Capa da publicação Fator previdenciário prejudica quem mais contribuiu
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O fator previdenciário e o impacto causado nos contribuintes do teto máximo

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Resumo:


  • O fator previdenciário gera distorções na renda dos aposentados, desrespeitando princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, isonomia e equidade.

  • A jurisprudência do STF reconhece a constitucionalidade do fator previdenciário, mas o STJ e os TRFs têm garantido revisões de benefícios quando há afronta à proporcionalidade contributiva.

  • Propõe-se uma revisão legislativa do fator previdenciário, a aplicação do princípio do melhor benefício, ampliação do acesso à justiça para revisão de benefícios e criação de mecanismos compensatórios para os contribuintes do teto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

5. JURISPRUDÊNCIA: ANÁLISE DAS DECISÕES DOS TRIBUNAIS SUPERIORES

A jurisprudência dos Tribunais Superiores desempenha papel essencial na consolidação dos entendimentos sobre o fator previdenciário e sua repercussão sobre os contribuintes que sempre recolheram sob o teto do Regime Geral da Previdência Social (RGPS). Este capítulo apresenta uma análise crítica e sistemática das principais decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), articulando-as com os fundamentos doutrinários e as normas legais pertinentes.

A atuação dos Tribunais Superiores tem sido decisiva para suprir lacunas legislativas, corrigir injustiças e assegurar direitos fundamentais dos segurados. Em matéria previdenciária, a jurisprudência evolui constantemente, orientando a administração pública e o Judiciário de primeira instância sobre a interpretação das normas. Contudo, os julgados relacionados ao fator previdenciário revelam um sistema que, muitas vezes, reconhece a legalidade da norma, mas não sua legitimidade social ou constitucional.

O Recurso Extraordinário (RE) 630.501/RS, julgado pelo STF em 2011, é um marco no enfrentamento do fator previdenciário. O plenário da Corte decidiu pela constitucionalidade da fórmula, alegando que ela visa ao equilíbrio atuarial do sistema. No entanto, ministros como Ayres Britto e Lewandowski manifestaram ressalvas sobre sua aplicação indiscriminada, reconhecendo possíveis efeitos inconstitucionais em casos concretos. "É legítimo preservar o equilíbrio financeiro da Previdência, mas isso não pode se dar às custas da dignidade do segurado" (Min. Ayres Britto, STF, RE 630.501/RS).

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem decidido em favor de segurados que demonstram a existência de benefício mais vantajoso à época da aposentadoria, afastando a aplicação automática do fator previdenciário:

  • REsp 1.727.063/SP – Reconhecimento do direito ao melhor benefício.

  • REsp 1.348.536/SP – Legitimidade da revisão de aposentadoria para afastar o fator.

Nestes precedentes, o STJ entendeu que o fator previdenciário não deve ser imposto quando sua aplicação resultar em violação ao princípio da proporcionalidade contributiva, devendo prevalecer o melhor benefício possível. Os TRFs têm proferido decisões de grande relevância, muitas vezes aplicando o chamado princípio da confiança legítima. Segurados que contribuíram sob o teto esperam que seus benefícios reflitam essa trajetória contributiva. Veja exemplos:

  • TRF4, Apelação Cível 5002359-13.2018.4.04.7201/SC – Afastamento do fator em virtude da desproporcionalidade entre contribuições e benefício.

  • TRF3, AC 0002204-91.2017.4.03.6183/SP – Reconhecimento do direito à revisão de benefício com base em regras mais vantajosas.

Quadro 4: Precedentes relevantes

Tribunal

Processo

Tese aplicada

Resultado

Relevância

STF

RE 630.501/RS

Constitucionalidade do fator

Aplicação mantida

Paradigma nacional

STJ

REsp 1.727.063/SP

Direito ao melhor benefício

Revisão autorizada

Proteção à proporcionalidade

STJ

REsp 1.348.536/SP

Possibilidade de revisão por prejuízo evidente

Procedente

Combate à penalização injusta

TRF4

5002359-13.2018.4.04.7201

Injustiça contributiva

Fator afastado

Exemplar

TRF3

0002204-91.2017.4.03.6183

Regra mais benéfica

Revisão concedida

Aplicabilidade da equidade

Fonte: Adaptado de jurisprudência disponível no site do Superior Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br), Supremo Tribunal Federal (www.stf.jus.br) e TRFs, compilado e analisado por: Bramante, 2021; Castro; Lazzari, 2023.

Doutrinadores como Ibrahim (2019) e Martinez (2022) sustentam que as decisões que mantêm o fator previdenciário ignoram a materialidade da violação à isonomia, especialmente para quem sempre contribuiu sob o teto. Não basta a legalidade da norma: sua aplicação concreta precisa ser justa. Já Carlos Alberto Pereira de Castro (2023) critica o STF por não enfrentar os impactos sociais e econômicos do fator, concentrando-se apenas em seu papel formal no equilíbrio atuarial.

Quadro 5: Leis, decretos e normas em cotejo com a jurisprudência

Norma

Conteúdo

Interpretação Judicial

CF/88, art. 201

Proporcionalidade do benefício

Ignorada na aplicação do fator

Lei 9.876/1999

Cria o fator previdenciário

Confirmada pelo STF, relativizada pelo STJ

Decreto 3.048/1999, art. 29-A

Detalha fórmula

Vincula INSS, mas pode ser afastado judicialmente

EC 103/2019

Nova sistemática pós-reforma

Não soluciona distorções passadas

IN nº 128/2022

Normas internas de cálculo

Exige aplicação do fator, salvo ordem judicial

Fonte: Bramante, 2021; Castro; Lazzari, 2023.

A jurisprudência, especialmente no STJ, tem se mostrado sensível ao argumento de injustiça contributiva. No entanto, ainda há forte resistência à relativização da fórmula imposta pela Lei nº 9.876/1999. A ausência de um posicionamento firme do STF quanto à aplicação proporcional do fator prejudica milhares de segurados. Do ponto de vista prático, as decisões favoráveis exigem ações individuais, o que torna o sistema oneroso, moroso e elitizado, pois somente segurados com condições de buscar o Judiciário conseguem acesso a decisões mais justas.

A análise da jurisprudência revela que os tribunais superiores vêm, gradualmente, reconhecendo os vícios materiais do fator previdenciário. O STF confirmou sua constitucionalidade, mas o STJ vem abrindo espaço para revisões fundadas na proporcionalidade, na confiança legítima e na proteção ao direito adquirido. No entanto, ainda é necessário um posicionamento firme e vinculante, que garanta segurança jurídica e uniformidade na aplicação do Direito Previdenciário. A manutenção de decisões divergentes e a necessidade de judicialização individual reforçam a desigualdade e afetam, principalmente, os segurados que mais contribuíram ao sistema.


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho examinou, sob uma perspectiva crítica, os efeitos do fator previdenciário sobre os contribuintes que sempre recolheram sob o teto máximo do RGPS. Identificou-se que a aplicação automática do fator gera distorções severas na renda dos aposentados, afrontando princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a isonomia, a equidade e o direito adquirido. A análise jurisprudencial demonstrou que, embora o STF tenha reconhecido a constitucionalidade formal do fator previdenciário, o STJ e os TRFs vêm garantindo revisões de benefícios quando se identifica afronta à proporcionalidade contributiva. A doutrina especializada converge para a necessidade urgente de revisão desse modelo, uma vez que ele penaliza de forma desproporcional os segurados de maior contribuição.

O fator previdenciário gera desigualdade entre os contribuintes e desrespeita o pacto previdenciário firmado com os segurados que recolheram sob o teto por décadas; A aplicação indiscriminada do fator compromete a justiça social e o equilíbrio entre contribuição e benefício; A jurisprudência evolui no sentido de proteger o direito ao melhor benefício e o respeito ao ato jurídico perfeito; A EC nº 103/2019 não corrigiu distorções anteriores nem conferiu soluções satisfatórias à parcela de contribuintes atingidos pelo fator; A dignidade da pessoa humana deve ser parâmetro orientador da aplicação das regras previdenciárias.

Quadro 6: Impactos antes e depois da EC 103/2019

Regra Aplicável

Base de Cálculo

Impacto no Benefício

Observação

Antes da EC 103/2019

Média + fator previdenciário

Redução entre 20% e 40%

Sem compensação proporcional

Após EC 103/2019

Coeficiente de 60% + tempo extra

Redução média de 30%

Sistema mais complexo e regressivo

Regras de transição

Pontos + idade mínima

Redução controlada

Ainda aplicável fator em alguns casos

Fonte: Bramante, 2021; Castro; Lazzari, 2023.

Diante das conclusões apresentadas, propõem-se as seguintes medidas para melhoria do sistema previdenciário brasileiro no que tange à equidade contributiva e justiça previdenciária: Revisão legislativa do fator previdenciário, com substituição por fórmula que respeite tempo e valor de contribuição, Aplicação efetiva do princípio do melhor benefício, com ampliação da atuação administrativa do INSS para orientar os segurados, Ampliação do acesso à Justiça para revisão de benefícios com base em direito adquirido e proporcionalidade. Criação de mecanismos compensatórios para os contribuintes de teto que foram penalizados antes da EC nº 103/2019. Fortalecimento da atuação da Defensoria Pública e do Ministério Público em defesa coletiva dos segurados prejudicados.

É essencial que o sistema previdenciário brasileiro retome sua vocação originária de proteção social. Não se pode tratar o direito à aposentadoria apenas sob a ótica fiscal ou atuarial, esquecendo-se que se trata de um direito social fundamental. A dignidade da pessoa humana deve ser a linha mestra de todas as políticas públicas, especialmente daquelas que envolvem a velhice e a proteção de quem por décadas sustentou o sistema com fé e responsabilidade.


REFERÊNCIAS

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BRASIL. Lei nº 9.876/1999. Dispõe sobre a contribuição previdenciária do contribuinte individual, o cálculo do benefício, altera dispositivos das Leis nos 8.212 e 8.213, ambas de 24 de julho de 1991, e dá outras providências. Edição extra e retificada no DOU de 6.12.1999. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9876.htm. Acesso em 15 jul. 2025.

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Sobre as autoras
Lucia Maria Fontes Gomes

Graduanda em Direito na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim︎

Ednea Zandonadi Brambila Carletti

Mestre em Ciência da Informação pela PUC-Campinas. Especialista em Informática na Educação pelo Ifes. Graduação em Pedagogia pela FAFIA. Professora e Coordenadora do curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucia Maria Fontes ; CARLETTI, Ednea Zandonadi Brambila. O fator previdenciário e o impacto causado nos contribuintes do teto máximo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8058, 24 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114971. Acesso em: 11 dez. 2025.

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