Existe algo medieval sobre as IAs que julgam processos

28/07/2025 às 18:50
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Yanis Varoufakis acertou na mosca ao defender a tese de que nós estamos vendo nascer o tecnofeudalismo, um regime econômico muito diferente do capitalismo. Mas para entender como esse fenômeno afeta o campo jurídico é preciso olhar além do verniz tecnológico.

Quando utilizadas por advogados, as IAs têm uma forte tendência a produzir alucinações. Como precisam fornecer respostas a questões jurídicas, se não encontrarem precedentes adequados, IAs inventam jurisprudência capaz de atender às expectativas do usuário. Isso criou inúmeros problemas; advogados e até juízes foram humilhados por causa disso.

Mas ninguém percebeu que, ao atuar no campo jurídico sem levar em conta a dogmática jurídica para servir aos usuários, as IAs agem exatamente como Pierre Cauchon (1371-1442). Para atender às necessidades dos ingleses, o juiz do caso Joana d'Arc abandonou completamente a dogmática jurídica. Portanto, Pierre Cauchon pode ser considerado o santo padroeiro das IAs que respondem a questões jurídicas.

Pierre Cauchon trocou o resultado do julgamento de Joana d'Arc por dinheiro e uma nova e importante posição. O principal objetivo das empresas que criam e licenciam IAs é ganhar notoriedade, uma fatia do mercado e muito dinheiro no menor tempo possível. O mesmo incentivo, a mesma ganância por lucro, o mesmo resultado deprimente, completamente desalinhado com a verdadeira Justiça.

Há, no entanto, um paradoxo aqui. Pierre Cauchon condenou e queimou Joana d'Arc injustamente. O dano causado por Cauchon acabou saindo pela culatra para os ingleses e para si mesmo, pois Joana d'Arc se tornou um símbolo poderoso para os franceses reconquistarem seu país, e o juiz se tornou um exemplo eterno de desonestidade judicial intolerável.

Mas as IAs têm o poder de destruir as carreiras de milhares de profissionais do direito e prejudicar milhares ou milhões de pessoas que entram com ações judiciais. À medida que seu uso aumenta, os danos que as IAs podem causar aos sistemas de justiça são imensos, potencialmente levando à insegurança jurídica e até mesmo à desestabilização política em países desenvolvidos.

O julgamento de Joana d'Arc foi anulado, mas isso não restaurou a vida dela. Anular milhares ou milhões de casos julgados erroneamente por IAs é possível, mas desaconselhável, pois apenas jogaria mais gasolina na fogueira. Portanto, podemos dizer que o patrono das IAs é menos prejudicial do que as próprias IAs. No campo jurídico, as IAs têm o potencial de superar o patrono delas em sua má reputação.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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