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O fator previdenciário e o impacto causado nos contribuintes do teto máximo

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Resumo:


  • O fator previdenciário gera distorções na renda dos aposentados, desrespeitando princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, isonomia e equidade.

  • A jurisprudência do STF reconhece a constitucionalidade do fator previdenciário, mas o STJ e os TRFs têm garantido revisões de benefícios quando há afronta à proporcionalidade contributiva.

  • Propõe-se uma revisão legislativa do fator previdenciário, a aplicação do princípio do melhor benefício, ampliação do acesso à justiça para revisão de benefícios e criação de mecanismos compensatórios para os contribuintes do teto.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O fator previdenciário penaliza quem sempre contribuiu pelo teto, gerando distorções e afrontando a proporcionalidade no RGPS.

Resumo: O presente trabalho analisa os efeitos do fator previdenciário sobre os contribuintes que sempre recolheram com base no teto máximo do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Instituído pela Lei nº 9.876/1999, o fator previdenciário foi concebido como mecanismo de equilíbrio atuarial, mas sua aplicação tem gerado distorções significativas, sobretudo para os segurados de maior capacidade contributiva. Apesar da legalidade formal reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, diversos autores e decisões judiciais destacam a injustiça material do modelo, ao penalizar quem mais contribuiu ao longo da vida laboral. A pesquisa evidencia que a fórmula do fator desconsidera aspectos como a proporcionalidade contributiva, a dignidade da pessoa humana e as desigualdades regionais na expectativa de vida. Além disso, revela um sistema regressivo que desestimula a contribuição sobre o teto e compromete a confiança no pacto previdenciário. A análise doutrinária e jurisprudencial demonstra que, embora haja espaço para revisão judicial em casos concretos, o modelo vigente carece de uma reforma legislativa que assegure equidade e justiça social. O estudo conclui pela necessidade de revisão estrutural da fórmula do fator previdenciário, com propostas como bônus compensatórios, fórmulas híbridas e respeito ao princípio do melhor benefício. Defende-se que a dignidade da pessoa humana e a proporcionalidade devem nortear as políticas previdenciárias, resgatando a confiança no sistema público de proteção social.

Palavras-chave: Fator previdenciário; Previdência Social; Teto contributivo; Justiça contributiva; Proporcionalidade.


1. INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem como objetivo analisar criticamente o fator previdenciário e seus impactos sobre os segurados que sempre contribuíram sob o teto máximo da Previdência Social brasileira. O fator previdenciário, instituído pela Lei nº 9.876/1999, modificou significativamente a forma de cálculo dos benefícios no Regime Geral de Previdência Social (RGPS), ao introduzir uma fórmula que leva em consideração a idade, o tempo de contribuição e a expectativa de vida do segurado no momento da aposentadoria.

Embora concebido com a justificativa de promover equilíbrio atuarial e sustentabilidade financeira ao sistema, sua aplicação tem gerado sérias controvérsias, sobretudo para os segurados de maior capacidade contributiva. Estes, ao longo de suas vidas laborais, realizaram recolhimentos mensais com base no teto previdenciário, nutrindo a expectativa legítima de que sua aposentadoria seria proporcional ao montante efetivamente contribuído. No entanto, o fator previdenciário muitas vezes atua como redutor significativo do valor dos benefícios, penalizando justamente os contribuintes mais constantes e assíduos.

A presente pesquisa busca, portanto, discutir a (in)justiça material do fator previdenciário sob a ótica de princípios constitucionais como a dignidade da pessoa humana, a proporcionalidade, o direito adquirido e a segurança jurídica. Nesse contexto, também serão abordadas a evolução legislativa, os fundamentos doutrinários, os posicionamentos jurisprudenciais e as possíveis alternativas que visam uma reforma estrutural do modelo previdenciário brasileiro.

A relevância social e acadêmica do tema se revela na urgência de repensar mecanismos que, embora válidos formalmente, contribuem para o desestímulo à contribuição sobre o teto e para o descrédito do sistema previdenciário público, especialmente num país onde a previdência representa o principal meio de proteção social para a população economicamente ativa.

A metodologia adotada neste trabalho possui abordagem qualitativa por meio de pesquisa bibliográfica, com base em revisão doutrinária, análise legislativa e exame crítico de jurisprudência recente dos Tribunais Superiores.

Esse debate recai sobre a necessidade de revisão do fator previdenciário, especialmente no tocante aos impactos causados nos contribuintes que sempre contribuíram no limite máximo estabelecido pelo INSS.


2. CONTEXTO HISTÓRICO E FUNDAMENTOS DO FATOR PREVIDENCIÁRIO

O sistema previdenciário brasileiro tem suas raízes ainda no início do século XX, com a criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs) para categorias específicas de trabalhadores. Com o passar das décadas, essas estruturas evoluíram até a unificação promovida pela Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o Regime Geral de Previdência Social (RGPS) como direito social e dever do Estado (art. 6º e art. 201 da CF/88).

Esse sistema tem como base o modelo de repartição simples, no qual os trabalhadores ativos financiam os benefícios dos inativos, criando um pacto intergeracional. Com o aumento da expectativa de vida e a redução da taxa de natalidade, o modelo passou a apresentar desequilíbrios financeiros e atuarialmente insustentáveis.

Com o objetivo de frear aposentadorias precoces e reduzir o impacto financeiro na Previdência Social, foi sancionada a Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999, que instituiu o fator previdenciário. Esse mecanismo passou a integrar o cálculo dos benefícios por tempo de contribuição no RGPS, incidindo de forma obrigatória para os segurados do sexo masculino e feminino, salvo nos casos de aposentadoria por idade (em que a aplicação é opcional, caso seja vantajosa). Segundo Penaferi e Afonso (2013) o fator previdenciário é uma fórmula matemática que considera quatro variáveis principais:

  • Idade do segurado no momento da aposentadoria;

  • Tempo de contribuição ao RGPS;

  • Expectativa de vida divulgada pelo IBGE;

  • Alíquota fixa de contribuição.

A lógica do fator é clara, visto que quanto mais cedo o segurado se aposenta, menor será seu benefício. Quanto mais tarde, maior será o valor da aposentadoria. Do ponto de vista técnico, o fator previdenciário busca promover o equilíbrio atuarial, previsto no art. 201, §1º da Constituição Federal de 1988, que impõe ao sistema o dever de manter a relação sustentável entre receita e despesa. Seu objetivo principal é desestimular aposentadorias precoces e incentivar o prolongamento da vida laboral, além de proporcionar uma “compensação” entre o tempo esperado de recebimento do benefício e o montante efetivamente contribuído. Porém, tal fundamento matemático não considera diferenças socioeconômicas, desigualdade regional de expectativa de vida e a efetiva capacidade de contribuição de cada classe trabalhadora, gerando, por consequência, efeitos regressivos e desiguais (Goes, 2023).

A doutrina majoritária reconhece que o fator previdenciário tem sustentação legal e atua dentro de uma lógica de responsabilidade fiscal. Contudo, juristas apontam seus efeitos perversos, especialmente para aqueles que sempre contribuíram sobre o teto. Como por exemplo, Wladimir Novaes Martinez (2017), o fator previdenciário quebra o elo entre esforço contributivo e valor do benefício, criando frustração legítima no segurado que contribui mais e recebe menos.

De igual modo, Fábio Zambitte Ibrahim (2011) destaca que o fator penaliza contribuintes mais velhos que, apesar de terem longa carreira, enfrentam redução drástica em seu benefício pela simples alteração estatística da expectativa de vida.

A jurisprudência dos tribunais, inicialmente, consolidou a constitucionalidade formal do fator. O Supremo Tribunal Federal, no RE 676.335/SE, firmou entendimento de que o fator não viola, em tese, os princípios da dignidade da pessoa humana ou da proporcionalidade. É constitucional o fator previdenciário, desde que observado o princípio da razoabilidade e a vedação ao retrocesso social.” (STF, RE 676.335/SE, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/08/2015).

No entanto, mesmo o STF (2015) reconhece que sua aplicação concreta pode ser objeto de controle judicial, especialmente quando gerar efeitos desproporcionais. Entre as principais críticas ao fator previdenciário, destacam-se:

  • Injustiça contributiva: contribuintes do teto máximo sofrem grande redução no valor de sua aposentadoria, apesar de recolhimentos elevados por anos.

  • Desestímulo à contribuição sobre o teto: trabalhadores tendem a migrar para previdência privada ou reduzir contribuições quando percebem que o retorno público é desvantajoso.

  • Expectativa de vida regionalizada: a fórmula utiliza dados nacionais do IBGE, desconsiderando diferenças regionais, de gênero e classe social.

Quadro 1 – Exemplo comparativo de Impacto

Perfil do Segurado

Tempo de Contribuição

Idade

Expectativa de Vida

Fator Previdenciário

Redução no Benefício

Contrib teto (A)

35 anos

55

81,3 anos

0,71

-29%

Contrib teto (B)

40 anos

61

81,3 anos

0,93

-7%

Contrib teto (C)

43 anos

65

81,3 anos

1,00

Sem redução

Fonte: Simulação baseada em fórmula da Lei nº 9.876/99.

O fator previdenciário é fruto de um contexto histórico de crise fiscal e tentativa de contenção de despesas. Embora juridicamente válido, ele representa, na prática, um instrumento de redução de direitos, com especial gravidade sobre os contribuintes de maior poder contributivo. Sua permanência no ordenamento jurídico deve ser constantemente reavaliada à luz dos princípios constitucionais e do respeito à confiança legítima do segurado.


3. O CÁLCULO DO FATOR PREVIDENCIÁRIO: FÓRMULA, VARIÁVEIS E IMPACTOS

O fator previdenciário, instituído pela Lei nº 9.876/1999, foi concebido como um mecanismo de desestímulo à aposentadoria precoce, sob a justificativa de preservar o equilíbrio financeiro e atuarial do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). A fórmula matemática utilizada considera quatro variáveis: idade, tempo de contribuição, expectativa de vida e alíquota de contribuição. O resultado dessa equação pode majorar ou reduzir o valor da aposentadoria, tendo como maior impacto a penalização daqueles que contribuíram sob o teto durante longos períodos, mas se aposentaram antes de atingir uma idade elevada.

Doutrinadores como Wladimir Novaes Martinez (2017) e Carlos Alberto Pereira de Castro e Joao Batista Lazzari (2018) criticam a fórmula por ignorar critérios de justiça contributiva, especialmente para os segurados que sempre contribuíram com as alíquotas máximas. Tais contribuintes são prejudicados, pois, mesmo após décadas de recolhimentos elevados, têm seus proventos reduzidos em razão de um fator atuarial desvinculado da realidade concreta de suas contribuições e condições laborais.

A jurisprudência pátria também se debruçou sobre o tema. O Superior Tribunal de Justiça (STJ), no julgamento do REsp 1.348.536/SP, firmou o entendimento de que o fator previdenciário deve ser aplicado compulsoriamente na aposentadoria por tempo de contribuição, salvo em hipóteses de regras de transição mais benéficas. Já o Supremo Tribunal Federal (STF), no RE 630.501/RS, decidiu que o fator previdenciário não é inconstitucional, mas reconheceu a possibilidade de revisão da aposentadoria com base em novos cálculos ou teses jurídicas posteriormente reconhecidas.

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No aspecto normativo, destaca-se que a Constituição Federal de 1988, em seu art. 201, §7º, assegura a aposentadoria conforme critérios que preservem o valor real do benefício. Já o Decreto nº 3.048/1999, em seu art. 29-A, regulamenta a aplicação do fator previdenciário no cálculo da aposentadoria. Posteriormente, a Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência) estabeleceu novas regras para o cálculo dos benefícios, mas manteve os efeitos do fator previdenciário para os casos regidos pelas normas anteriores, especialmente nas regras de transição.

A Instrução Normativa INSS nº 128/2022 detalha os critérios administrativos para o cálculo do fator, evidenciando que sua aplicação permanece vigente para aposentadorias concedidas com base em direito adquirido até a vigência da Reforma. Nota-se, portanto, que o fator ainda integra o arcabouço jurídico previdenciário, mesmo que sua aplicabilidade tenha sido atenuada com a criação das regras da pontuação mínima e das novas idades fixadas pela EC 103/2019.

A crítica central reside no impacto desproporcional causado sobre os trabalhadores de renda média e alta, que, mesmo arcando com os maiores encargos previdenciários, veem-se obrigados a planejar longos anos de contribuição adicional para não sofrerem prejuízos. O fator, ao não distinguir adequadamente perfis contributivos distintos, afronta o princípio da isonomia contributiva, além de violar, em alguns casos, o princípio do equilíbrio atuarial ao criar distorções que comprometem a confiança no sistema.

Assim, a manutenção do fator previdenciário sem uma revisão de sua fórmula ou sem mecanismos de compensação justa aos segurados que sempre contribuíram pelo teto revela um sistema que penaliza a regularidade e a boa-fé contributiva, o que demanda atenção legislativa e judicial urgente.

O fator previdenciário, desde sua criação pela Lei nº 9.876/1999, gerou relevantes reflexos no planejamento da aposentadoria dos segurados do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Contudo, seu impacto é ainda mais expressivo entre os contribuintes que sempre realizaram recolhimentos com base no teto previdenciário, pois, mesmo aportando os maiores valores ao sistema, veem seus benefícios reduzidos por uma fórmula que não considera adequadamente a lógica da proporcionalidade contributiva.

O contribuinte do teto é aquele que, ao longo de sua vida laboral, realizou contribuições mensais com base na remuneração máxima fixada pela legislação previdenciária. Em geral, trata-se de profissionais liberais, empresários, servidores públicos em regime celetista, entre outros trabalhadores da iniciativa privada com renda elevada. Em função disso, esperam, legitimamente, que o valor da aposentadoria reflita sua média histórica de contribuições. A frustração ocorre quando, após décadas de recolhimentos máximos, o benefício é significativamente reduzido.

A fórmula do fator previdenciário utiliza quatro variáveis: idade, tempo de contribuição, expectativa de sobrevida e alíquota de contribuição. Essa última, embora faça parte da equação, não tem o mesmo peso das demais variáveis. Assim, não há proporcionalidade direta entre quanto o segurado contribuiu e o valor do benefício, o que atinge especialmente aqueles que contribuíram sobre o teto por longos períodos.

Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari (2018) afirmam que o fator previdenciário promove uma injustiça silenciosa, pois penaliza exatamente aqueles que mais contribuíram ao longo de suas vidas, sem promover compensações adequadas à alta carga contributiva.

O Poder Judiciário tem enfrentado essa controvérsia, ainda que com limitações. Em decisões como o REsp 1.727.063/SP (STJ), reconheceu-se a possibilidade de revisão do benefício com base no melhor benefício disponível à época do requerimento, desde que comprovado o direito adquirido. Em outro julgado emblemático, o STF no RE 630.501/RS, rel. Min. Ayres Britto, reafirmou a constitucionalidade do fator previdenciário, mas abriu espaço para o debate sobre sua aplicação em casos de evidente desproporcionalidade contributiva.

O fator previdenciário, na prática, contraria os seguintes princípios constitucionais:

  • Isonomia (CF, art. 5º, caput): não trata de forma equânime segurados que recolheram valores significativamente distintos;

  • Proporcionalidade contributiva (CF, art. 201, §1º): não assegura benefício proporcional à média de contribuições;

  • Seguridade social como direito (CF, art. 6º): enfraquece a confiança no sistema previdenciário como instrumento de proteção.

A expectativa de sobrevida, definida anualmente pelo IBGE, tem sido constantemente ampliada. Esse fator, por sua vez, é incorporado à fórmula, reduzindo automaticamente o valor dos benefícios a cada atualização, independentemente da real condição de saúde, longevidade ou qualidade de vida do segurado. Isso afeta ainda mais os contribuintes do teto, que, apesar de manterem padrão elevado de contribuição, são forçados a trabalhar por mais tempo ou aceitar um benefício aquém de suas contribuições.

Diante das distorções provocadas, doutrinadores como Serau Junior, 2018, Cechin e Cechin, 2021 e Kertzman, 2022 sugerem alternativas:

  • Revisão da fórmula do fator, com maior peso à contribuição histórica.

  • Adoção de um modelo híbrido, combinando idade mínima com média de contribuições sem fator redutor.

  • Criação de bônus de benefício para contribuintes do teto, como forma de mitigar os efeitos regressivos do modelo atual.

O impacto do fator previdenciário sobre os contribuintes do teto máximo representa uma das maiores distorções do RGPS. O sistema penaliza justamente os segurados que mais confiaram na Previdência Social, recolhendo valores expressivos ao longo de décadas. A jurisprudência ainda não consolidou uma solução eficaz, enquanto o legislador permanece omisso quanto a uma reforma estrutural do modelo de cálculo.

Enquanto o sistema não se adequar aos princípios constitucionais da proporcionalidade e equidade, continuará promovendo injustiças estruturais que minam a confiança da população no pacto previdenciário. Urge, portanto, uma revisão legislativa e jurisprudencial que prestigie o equilíbrio atuarial sem sacrificar a justiça contributiva.


4. LEGISLAÇÃO APLICADA: LEIS, DECRETOS, EMENDAS E INSTRUÇÕES NORMATIVAS

A construção do regime previdenciário brasileiro é alicerçada em um conjunto normativo robusto, que envolve a Constituição Federal de 1988, leis ordinárias, decretos regulamentares, emendas constitucionais e instruções normativas expedidas pelo INSS. Este arcabouço jurídico visa regulamentar o acesso aos benefícios previdenciários, mas, na prática, revela uma série de contradições, lacunas e injustiças, especialmente no que se refere à aplicação do fator previdenciário.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, notadamente em seu artigo 201, define que a previdência social deve assegurar benefícios que preservem o valor real, respeitando os princípios da solidariedade, universalidade, equidade e equilíbrio financeiro e atuarial. Contudo, com o advento do fator previdenciário, muitos especialistas apontam violação aos princípios constitucionais, principalmente da isonomia contributiva, pois tratamentos iguais são aplicados a situações desiguais, penalizando os contribuintes de alta renda sem qualquer mecanismo compensatório.

Segundo Martinez (2022) o modelo previdenciário brasileiro, ao desprezar a efetiva capacidade contributiva de cada segurado, colide frontalmente com os princípios da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana.

A Lei nº 8.213/1991, que dispõe sobre os Planos de Benefícios da Previdência Social, estabelece as diretrizes para concessão e cálculo dos benefícios. Em seu art. 29, definiu a forma de cálculo das aposentadorias, inicialmente baseada na média aritmética dos maiores salários de contribuição.

Após a Lei nº 9.876/1999, essa média passou a ser acompanhada do fator previdenciário, com impacto direto no valor final dos benefícios. Não obstante sua legalidade, a aplicação do fator gerou enorme perda financeira aos segurados do teto, conforme demonstrado no quadro 2 a seguir:

Quadro 2: Fator Previdenciário

Simulação

Média salários (teto)

Fator prev

Benefício final

Redução (%)

Homem, 60 anos, 35

R$ 7.786,00

0,70

R$ 5.450,20

-29,96%

Mulher, 57 anos, 30

R$ 7.786,00

0,62

R$ 4.827,32

-38,01%

Fonte: Lei nº 9.876/1999

A promulgação da Lei nº 9.876/1999 foi um marco no sistema previdenciário brasileiro. A norma introduziu o fator previdenciário com o argumento de combater aposentadorias precoces e equilibrar o sistema a longo prazo. A fórmula, que considera a idade, o tempo de contribuição, a alíquota e a expectativa de sobrevida, inverteu a lógica contributiva: quanto mais cedo o trabalhador se aposenta, menor será o valor do benefício, mesmo que tenha contribuído sob o teto. O fator previdenciário representa uma resposta econômica a uma demanda social, mas sua rigidez matemática acabou criando um sistema de exclusão silenciosa (Castro; Lazzari, 2023).

O Decreto nº 3.048/1999, especialmente em seus artigos 29 e 29-A, regulamenta o cálculo dos benefícios do RGPS. Apesar de sua natureza infralegal, o Decreto se transformou em instrumento essencial na definição dos critérios administrativos para o INSS. O Decreto reforça a obrigatoriedade da aplicação do fator previdenciário, o que tem sido objeto de crítica doutrinária e de judicialização. Em muitos casos, decisões judiciais afastam a aplicação do fator quando provado que a sua incidência fere o direito ao melhor benefício.

Emenda Constitucional nº 103/2019 (Reforma da Previdência) alterou significativamente a estrutura do sistema. Embora tenha extinguido o fator previdenciário para os novos segurados, manteve sua aplicação para os casos regidos pelas regras anteriores, incluindo as regras de transição. Isso significa que milhares de contribuintes do teto ainda são afetados pela fórmula original. A crítica principal é que a EC 103/2019 não reparou as distorções históricas geradas pela Lei nº 9.876/1999, perpetuando a injustiça contributiva.

As Instruções Normativas (IN) do INSS são normas internas de aplicação obrigatória aos servidores da autarquia. Dentre elas, a mais relevante é a IN nº 128/2022, que estabelece os procedimentos para análise, concessão, revisão e recurso dos benefícios previdenciários. A IN nº 128/2022 obriga a aplicação do fator previdenciário sempre que o cálculo do benefício envolver a aposentadoria por tempo de contribuição anterior à EC 103/2019, salvo decisão judicial ou comprovação de regra mais vantajosa.

A jurisprudência dos tribunais superiores tem oscilado, mas alguns julgados são fundamentais:

  • STF, RE 630.501/RS: reafirma a constitucionalidade do fator previdenciário, mas reconhece a necessidade de observar o direito ao melhor benefício.

  • STJ, REsp 1.727.063/SP: confirma que o segurado pode revisar o benefício se provar que teria direito a benefício mais vantajoso sem o fator.

  • STJ, REsp 1.348.536/SP: legitima a aplicação do fator, mas admite revisões se o cálculo não respeitar o princípio da proporcionalidade.

A doutrina brasileira vem alertando para a ausência de justiça contributiva no sistema. A aplicação linear da fórmula do fator previdenciário ignora particularidades de contribuintes que sustentam a base financeira da Previdência. As críticas concentram-se em três pontos:

  • Ausência de proporcionalidade entre contribuição e benefício.

  • Desconsideração da capacidade contributiva real do segurado.

  • Prejuízo irrecuperável ao valor dos benefícios mais altos, contrariando os princípios constitucionais.

A previdência pública brasileira pune o sucesso financeiro do segurado. Quanto mais se contribui, menos proporcional é a retribuição. Isso mina a confiança no sistema.”
(Ibrahim, 2022). A análise do conjunto normativo que embasa o fator previdenciário revela um sistema desarmônico, no qual a legislação infraconstitucional e administrativa contradiz os princípios superiores da Constituição Federal de 1988. Leis como a nº 9.876/1999, embora revestidas de legalidade, produzem efeitos práticos que colocam em xeque a equidade do sistema.

A necessidade de uma reforma legislativa corretiva é evidente. O atual modelo ignora a diversidade de trajetórias contributivas, especialmente daqueles que sempre contribuíram sob o teto. Tais contribuintes, longe de representar ameaça ao equilíbrio atuarial, são pilares do financiamento da Previdência. Uma legislação que os penaliza, portanto, não é apenas injusta: é ineficiente e contraditória

O estudo da doutrina previdenciária é essencial para compreender os fundamentos teóricos e os embates jurídicos em torno da aplicação do fator previdenciário, sobretudo no que tange ao tratamento conferido aos contribuintes que recolheram ao Regime Geral da Previdência Social (RGPS) sob o teto máximo. A doutrina expõe as falhas sistemáticas da legislação e os impactos concretos que ela acarreta, revelando uma estrutura normativa que, embora legal, é amplamente criticada por sua injustiça distributiva e desrespeito à equidade contributiva.

Desde sua criação, o fator previdenciário tem sido amplamente criticado por renomados doutrinadores do Direito Previdenciário, como Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari, Fábio Zambitte Ibrahim, Wladimir Novaes Martinez e Theodoro Vicente Agostinho. Segundo tais autores, o instituto introduz uma lógica puramente atuarial, que desconsidera as especificidades sociais, econômicas e profissionais dos segurados, especialmente dos que mais contribuem.

Segundo Ibrahim (2019) o fator previdenciário peca por seu formalismo excessivo. Ignora a capacidade contributiva real e penaliza os que mais confiaram no sistema. Esses estudiosos defendem uma reforma do sistema que respeite o princípio da proporcionalidade contributiva, previsto na Constituição Federal de 1988, e que assegure justiça social, sem comprometer o equilíbrio financeiro do sistema. A doutrina aponta que o fator previdenciário viola diversos princípios constitucionais, entre eles:

  • Isonomia (art. 5º, caput, CF) – ao tratar igualmente contribuintes que recolheram valores substancialmente distintos;

  • Equidade na forma de participação no custeio (art. 194, V, CF) – princípio ignorado na lógica da fórmula atual;

  • Proporcionalidade contributiva (art. 201, §1º, CF) – desrespeitado quando benefícios são descolados do volume de contribuições;

  • Dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF) – violado ao se permitir aposentadorias que não garantem a manutenção do padrão de vida mesmo após décadas de contribuição no teto.

A fórmula do fator previdenciário é criticada por sua rigidez e insensibilidade às especificidades do contribuinte. Conforme define o art. 29-A da Lei nº 8.213/91:

f = tc x a x (1 + id) / es

(Onde: f = fator previdenciário; tc = tempo de contribuição; a = alíquota; id = idade; es = expectativa de sobrevida)

A doutrina afirma que a fórmula aplica um redutor que penaliza os segurados mais jovens, mesmo com longos tempos de contribuição, e favorece apenas aqueles que retardam a aposentadoria, muitas vezes em prejuízo da saúde ou da qualidade de vida.

Quadro 3 - Impacto comparado entre perfis contributivos

Perfil Contributivo

Tempo (anos)

Idade

Contribuição média

Fator previdenciário

Aposentadoria estimada

Contribuinte 1 (teto)

35

58

R$ 7.786,00

0,72

R$ 5.602,00

Contribuinte 2 (médio)

35

60

R$ 4.500,00

0,79

R$ 3.555,00

Contribuinte3 (mínimo)

30

62

R$ 1.412,00

0,85

R$ 1.200,00

Fonte: Simulação com base nos parâmetros da Tábua de Mortalidade do IBGE e legislação vigente até a EC 103/2019.

A análise comparativa demonstra que o contribuinte do teto é proporcionalmente mais penalizado, o que contradiz o próprio princípio do seguro social contributivo. A Reforma da Previdência, promovida pela Emenda Constitucional nº 103/2019, alterou as regras de acesso aos benefícios e modificou a lógica de cálculo dos novos benefícios. Entretanto, a doutrina alerta que ela não solucionou as distorções históricas criadas pelo fator previdenciário.

Segundo Theodoro Vicente Agostinho (2024), a EC 103/2019 institucionalizou novos mecanismos redutores dos benefícios, como o coeficiente de 60% acrescido de 2% por ano adicional, perpetuando o desequilíbrio entre contribuição e benefício. A doutrina também dialoga com a jurisprudência, revelando tensões entre legalidade e constitucionalidade. Vejamos os principais julgados discutidos na doutrina:

  • STF – RE 630.501/RS: reafirma a legalidade do fator previdenciário, mas sugere sua inconstitucionalidade implícita quando aplicado de forma desproporcional.

  • STJ – REsp 1.727.063/SP: permite a revisão do benefício com base em direito adquirido ao benefício mais vantajoso.

  • STJ – REsp 1.348.536/SP: reconhece que o fator previdenciário pode ser afastado quando sua aplicação viola o direito ao melhor benefício.

Autores contemporâneos como Serau Junior, 2018, Cechin e Cechin, 2021 e Kertzman, 2022 defendem diversas propostas:

  • Substituição do fator por uma fórmula híbrida, que valorize o tempo de contribuição e a média salarial.

  • Adoção de bônus previdenciários para contribuintes do teto, como forma de justiça redistributiva.

  • Criação de um fator de majoração compensatório, vinculado ao tempo de contribuição sob o teto, corrigindo distorções históricas.

A doutrina previdenciária nacional é clara ao apontar que o fator previdenciário, tal como aplicado no Brasil, viola os princípios basilares do sistema de seguridade social. Ao tratar desigualmente contribuintes que sustentam financeiramente o sistema, o modelo atual inverte a lógica do seguro social e desestimula a contribuição voluntária acima do mínimo.

Trata-se de uma falha estrutural que só será corrigida mediante uma reforma legislativa profunda, pautada por parâmetros atuariais realistas, mas também humanos e proporcionais.

Sobre as autoras
Lucia Maria Fontes Gomes

Graduanda em Direito na Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim︎

Ednea Zandonadi Brambila Carletti

Mestre em Ciência da Informação pela PUC-Campinas. Especialista em Informática na Educação pelo Ifes. Graduação em Pedagogia pela FAFIA. Professora e Coordenadora do curso de Direito da Faculdade de Direito de Cachoeiro de Itapemirim.︎

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Lucia Maria Fontes ; CARLETTI, Ednea Zandonadi Brambila. O fator previdenciário e o impacto causado nos contribuintes do teto máximo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8058, 24 jul. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/114971. Acesso em: 11 dez. 2025.

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