5. A Soberania como Processo Negociado
5.1. Introdução: repensando a soberania na era da interdependência
A soberania, tradicionalmente concebida como um poder absoluto e indivisível do Estado, sofre transformações significativas no contexto da globalização e das relações internacionais contemporâneas. O Brasil, inserido em um sistema internacional marcado por desigualdades de poder e interdependência crescente, precisa compreender a soberania como um processo dinâmico e negociado, em que a autonomia plena é relativizada em prol da cooperação e da construção de consensos.
Este capítulo explora as formas pelas quais o Brasil pode — e deve — atuar para preservar sua soberania dentro desse quadro, utilizando blocos regionais, diplomacia multilateral e estratégias de soft power para aumentar seu espaço de manobra.
5.2. Blocos regionais como instrumentos de fortalecimento da soberania
5.2.1. Mercosul: desafios e potencialidades
O Mercado Comum do Sul (Mercosul), fundado em 1991, tem como objetivo a integração econômica e política dos países membros da América do Sul, incluindo Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai. A ideia central é que, unidos, os países da região possam negociar em bloco, ampliando seu poder de barganha perante potências externas.
Desafios: divergências internas, crises políticas, e diferenças econômicas entre membros enfraquecem a coesão do bloco, limitando sua eficácia na defesa da soberania coletiva.
Potencialidades: o MERCOSUL pode ser uma plataforma para negociações conjuntas em comércio, segurança e meio ambiente, reduzindo a vulnerabilidade individual dos países.
5.2.2. BRICS: cooperação entre países emergentes
O grupo BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) representa a cooperação entre potências emergentes com o objetivo de promover uma ordem mundial multipolar.
Objetivos: maior influência em instituições internacionais, desenvolvimento econômico conjunto e criação de alternativas ao sistema liderado pelos EUA e Europa.
Limitações: interesses divergentes e falta de institucionalização rigorosa impedem uma ação coordenada eficaz.
5.2.3. Outros blocos e alianças regionais
O Brasil também participa de organizações como a Unasul e a CPLP, que contribuem para a coordenação política regional e cultural, reforçando a identidade e capacidade coletiva.
5.3. Diplomacia multilateral e o papel do Brasil
5.3.1. Participação em organismos internacionais
O Brasil tem papel ativo em instituições como ONU, OMC, Organização Mundial da Saúde e outras, onde busca influenciar normas e decisões internacionais.
A diplomacia multilateral permite ao Brasil construir consensos, formar coalizões e defender seus interesses em fóruns globais.
Entretanto, o peso brasileiro nesses organismos ainda é limitado frente às potências tradicionais.
5.3.2. Diplomacia econômica e negociação comercial
No âmbito do comércio internacional, o Brasil negocia acordos bilaterais e multilaterais para expandir mercados e proteger setores estratégicos.
O equilíbrio entre liberalização e proteção é fundamental para manter a soberania econômica.
5.4. Soft power e construção da imagem internacional
O soft power, ou poder de persuasão e influência cultural, é um instrumento essencial para que o Brasil aumente seu prestígio e atraia cooperação.
Cultura e língua: a difusão da cultura brasileira, música, literatura e língua portuguesa amplia sua presença global.
Ciência e tecnologia: investimentos em inovação e parcerias acadêmicas fortalecem a imagem do país.
Meio ambiente e sustentabilidade: liderança em temas como preservação da Amazônia e energias renováveis pode consolidar o Brasil como ator responsável.
5.5. Soberania como negociação contínua
A soberania, portanto, não é um dado fixo, mas um processo constante de negociação, ajuste e equilíbrio entre autonomia e interdependência.
O Brasil precisa atuar estrategicamente para ampliar seu espaço de decisão, construindo alianças, dialogando e adaptando-se às realidades globais.
Essa postura pragmática não significa renúncia, mas sim a busca por maximizar ganhos e minimizar riscos no complexo jogo internacional.
6. Considerações Finais
A soberania nacional, tradicionalmente compreendida como o poder supremo e independente de um Estado dentro de seu território, tem enfrentado desafios crescentes na contemporaneidade, especialmente diante da atuação de potências hegemônicas como os Estados Unidos. A partir da reflexão sobre o dilema brasileiro — resistir ou ceder às pressões externas — compreende-se que a soberania deixou de ser um conceito absoluto para se tornar uma prática relativa, permeada por negociações, concessões e cálculos geopolíticos.
Quando um Estado como o Brasil se vê diante da imposição de sanções simbólicas, como o cancelamento de vistos de ministros de sua Suprema Corte, o que está em jogo não é apenas um gesto diplomático, mas a própria autoridade interna e o reconhecimento externo da legitimidade de suas instituições. Responder ou não a esse tipo de ação envolve ponderações delicadas entre o orgulho nacional e a realpolitik. Cedendo, o Brasil evita rupturas diplomáticas, prejuízos econômicos e tensões que podem impactar diretamente sua população. Por outro lado, resistindo, reafirma sua dignidade soberana e rejeita a condição de subordinação tácita que o sistema internacional por vezes impõe aos países do Sul Global.
Essa tensão revela o verdadeiro cerne da soberania no século XXI: trata-se menos de um direito inalienável e mais de uma disputa constante por reconhecimento, equilíbrio e sobrevivência em um sistema internacional assimétrico. Não há respostas fáceis. Mas é certo que, ao optar pela passividade absoluta ou pela resistência cega, o Brasil pode comprometer tanto sua segurança quanto sua autonomia. O caminho mais estratégico parece residir na capacidade de formular uma política externa autônoma, mas realista; firme, mas diplomática; soberana, mas não isolacionista. Em última análise, a soberania hoje é o resultado de uma equação entre força, legitimidade e diplomacia — uma equação que o Brasil deve aprender a resolver de forma inteligente, estratégica e nacionalmente orientada.
Referências
AGNEW, John. Globalization and Sovereignty. Lanham: Rowman & Littlefield, 2009.
ARRIGHI, Giovanni. O longo século XX: dinheiro, poder e as origens do nosso tempo. 3. ed. São Paulo: UNESP, 2008.
BULL, Hedley. A Sociedade Anárquica: um estudo da ordem na política mundial. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 2002.
FERNANDES, Rubens Ricupero. A diplomacia na construção do Brasil: 1750-2016. Rio de Janeiro: Versal, 2017.
FUKUYAMA, Francis. Ordem política e decadência política: da Revolução Industrial à globalização da democracia. Rio de Janeiro: Rocco, 2015.
HOBSBAWM, Eric. A era dos extremos: o breve século XX, 1914–1991. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.
HOLSTI, K. J. Sovereignty and International Relations: The Changing Foundations of International Order. In: International Organization, v. 48, n. 1, p. 1-22, 1994.
KISSINGER, Henry. Diplomacia. São Paulo: Francisco Alves, 1994.
MORAES, Reginaldo Nasser de. Geopolítica e soberania no mundo contemporâneo. In: Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas, Brasília, v. 6, n. 2, p. 10-35, 2012.
SARAIVA, Miriam Gomes. A política externa brasileira e os Estados Unidos: entre a autonomia e a solidariedade. In: Revista Brasileira de Política Internacional, Brasília, v. 50, n. 1, p. 30-47, 2007.
SILVA, André Luiz Reis da. Relações internacionais: teoria e história. 3. ed. Porto Alegre: UFRGS Editora, 2020.
SOUZA, Jessé. A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato. Rio de Janeiro: Leya, 2017.
VIOTTI, Paul R.; KAUPPI, Mark V. International Relations Theory: Realism, Pluralism, Globalism, and Beyond. 5th ed. Boston: Pearson, 2012.
WALLERSTEIN, Immanuel. O sistema mundial moderno. Vol. I. Lisboa: Centelha, 1980.
ZARTMAN, I. William. Power and Negotiation. Ann Arbor: University of Michigan Press, 2000.