periférica, burocrática e desarticulada. A quem interessa esse esvaziamento? Certamente não ao povo brasileiro, sedento por justiça e segurança, mas aos que temem a verdade e vivem das sombras do crime. É hora de clamar. É hora de lutar. É hora de resistir.
O povo brasileiro precisa despertar para a gravidade do que está em jogo. A destruição da Polícia Civil é também o sepultamento da segurança pública, da justiça penal e da própria dignidade nacional. Que não sejamos cúmplices do silêncio enquanto matam a espinha dorsal da investigação criminal. Que a história nos absolva — ou nos julgue.
Portanto, a proposta em discussão visa alterar a Constituição Federal para incluir as polícias científicas entre os órgãos de segurança pública, conferindo-lhes autonomia funcional e administrativa. Pretende-se, com isso, desvincular as polícias científicas das polícias civis, estabelecendo que sejam chefiadas exclusivamente por peritos oficiais de carreira.
Se aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), teríamos, na prática, a criação de duas polícias investigativas distintas: uma incumbida da apuração dos indícios de autoria, e outra, da constatação da materialidade do delito. Em termos de atividade probatória, nos marcos dos artigos 155 a 250 do Código de Processo Penal, a estrutura de produção da prova se fragmentaria de forma dramática.
Assim, num crime de furto, por exemplo, caberia à Polícia Civil identificar os indícios suficientes de autoria — quer na modalidade simples, quer nas formas qualificadas, como a prática em concurso de pessoas, mediante fraude, abuso de confiança, destreza ou emprego de chave falsa. A polícia científica, por sua vez, teria a responsabilidade de aferir o valor econômico do bem subtraído, determinar as qualificadoras relacionadas à escalada, rompimento ou destruição de obstáculo para a consumação do delito.
Contudo, essa divisão artificial da atividade investigativa, sob o pretexto de valorizar a perícia, caminha na contramão da eficiência, da razoabilidade e da lógica processual penal. Rompe-se, assim, a espinha dorsal da unidade investigativa, sem qualquer amparo na dogmática jurídica consolidada e na jurisprudência nacional.
Seria como partir ao meio o pão da vaidade: alimentaria o ego de instituições sedentas por protagonismo, enquanto deixaria faminta a sociedade brasileira, obrigada a conviver com o avanço da impunidade, em nome de um estrelismo institucional que silencia o grito das vítimas e enfraquece a força do Estado na busca pela verdade real.
A investigação criminal é um todo harmônico, indivisível e racional. A cisão entre quem busca a autoria e quem revela a materialidade atenta contra a lógica do processo penal e contribui para o enfraquecimento do sistema acusatório, que exige a produção eficiente, célere e integrada da prova.
A perícia oficial, inegavelmente essencial, deve ser valorizada — mas dentro de um modelo que preserve a coerência da persecução penal, a economicidade dos recursos públicos e, sobretudo, a busca incansável pela justiça. Substituir a complementaridade pela cisão é enterrar a eficiência e ressuscitar a impunidade.
Mais do que criar novas polícias ou alimentar estruturas paralelas, o caminho correto — legítimo, republicano e técnico — seria reposicionar a Polícia Civil no ordenamento constitucional. Deve-se retirar a Polícia Judiciária da estrutura da segurança pública e alocá-la no título das Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e da Advocacia Privada.
Esse deslocamento permitiria a necessária autonomia funcional, administrativa e financeira da Polícia Civil, resgatando sua verdadeira missão constitucional de servir à justiça. Para tanto, impõe-se modificar a Lei de Responsabilidade Fiscal, conferindo à instituição a possibilidade de gestão plena de seus recursos, assegurando-lhe a independência investigativa, livre de interferências políticas e amarras executivas.
Essa medida não apenas resgataria a eficiência na prestação de um serviço público essencial à justiça, mas também fortaleceria o ideal republicano de um Estado que investiga com técnica, autonomia e imparcialidade.
Enquanto a vaidade institucional disputa os holofotes, o povo segue na escuridão da impunidade. É hora de iluminar a justiça com a tocha da independência investigativa, e não com o fogo-fátuo da vaidade corporativa.
Com esse modelo, se aprovado, selar-se-á o sepultamento da Polícia Civil e da Polícia Federal, juntas, encerradas no mesmo ataúde, enterradas no mesmo túmulo, sob o mesmo epitáfio: “Aqui jaz a investigação criminal no Brasil”.
Não haverá honras fúnebres suficientes para esconder o drama. A lápide será polida com as lágrimas do povo e o cortejo será conduzido por um Estado omisso, encurralado pela própria incompetência.
E por uma cruel ironia da história, em nome de uma suposta economia e fragmentação institucional, também será enterrada, no mesmo solo encharcado de desilusão, a Polícia Científica — que, sem corpo investigativo coeso, padecerá do mesmo mal: a asfixia da sua razão de ser.
Neste dia sombrio, não se ouvirão apenas discursos de lamento, mas os gritos silenciosos de vítimas sem justiça, os clamores de famílias abandonadas, os ecos de crimes não solucionados e o ruído ensurdecedor do fracasso institucional.
A criminalidade, livre de freios, alçará voo. A impunidade, nutrida pela desintegração investigativa, se tornará norma. O sistema de persecução penal ruirá como um castelo de cartas, sem alicerce, sem honra, sem glória.
Essa não será apenas uma falência técnica. Será a falência moral de um país que preferiu enterrar sua capacidade de investigar a reformar, com coragem, o que precisava ser fortalecido. Será o colapso de uma nação que, diante do crime, baixou as armas da razão e levantou as bandeiras da vaidade institucional.
A história cobrará seu preço. E quando a dor da impunidade bater à porta de cada lar, talvez seja tarde demais para ressuscitar o que foi enterrado vivo — a justiça.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 144. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.
BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida por delegado de polícia. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm.
PEC 76/2019. Proposta de Emenda à Constituição que “dispõe sobre a reestruturação da perícia oficial”. Senado Federal.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 21 de julho de 2025.