Resumo: O presente artigo propõe uma reflexão sobre a soberania nacional como fundamento do Estado brasileiro, percorrendo sua evolução histórica nas Constituições do país, com destaque para o texto de 1988. Enfatiza-se a soberania popular e a autonomia constitucional como pilares do Estado Democrático de Direito. O estudo também insere o debate no contexto global, com análise do Objetivo nº 16 da Agenda 2030 da ONU, que propõe a construção de sociedades pacíficas, justas e inclusivas. A partir de uma análise crítica, conclui-se que o Brasil não pode retroceder à condição de colônia política ou econômica, e que cabe ao povo a responsabilidade de moldar seu destino com consciência cívica e mobilização social.
Palavras-chave: Soberania; Constituição Federal; Democracia; Agenda 2030; Autonomia; Revolução de Consciência; Estado de Direito.
INTRODUÇÃO
A história do Brasil passa por três grandes períodos: Colonial, Imperial e Republicano. O período colonial, entre 1500 e 1822, foi marcado pela exploração portuguesa, pela submissão política e econômica e pela ausência de autodeterminação. Com a independência em 1822, o país ingressou no período imperial, regido por uma monarquia constitucional até 1889. A república, instaurada a partir de então, passou por diversas transformações políticas, institucionais e constitucionais, refletindo as mudanças nas aspirações populares e nos contextos históricos.
Desde a Constituição de 1824, passando pelas Cartas de 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e a Emenda Constitucional de 1969, o Brasil evoluiu até alcançar a Constituição de 1988 — marco jurídico da redemocratização e símbolo da vontade soberana do povo brasileiro. Esta Constituição, que celebra quase quatro décadas de vigência, consagra logo em seu artigo 1º a soberania como um de seus fundamentos, ao lado da cidadania, dignidade da pessoa humana, valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e pluralismo político.
Soberania, do latim supremitas potestas, significa o poder supremo de autodeterminação. Nas palavras de Rousseau, “soberano é o povo”. Assim, o modelo constitucional brasileiro é fruto do poder popular, e qualquer mudança que afronte esse princípio equivale a retroceder historicamente, a entregar a carta de alforria conquistada com suor, sangue e luta.
Abordando a construção conceitual de soberania no contratualismo de Hobbes, Locke e Rousseau, com autoridade, PESSOA apresenta com singular brilho o seu pensamento acerca do tema tão relevante:
“(...) A formação da sociedade, e mais especificamente do Estado, é alvo de estudos a partir de diversas abordagens, sendo a contratualista a que se apresenta como sendo das mais relevantes para o estudo das ciências sociais. A partir dessas lentes, alguns autores se propuseram a pensar o surgimento do Estado a partir da conversão do estado de natureza do homem em um estado de civilização, por intermédio do que chamam de Contrato Social. Este instrumento, possui como objetivo o de congregar os indivíduos que antes viviam conforme seus próprios desígnios pessoais, quando muito guiados por um conjunto de princípios morais universais. Deste modo, o contrato social retira os indivíduos de seu estado de natureza e inaugura o que os autores chama de Estado Civil, ou estado civilizado, onde a partir do momento de sua instituição, estes mesmos indivíduos deverão passar a viver a partir de um conjunto de normas, assim como sob o mando de um Estado/Poder Soberano. Neste ponto, entende-se a soberania, de maneira essencial, como sendo o poder de um Estado de exercer o poder que lhe foi outorgado pelo contrato social que lhe deu existência. Para alguns autores, essa soberania demonstra-se como o exercício da vontade geral, para outros, como a manifestação de um poder absoluto(...)”1
E continua o mestre:
“(...) O que se entende pela filosofia contratualista está intimamente ligado a como surgem e são mantidos os Estados tais como os conhecemos. Neste sentido, o advento da idade moderna trouxe consigo um arcabouço de ideias que refletiam não mais a configuração de uma sociedade feudal, tal como havia sido vivenciado na Europa nos séculos anteriores à queda do Império Romano do Oriente, mas sim uma acepção intelectual que refletia uma autêntica preocupação com a forma com que os Estados eram fundados e mantidos. Em continuidade, diversos autores empenharam seus esforços no sentido de desvendar as maneiras nas quais os indivíduos que, vivendo em comunidade, acordam entre si a instituição de um poder comum. Estas pesquisas renderam frutos que mais tarde ficaram conhecidos como Contratualismo, em razão de enxergarem o surgimento do Estado a partir de um Contrato Social firmado entre componentes humanos de determinadas comunidades, maiores ou menores. Entre os grandes expoentes do Contratualismo estão Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau, cujas ideias, em grande parte divergentes, acabaram por cunhar a forma com que os estudos sobre o surgimento do Estado, assim como o seu atributo mais marcante, a Soberania, se dariam a partir daquele momento. (...)”2
Conforme ensina com maestria o grande jurista mineiro de Pompeu, José Afonso da Silva, a soberania não precisava ser mencionada, pois constitui-se fundamento do próprio conceito de Estado.3
Destarte, a soberania, à luz da teoria clássica do Direito, é muito mais que uma simples característica do Estado: é o seu núcleo vital, o sopro originário que lhe confere existência e autoridade. Representa o poder supremo, absoluto e indelegável, que emana do próprio povo e se consolida na capacidade do Estado de se autodeterminar plenamente, tanto no plano interno quanto no cenário internacional.
Internamente, a soberania é a força que legitima a criação de leis, a manutenção da ordem e a imposição da justiça. É o escudo jurídico que protege a vontade popular contra tiranias disfarçadas e intromissões indevidas. Externamente, é o estandarte da independência nacional, que impede qualquer ingerência estrangeira e sustenta a dignidade do Estado no concerto das nações.
Trata-se, portanto, de um atributo essencial e inegociável. Sem soberania, não há Estado — há apenas ficção política, território vulnerável e povo à mercê dos ventos da submissão. Com soberania, há dignidade, há governo legítimo, há povo erguido, há história sendo escrita com tinta própria.
É essa soberania — firme, indômita, constitucional — que deve ser defendida com vigor por todas as instituições republicanas. Pois onde ela for violada, o Estado sangra; e quando ela é esquecida, a nação adormece, subjugada pelo ruído da servidão e pelo silêncio da alienação.
EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA SOBERANIA NAS CONSTITUIÇÕES BRASILEIRAS
A soberania esteve presente em todas as Constituições brasileiras como fundamento do Estado. Cada texto constitucional refletiu sua época, ora mais autoritário, ora mais democrático, mas jamais se afastou da noção de soberania nacional.
Constituição de 1824: a primeira do Brasil, estabeleceu um império constitucional, centralizado no poder moderador, mas já reconhecia o império do Brasil como soberano e independente.
Constituição de 1891: com a Proclamação da República, instituiu-se o presidencialismo e consolidou-se o federalismo, reforçando a ideia de um Estado soberano composto por entes federados autônomos.
Constituição de 1934: reafirmou o princípio da soberania popular, com ênfase nos direitos sociais.
Constituição de 1937: sob o Estado Novo, houve uma concentração de poderes no Executivo, mas ainda se proclamava o Brasil como uma nação soberana.
Constituição de 1946: retomou o Estado Democrático de Direito, após o fim da ditadura Vargas, reafirmando a soberania popular.
Constituição de 1967 (e EC nº 1/1969): instaurada durante o regime militar, ainda que sob regime autoritário, mantinha a soberania como pilar jurídico formal.
Constituição de 1988: fruto da Assembleia Nacional Constituinte, representa o pacto democrático e pluralista da sociedade brasileira. A soberania é tratada como fundamento do Estado (art. 1º, I) e como valor essencial nas relações internacionais (art. 4º, I).
Essa trajetória demonstra que, independentemente das rupturas institucionais e dos contextos políticos, a soberania permaneceu como cláusula essencial da existência da nação brasileira.
À luz dos artigos 1º, inciso I, e 4º da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, depreende-se que a soberania constitui atributo essencial e inalienável do Estado brasileiro, sendo a base que sustenta sua existência política, jurídica e internacional.
No plano interno, ela figura como um dos fundamentos da República, garantindo a supremacia do ordenamento jurídico nacional e o exercício pleno da vontade popular. Já no cenário internacional, a soberania é projetada por meio de um conjunto de princípios que orientam as relações exteriores da Nação, reafirmando, entre outros, a independência nacional, a autodeterminação dos povos, a não-intervenção, a igualdade entre os Estados, a defesa da paz, a solução pacífica dos conflitos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.
Esses princípios não são meras declarações programáticas: são fios condutores da dignidade do Brasil no concerto das nações, erigindo uma ordem internacional fundada no respeito mútuo, na justiça e na convivência pacífica.
Portanto, a soberania brasileira não se limita a um poder formal; é expressão viva da liberdade de um povo que se recusa a ser tutelado, subjugado ou manipulado. É a insígnia de uma nação que escreve sua própria história com independência, com coragem e com os olhos voltados para o progresso ético da humanidade.
OBJETIVO Nº 16 DA AGENDA 2030: PAZ, JUSTIÇA E INSTITUIÇÕES FORTES
O Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 16 da Agenda 2030 da ONU visa “promover sociedades pacíficas e inclusivas para o desenvolvimento sustentável, proporcionar o acesso à justiça para todos e construir instituições eficazes, responsáveis e inclusivas em todos os níveis”.
Nesse contexto, a soberania nacional está intrinsecamente ligada à capacidade do país de construir instituições que reflitam a vontade popular e sejam capazes de resolver conflitos, promover a equidade e garantir direitos fundamentais.
A justiça, quando acessível a todos, é uma expressão prática da soberania do povo. Instituições fortes não nascem da tutela de países estrangeiros, nem da imposição de modelos alienígenas, mas da capacidade de um povo de autodeterminar suas regras, corrigir suas falhas e lutar por suas aspirações. Negar a soberania é negar a paz, a justiça e o próprio futuro sustentável.
ANÁLISE CRÍTICA
Apesar de proclamarmos a soberania como fundamento constitucional, o Brasil frequentemente se curva a interesses externos. Intervenções de organismos financeiros, decisões judiciais estrangeiras com pretensões transnacionais e tratados que colocam em risco a autonomia legislativa nacional demonstram um cenário preocupante.
Essa fragilidade da soberania se agrava quando setores internos — políticos, econômicos ou ideológicos — promovem deliberadamente a subserviência nacional em nome de interesses particulares. Governos que buscam agradar a potências externas ou seguir cartilhas internacionais sem adaptação à realidade local colocam em xeque a autodeterminação do povo brasileiro.
Se a soberania é do povo, o povo deve ser ouvido. E se o modelo atual não representa a maioria, deve ser corrigido por meio dos instrumentos legais, democráticos e legítimos previstos no próprio sistema constitucional. O Brasil não pode aceitar a tutela estrangeira disfarçada de “ajuda internacional”. Não precisamos de novos colonizadores, precisamos de consciência popular e ação cívica.
CONCLUSÃO
Soberania é um dos elementos constitutivos do próprio conceito de Estado, ao lado do território, do povo e do governo. Em uma democracia representativa, fundada na vontade popular, é o Parlamento quem edifica o modelo de contrato social, moldando as normas que regerão a vida em sociedade. Esse modelo normativo possui força de império, poder coercitivo e legitimidade para ordenar a convivência no território nacional.
Quem detém o poder soberano no Brasil é o povo, titular originário da autoridade constitucional, que delega — temporariamente — poderes aos seus representantes para que construam, em seu nome, o modelo de organização política, econômica e social da nação. Nenhum poder é maior do que a vontade coletiva legitimamente expressa.
Se algum tirano aloprado, sem noção, ousar ameaçar a nossa soberania, é dever de cada um dos mais de 200 milhões de brasileiros erguer-se com coragem e determinação, empunhando o escudo da dignidade nacional para repelir qualquer tentativa de submissão arbitrária ou boçal. O Brasil deixou de ser colônia há mais de dois séculos, mas, lamentavelmente, ainda carrega, em algumas de suas instituições e práticas políticas, os ecos da subserviência e da dependência externa.
A soberania não é apenas um conceito jurídico: é um princípio vital, uma chama que arde no espírito de um povo livre. É o grito silencioso que ecoa nas urnas, nas ruas e nos tribunais, exigindo respeito, autonomia e liberdade.
E se o modelo vigente não serve mais ao povo, que se ergam novas lideranças, que se forjem novos caminhos, e que a nação desperte para uma verdadeira revolução de consciência. Porque um país soberano não se ajoelha — ele se levanta.
A história não se escreve apenas com tinta legislativa, mas com a chama da vontade popular. O Brasil é soberano. O Brasil é livre. E só o povo pode decidir os rumos da nação.
Não há mais espaço para administrações tuteladas por interesses externos. É hora de o Brasil se colocar de pé, com instituições fortes, justiça para todos e o povo como senhor do próprio destino.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BOBBIO, Norberto. Teoria Geral da Política.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
BRASIL. Constituição Imperial de 1824.
BRASIL. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891.
BRASIL. Constituições de 1934, 1937, 1946, 1967 e Emenda Constitucional nº 1/1969.
DECLARAÇÃO DOS DIREITOS DO HOMEM E DO CIDADÃO, 1789.
FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional.
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS. Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://www.undp.org/pt/brazil
ROUSSEAU, Jean-Jacques. O Contrato Social.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo.
Notas
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PESSOA. Matheus Damacena. A CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE SOBERANIA NO CONTRATUALISMO: HOBBES, LOCKE E ROUSSEAU. Disponível em <https://revista.unitins.br/index.php/humanidadeseinovacao/article/view/9343>. Acesso em 23 de julho de 2025, às 13h4min.
PESSOA (2024).
SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 1994. p. 95.
Texto ajustado com apoio técnico da IA ChatGPT. Acesso em 24 de julho de 2025.