Capa da publicação Investigação criminal em risco com a PEC da Perícia
Capa: Sora

Brasil em luto: velório da investigação criminal

22/07/2025 às 10:22

Resumo:


  • A Proposta de Emenda à Constituição nº 76 propõe separar a produção da prova da materialidade do crime da Polícia Civil para a Polícia Científica.

  • Essa divisão ameaça desestruturar o modelo de investigação criminal brasileiro, comprometendo a eficácia da investigação e beneficiando organizações criminosas.

  • A PEC 76 representa uma ruptura estrutural e funcional no sistema de persecução penal brasileiro, podendo resultar em um desmonte da investigação criminal no país.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A PEC 76, de 2019, retira da Polícia Civil a apuração da materialidade do crime. A cisão com a perícia compromete a investigação criminal e enfraquece a persecução penal.

Resumo: A Proposta de Emenda à Constituição nº 76 ameaça desestruturar o modelo de investigação criminal brasileiro ao retirar da Polícia Civil a competência para a produção da prova da materialidade do crime. A divisão entre a autoria (Polícia Civil) e a materialidade (Polícia Científica), embora aparente ganho técnico, pode provocar o colapso da persecução penal, comprometer a eficácia da investigação e beneficiar organizações criminosas. Este artigo analisa os impactos constitucionais, legais e operacionais dessa mudança, denunciando o risco de extinção funcional da Polícia Civil e os reflexos nefastos para a segurança pública nacional.

Palavras-chave: PEC 76/2019, Polícia Civil, Polícia Científica, prova da materialidade, investigação criminal, segurança pública, persecução penal, desmonte institucional.


INTRODUÇÃO

A pretensão punitiva do Estado é exercida dentro de um modelo processual penal misto, estruturado em duas fases essenciais: a investigação preliminar e a fase processual judicializada. A colheita da prova da infração penal depende, primariamente, da apuração de dois elementos fundamentais: a materialidade do crime e os indícios suficientes de autoria. Esses elementos são reunidos pelas Polícias Judiciárias — a Polícia Civil dos Estados e a Polícia Federal — nos termos do artigo 144 da Constituição Federal e do Código de Processo Penal.

Contudo, a Proposta de Emenda Constitucional nº 76 propõe uma cisão radical entre a apuração da autoria e a materialidade, transferindo esta última para a chamada “polícia científica”. Caso seja aprovada, essa proposta poderá provocar um verdadeiro esvaziamento das funções constitucionais da Polícia Civil, transformando-a em mera coletora de depoimentos e provas testemunhais. Em vez de aprimorar o sistema, caminha-se para o desmonte da investigação criminal brasileira.


ANÁLISE CRÍTICA

A PEC 76 representa uma ruptura estrutural e funcional no sistema de persecução penal brasileiro. Atualmente, as polícias judiciárias, com base no Código de Processo Penal (artigos 155 a 250), conduzem investigações criminais que compreendem tanto a busca por indícios de autoria quanto a apuração da materialidade do delito. Essa atuação integrada, que permite uma linha lógica e coerente na montagem probatória, está ameaçada.

A proposta de dividir a responsabilidade entre duas agências — Polícia Civil (autoria) e Polícia Científica (materialidade) — ignora a complexidade e a interdependência dessas provas. Na prática, a perícia é parte indissociável do inquérito policial. Separar os dois campos significa enfraquecer a narrativa probatória e criar obstáculos à obtenção da verdade real.

Além disso, a retirada das funções periciais da Polícia Civil desconsidera o modelo previsto no artigo 2º da Lei nº 12.830/2013, que reconhece a atividade de investigação criminal como função essencial à justiça. A perícia oficial, embora técnica, deve manter vínculo orgânico com a autoridade policial responsável pelo inquérito. A desvinculação rompe o encadeamento lógico da investigação.

Sob a falsa premissa de tecnicismo, esconde-se um plano político de esvaziamento institucional da Polícia Civil, que há décadas sofre com sucateamento, baixos salários e desvalorização. Ao enfraquecer a Polícia Civil, o Estado entrega às organizações criminosas um presente inestimável: a desarticulação do principal órgão de investigação da República.

A descentralização mal planejada, sem integração plena entre as agências, compromete prazos, encadeamento lógico da prova e a eficácia da persecução penal. Nos crimes contra a pessoa, sexuais, patrimoniais ou ambientais, a ausência de sintonia entre a autoria e a materialidade pode anular todo o esforço investigativo. Com isso, o processo penal brasileiro se tornará uma colcha de retalhos disfuncional.


CONCLUSÃO

Se a PEC 76 for aprovada, assistiremos, impassíveis, à morte institucional da Polícia Civil no Brasil. Uma morte lenta, anunciada, mas carregada de consequências devastadoras para a justiça criminal e para a segurança pública.

A polícia investigativa será relegada à condição de espectadora da criminalidade. Sua atuação, outrora central, passará a ser periférica, burocrática e desarticulada. A quem interessa esse esvaziamento? Certamente não ao povo brasileiro, sedento por justiça e segurança, mas aos que temem a verdade e vivem das sombras do crime. É hora de clamar. É hora de lutar. É hora de resistir.

O povo brasileiro precisa despertar para a gravidade do que está em jogo. A destruição da Polícia Civil é também o sepultamento da segurança pública, da justiça penal e da própria dignidade nacional. Que não sejamos cúmplices do silêncio enquanto matam a espinha dorsal da investigação criminal. Que a história nos absolva — ou nos julgue.

Portanto, a proposta em discussão visa alterar a Constituição Federal para incluir as polícias científicas entre os órgãos de segurança pública, conferindo-lhes autonomia funcional e administrativa. Pretende-se, com isso, desvincular as polícias científicas das polícias civis, estabelecendo que sejam chefiadas exclusivamente por peritos oficiais de carreira.

Se aprovada a Proposta de Emenda à Constituição (PEC), teríamos, na prática, a criação de duas polícias investigativas distintas: uma incumbida da apuração dos indícios de autoria, e outra, da constatação da materialidade do delito. Em termos de atividade probatória, nos marcos dos artigos 155 a 250 do Código de Processo Penal, a estrutura de produção da prova se fragmentaria de forma dramática.

Assim, num crime de furto, por exemplo, caberia à Polícia Civil identificar os indícios suficientes de autoria — quer na modalidade simples, quer nas formas qualificadas, como a prática em concurso de pessoas, mediante fraude, abuso de confiança, destreza ou emprego de chave falsa. A polícia científica, por sua vez, teria a responsabilidade de aferir o valor econômico do bem subtraído, determinar as qualificadoras relacionadas à escalada, rompimento ou destruição de obstáculo para a consumação do delito.

Contudo, essa divisão artificial da atividade investigativa, sob o pretexto de valorizar a perícia, caminha na contramão da eficiência, da razoabilidade e da lógica processual penal. Rompe-se, assim, a espinha dorsal da unidade investigativa, sem qualquer amparo na dogmática jurídica consolidada e na jurisprudência nacional.

Seria como partir ao meio o pão da vaidade: alimentaria o ego de instituições sedentas por protagonismo, enquanto deixaria faminta a sociedade brasileira, obrigada a conviver com o avanço da impunidade, em nome de um estrelismo institucional que silencia o grito das vítimas e enfraquece a força do Estado na busca pela verdade real.

A investigação criminal é um todo harmônico, indivisível e racional. A cisão entre quem busca a autoria e quem revela a materialidade atenta contra a lógica do processo penal e contribui para o enfraquecimento do sistema acusatório, que exige a produção eficiente, célere e integrada da prova.

A perícia oficial, inegavelmente essencial, deve ser valorizada — mas dentro de um modelo que preserve a coerência da persecução penal, a economicidade dos recursos públicos e, sobretudo, a busca incansável pela justiça. Substituir a complementaridade pela cisão é enterrar a eficiência e ressuscitar a impunidade.

Mais do que criar novas polícias ou alimentar estruturas paralelas, o caminho correto — legítimo, republicano e técnico — seria reposicionar a Polícia Civil no ordenamento constitucional. Deve-se retirar a Polícia Judiciária da estrutura da segurança pública e alocá-la no título das Funções Essenciais à Justiça, ao lado do Ministério Público, da Defensoria Pública, da Advocacia Pública e da Advocacia Privada.

Esse deslocamento permitiria a necessária autonomia funcional, administrativa e financeira da Polícia Civil, resgatando sua verdadeira missão constitucional de servir à justiça. Para tanto, impõe-se modificar a Lei de Responsabilidade Fiscal, conferindo à instituição a possibilidade de gestão plena de seus recursos, assegurando-lhe a independência investigativa, livre de interferências políticas e amarras executivas.

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Essa medida não apenas resgataria a eficiência na prestação de um serviço público essencial à justiça, mas também fortaleceria o ideal republicano de um Estado que investiga com técnica, autonomia e imparcialidade.

Enquanto a vaidade institucional disputa os holofotes, o povo segue na escuridão da impunidade. É hora de iluminar a justiça com a tocha da independência investigativa, e não com o fogo-fátuo da vaidade corporativa.

Com esse modelo, se aprovado, selar-se-á o sepultamento da Polícia Civil e da Polícia Federal, juntas, encerradas no mesmo ataúde, enterradas no mesmo túmulo, sob o mesmo epitáfio: “Aqui jaz a investigação criminal no Brasil”.

Não haverá honras fúnebres suficientes para esconder o drama. A lápide será polida com as lágrimas do povo e o cortejo será conduzido por um Estado omisso, encurralado pela própria incompetência.

E por uma cruel ironia da história, em nome de uma suposta economia e fragmentação institucional, também será enterrada, no mesmo solo encharcado de desilusão, a Polícia Científica — que, sem corpo investigativo coeso, padecerá do mesmo mal: a asfixia da sua razão de ser.

Neste dia sombrio, não se ouvirão apenas discursos de lamento, mas os gritos silenciosos de vítimas sem justiça, os clamores de famílias abandonadas, os ecos de crimes não solucionados e o ruído ensurdecedor do fracasso institucional.

A criminalidade, livre de freios, alçará voo. A impunidade, nutrida pela desintegração investigativa, se tornará norma. O sistema de persecução penal ruirá como um castelo de cartas, sem alicerce, sem honra, sem glória.

Essa não será apenas uma falência técnica. Será a falência moral de um país que preferiu enterrar sua capacidade de investigar a reformar, com coragem, o que precisava ser fortalecido. Será o colapso de uma nação que, diante do crime, baixou as armas da razão e levantou as bandeiras da vaidade institucional.

A história cobrará seu preço. E quando a dor da impunidade bater à porta de cada lar, talvez seja tarde demais para ressuscitar o que foi enterrado vivo — a justiça.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Art. 144. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.

BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm.

BRASIL. Lei nº 12.830, de 20 de junho de 2013. Dispõe sobre a investigação criminal conduzida por delegado de polícia. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12830.htm.

PEC 76/2019. Proposta de Emenda à Constituição que “dispõe sobre a reestruturação da perícia oficial”. Senado Federal.

Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 21 de julho de 2025.

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Sobre o autor
Jeferson Botelho Pereira

Jeferson Botelho Pereira. Ex-Secretário Adjunto de Justiça e Segurança Pública de MG, de 03/02/2021 a 23/11/2022. É Delegado Geral de Polícia Civil em Minas Gerais, aposentado. Ex-Superintendente de Investigações e Polícia Judiciária de Minas Gerais, no período de 19 de setembro de 2011 a 10 de fevereiro de 2015. Ex-Chefe do 2º Departamento de Polícia Civil de Minas Gerais, Ex-Delegado Regional de Governador Valadares, Ex-Delegado da Divisão de Tóxicos e Entorpecentes e Repressão a Homicídios em Teófilo Otoni/MG, Graduado em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro - FENORD - Teófilo Otoni/MG, em 1991995. Professor de Direito Penal, Processo Penal, Teoria Geral do Processo, Instituições de Direito Público e Privado, Legislação Especial, Direito Penal Avançado, Professor da Academia de Polícia Civil de Minas Gerais, Professor do Curso de Pós-Graduação de Direito Penal e Processo Penal da Faculdade Estácio de Sá, Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela FADIVALE em Governador Valadares/MG, Prof. do Curso de Pós-Graduação em Ciências Criminais e Segurança Pública, Faculdades Unificadas Doctum, Campus Teófilo Otoni, Professor do curso de Pós-Graduação da FADIVALE/MG, Professor da Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC-Teófilo Otoni. Especialização em Combate à corrupção, crime organizado e Antiterrorismo pela Vniversidad DSalamanca, Espanha, 40ª curso de Especialização em Direito. Mestrando em Ciências das Religiões pela Faculdade Unida de Vitória/ES. Participação no 1º Estado Social, neoliberalismo e desenvolvimento social e econômico, Vniversidad DSalamanca, 19/01/2017, Espanha, 2017. Participação no 2º Taller Desenvolvimento social numa sociedade de Risco e as novas Ameaças aos Direitos Fundamentais, 24/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Participação no 3º Taller A solução de conflitos no âmbito do Direito Privado, 26/01/2017, Vniversidad DSalamanca, Espanha, 2017. Jornada Internacional Comjib-VSAL EL espaço jurídico ibero-americano: Oportunidades e Desafios Compartidos. Participação no Seminário A relação entre União Europeia e América Latina, em 23 de janeiro de 2017. Apresentação em Taller Avanco Social numa Sociedade de Risco e a proteção dos direitos fundamentais, celebrado em 24 de janeiro de 2017. Doutorando em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad Del Museo Social Argentino, Buenos Aires – Argentina, autor do Livro Tráfico e Uso Ilícitos de Drogas: Atividade sindical complexa e ameaça transnacional, Editora JHMIZUNO, Participação no Livro: Lei nº 12.403/2011 na Prática - Alterações da Novel legislação e os Delegados de Polícia, Participação no Livro Comentários ao Projeto do Novo Código Penal PLS nº 236/2012, Editora Impetus, Participação no Livro Atividade Policial, 6ª Edição, Autor Rogério Greco, Coautor do Livro Manual de Processo Penal, 2015, 1ª Edição Editora D´Plácido, Autor do Livro Elementos do Direito Penal, 1ª edição, Editora D´Plácido, Belo Horizonte, 2016. Coautor do Livro RELEITURA DE CASOS CÉLEBRES. Julgamento complexo no Brasil. Editora Conhecimento - Belo Horizonte. Ano 2020. Autor do Livro VIOLÊNCIA DOMÉSTICA. 2022. Editora Mizuno, São Paulo. articulista em Revistas Jurídicas, Professor em Cursos preparatórios para Concurso Público, palestrante em Seminários e Congressos. É advogado criminalista em Minas Gerais. OAB/MG. Condecorações: Medalha da Inconfidência Mineira em Ouro Preto em 2013, Conferida pelo Governo do Estado, Medalha de Mérito Legislativo da Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 2013, Medalha Santos Drumont, Conferida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, em 2013, Medalha Circuito das Águas, em 2014, Conferida Conselho da Medalha de São Lourenço/MG. Medalha Garimpeiro do ano de 2013, em Teófilo Otoni, Medalha Sesquicentenária em Teófilo Otoni. Medalha Imperador Dom Pedro II, do Corpo de Bombeiros, 29/08/2014, Medalha Gilberto Porto, Grau Ouro, pela Academia de Polícia Civil em Belo Horizonte - 2015, Medalha do Mérito Estudantil da UETO - União Estudantil de Teófilo Otoni, junho/2016, Título de Cidadão Honorário de Governador Valadares/MG, em 2012, Contagem/MG em 2013 e Belo Horizonte/MG, em 2013.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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