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O legado do Krav Maga na proteção dos direitos humanos

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O Krav Maga pode ser considerado uma ferramenta legítima de proteção dos direitos humanos? A prática fortalece a autodefesa e a dignidade, sobretudo diante da omissão estatal.

Resumo: A crescente sensação de insegurança vivenciada nas grandes cidades brasileiras tem impulsionado muitas pessoas, especialmente mulheres, a buscarem alternativas de autodefesa e fortalecimento físico e psicológico diante da violência urbana. Este artigo parte de uma vivência pessoal marcada por episódios traumáticos, como assaltos e perseguições, que revelaram não apenas a vulnerabilidade cotidiana de indivíduos diante da criminalidade, mas também a ausência de respostas efetivas do Estado no que diz respeito à proteção dos direitos fundamentais, como a vida, a integridade física e a dignidade. Diante desse cenário, o Krav Maga — sistema israelense de defesa pessoal, criado com foco em sobrevivência real — emergiu como um instrumento não apenas físico, mas também simbólico de resistência e reconquista de autonomia. O presente trabalho propõe uma análise crítica sobre o legado do Krav Maga na proteção dos direitos humanos, considerando sua aplicação prática em contextos urbanos, sua dimensão educativa e preventiva, e o impacto transformador que promove na subjetividade de seus praticantes, especialmente no que se refere ao enfrentamento de situações de violência.

Palavras-Chave: Krav Maga. Defesa Pessoal. Violência Urbana. Direitos Humanos. Legitima Defesa.


INTRODUÇÃO

Pode-se questionar, inicialmente, qual é a relação entre o Krav Maga e a proteção dos Direitos Humanos. Para o senso comum, o Krav Maga costuma ser associado à violência, brutalidade e até mesmo à letalidade. Por outro lado, há quem sequer tenha tido o privilégio de ouvir falar sobre essa prática. Há ainda aqueles que alegam que o Krav Maga seria o oposto dos direitos humanos, uma vez que não possui regras ou competições esportivas.

Entretanto, uma análise mais cuidadosa revela que o Krav Maga vai além das percepções superficiais e equivocadas. Desenvolvido em um contexto de guerra e perseguição, por Imi Lichtenfeld, como forma de autodefesa para judeus perseguidos durante o nazismo, o Krav Maga nasceu como uma ferramenta de proteção da vida e da dignidade humana. Sua essência não está na agressividade, mas na resposta proporcional e objetiva diante de ameaças reais, especialmente quando não há outra opção senão se defender.

Essa abordagem prática e direta, desprovida de regras esportivas e competições, não nega os direitos humanos — ao contrário, os reafirma. O princípio fundamental do Krav Maga é proteger o indivíduo de forma eficiente, com base na ética da sobrevivência, na prevenção da violência e no respeito à integridade própria e alheia. Assim, ao ser inserido em contextos como segurança pública, defesa pessoal de populações vulneráveis e capacitação civil, o Krav Maga pode ser compreendido como uma prática que fortalece, e não nega, os direitos humanos.

Diante desse cenário, este artigo propõe uma análise crítica do legado do Krav Maga enquanto ferramenta de proteção dos direitos humanos. Ao investigar suas origens, fundamentos filosóficos e aplicações práticas no contexto contemporâneo, busca-se evidenciar como essa técnica de defesa pessoal pode contribuir para a promoção da dignidade humana, sobretudo em situações de vulnerabilidade e risco. Longe de representar uma ameaça aos direitos fundamentais, o Krav Maga pode ser compreendido como uma resposta legítima à necessidade de proteção, empoderamento e resistência contra diferentes formas de violência.


A ORIGEM DO KRAV MAGA

O Krav Maga foi criado na década de 40, por Imi Lichtenfeld, um judeu - húngaro que desenvolveu esse sistema de defesa pessoal em meio ao crescente antissemitismo na Europa. Diante das agressões físicas sofridas por judeus nas ruas de Bratislava, Imi entendeu que o esporte e as artes marciais tradicionais não eram suficientes para enfrentar a brutalidade e a covardia dos ataques. Assim, elaborou um método prático, objetivo e acessível, cujo propósito principal era proteger a vida e garantir a integridade física das pessoas perseguidas.

Essa origem histórica confere ao Krav Maga um caráter ético e humanitário. Ele não foi concebido como instrumento de ataque ou dominação, mas como uma forma de autodefesa frente à opressão e à violação dos direitos mais básicos, como o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Ao compreender esse contexto, percebe-se que o Krav Maga surge como uma resposta legítima e necessária à violência sistemática e à omissão do Estado diante de minorias vulneráveis.

Algumas máximas proferidas por Imi Lichtenfeld consolidaram-se como verdadeiros lemas, expressando de forma clara a essência do Krav Maga: “Seja bom o suficiente para evitar o conflito.” e “Reaja na proporção da necessidade”.

O Krav Maga nasceu em meio á guerras e ao caos. As ruas não eram como um ringue. Não tinha tatame, cordas, juízes, regras. Luta justa é esporte. Campeões de boxe, luta livre, Karatê ou qualquer outro conhecimento em modalidades conhecidas, entenderam que nada que sabiam, funcionava nas ruas. Sem cumprimento, sem aviso para começar a luta, sem limites de rounds, sem cumprimentar o adversário. Sem categoria por peso, sem pedir tempo, medalhas ou troféus. Atacados pelas costas, atacados por multidões. Defendendo os amigos, contra inimigos em cada esquina. Defendendo a mãe, o pai, o avo, o filho do vizinho. Xingado pelas ruas, apontado por aqueles que se diziam seus amigos um dia. Correntes, facas, varas de ferro e muito ódio.

Krav Maga vai além de defesa pessoal: é uma verdadeira obra baseada em valores éticos, com uma didática estruturada, um programa de ensino bem definido, disciplina e um conteúdo que transforma vidas. Mais do que técnicas de combate, o Krav Maga oferece um caminho de autoconhecimento, autocontrole e fortalecimento físico e emocional, promovendo impactos significativos na trajetória de quem o pratica.

Essa proposta de transformação e desenvolvimento humano não surgiu por acaso. Foi formalmente consolidada em 1978, quando Imi Lichtenfeld oficializou o Krav Maga ao fundar a Associação de Krav Maga Israelense. A partir desse marco, a arte passou a ser difundida de maneira sistematizada, respeitando seus princípios fundadores e ganhando o mundo como um legado de resistência, proteção e dignidade.

Com o avanço da década de 1980, Imi deu um passo essencial para garantir que sua obra alcançasse novas fronteiras: selecionou um grupo restrito de pessoas que seriam responsáveis por transmitir o Krav Maga às futuras gerações. Entre esses escolhidos estava Mestre Kobi, que se tornaria um dos principais pilares da disseminação da arte fora de Israel. Em 1989, ele recebeu de Imi uma missão clara e decisiva — introduzir o Krav Maga no Brasil e em toda a América Latina — tarefa que assumiu como objetivo de vida, com plena dedicação.

Foi assim que, em 18 de janeiro de 1990, Mestre Kobi chegou ao Brasil, estabelecendo-se na cidade do Rio de Janeiro. Fundou a Associação Brasileira de Krav Maga e, posteriormente, a Federação Sul-Americana de Krav Maga, ambas reconhecidas oficialmente pelos órgãos competentes, como a Secretaria de Esportes e o Ministério da Educação. Como o primeiro faixa preta a sair do Estado de Israel com a missão de difundir o Krav Maga, seu trabalho logo chamou atenção: não apenas cumpriu o que lhe foi confiado, como também impressionou até mesmo as forças de elite do exército e da polícia, que reconheceram na arte a sua objetividade, eficácia e profundo entendimento do combate real.


PRINCÍPIOS DO KRAV MAGA

Como toda arte, o Krav Maga partiu de uma ideia que nasceu, tomou forma, desenvolveu-se e se perpetua com os seguintes princípios:

  • Ideia Gestora: todo ser humano deve ser capaz de defender a própria vida;

  • Forma: conjunto de técnicas de defesa pessoal;

  • Desenvolvimento: a partir dos movimentos naturais do ser humano, aperfeiçoados com técnicas baseadas nas leis da física, que multiplicam a potência e eficiência dos golpes, que são dirigidos aos pontos sensíveis do agressor;

  • Toque de Genialidade: simplicidade;

  • Perpetuação: uma fórmula de sobrevivência em um mundo violento, transmitida de modo responsável por instrutores capacitados;

  • Resultado: uma filosofia de defesa pessoal simples, rápida e objetiva; que representa respostas para qualquer tipo de agressão.


KRAV MAGA NÃO É ARTE MARCIAL

Krav Maga não é uma arte marcial, ele é a única técnica reconhecida mundialmente como arte de defesa pessoal e não como arte marcial. O ponto de partida é a defesa, não existem regras ou competições, não constitui uma modalidade esportiva, não utiliza movimentos coreográficos, nem mesmo bonitos. A intenção é a pura defesa pessoal: permanecer vivo depois de ser agredido.

“Ser atacado é uma violência, mas não se defender é uma violência ainda maior. “

- Kobi Lichtenstein

A defesa pessoal não pode ser percebida como um ato de violência, mas sim como uma atitude de valorização da própria vida. Acima de tudo, a defesa pessoal é um direito garantido por lei. É um direito bíblico, universal e inquestionável: nada é mais valioso que a vida humana.


DIREITOS HUMANOS

Os direitos humanos constituem um conjunto de normas que reconhecem e protegem a dignidade de todos os seres humanos. Eles regulam a forma como vivemos em sociedade, como nos relacionamos uns com os outros e como o Estado deve se portar diante de cada cidadão, estabelecendo deveres fundamentais em sua atuação.

Por serem universais e inalienáveis, os direitos humanos pertencem a todas as pessoas, em todos os lugares do mundo, sem distinção. Nenhum indivíduo pode abrir mão deles, nem qualquer autoridade pode retirá-los, pois não são concessões, mas garantias essenciais à existência digna.

Além disso, a indivisibilidade desses direitos reforça que não há hierarquia entre eles: sejam civis, políticos, econômicos, sociais ou culturais, todos são igualmente fundamentais. Cada um compõe a totalidade da dignidade humana, e nenhum pode ser negligenciado sem comprometer o conjunto.

Todos os indivíduos são iguais como seres humanos e em virtude da inerente dignidade de cada pessoa humana. Todos os seres humanos têm direito a seus direitos humanos sem discriminação de qualquer tipo, como raça, cor, sexo, etnia, idade, idioma, religião, opinião política ou outra, origem nacional ou social, deficiência, propriedade, nascimento ou outro status como explicado pelos órgãos dos tratados de direitos humanos.

Na esfera internacional, os principais documentos existentes para a promoção e defesa dos Direitos Humanos são a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto dos Direitos Civis e Políticos e seus protocolos adicionais, o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, e a Convenção Americana dos Direitos Humanos, além de pelo menos 13 convenções ou declarações da Organização das Nações Unidas (ONU) que focalizam temas específicos como o racismo, direitos da mulher, criança, trabalhadores, migrantes, tortura, desaparecimentos forçados, povos indígenas e pessoas com deficiência. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 incorporou os direitos consignados na Declaração Universal, assegurando a todas as brasileiras e brasileiros que eles sejam garantidos pelo Estado com o apoio de toda a sociedade.

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Dentre os direitos humanos fundamentais, o direito à vida ocupa posição central, sendo condição indispensável para o exercício de todos os demais direitos.


BRASIL, UM DOS PAÍSES MAIS VIOLENTOS DO MUNDO

Uma pesquisa do Instituto Ipsos feita em 29 países mostra o Brasil numa classificação negativa quando o assunto é sensação de violência. Em todos os itens avaliados, o país ocupou uma das cinco primeiras posições entre as nações que mais têm contato com a violência.

O Brasil está pior do que México, Malásia e Índia. Mais de 23 mil pessoas foram ouvidas.

O levantamento revelou que 60% dos entrevistados no Brasil já viram ou escutaram relatos sobre tráfico de drogas perto de casa. Um resultado bem acima da média geral do estudo.

Mais da metade dos brasileiros pesquisados contaram que já foram assaltados ou souberam de um assalto que aconteceu na vizinhança. Na Colômbia, por exemplo, o percentual foi de 29%.

O estudo também levantou dados sobre violência contra a mulher. Os números põem o Brasil novamente na 4ª pior posição do ranking global. Ao menos 63% disseram que presenciaram ou souberam de crimes contra mulheres no bairro onde moram.

O diretor de Opinião Pública do Instituto Ipsos disse que o resultado negativo do Brasil na pesquisa, infelizmente, era esperado. Hélio Gastaldi revela:

“A gente observa que há uma correlação muito forte, intrínseca, entre dificuldades estruturais do país, ou seja, dificuldades econômicas, problemas sociais em geral, uma baixa oferta de empregos de qualidade, dificuldades de acesso a grande parte da população a uma educação de qualidade, a serviços de saúde de qualidade e manifestações de violência ou de criminalidade. Então de certa forma não surpreende que o Brasil figure com esse destaque tão negativo dentre tantos países avaliados”.

Entre os estados, Amapá tem a maior taxa de mortes violentas por cada 100 mil habitantes, com 69,9 -- mais que o dobro que à média nacional, pelo segundo ano seguido. Na sequência, Bahia, com taxa de 46,5, e Pernambuco, com taxa de 40,2, completam o pódio das três unidades da federação com os piores indicadores. As menores taxas são as de São Paulo, com 7,8 mortes a cada 100 mil habitantes, Santa Catarina, com 8,9, e Distrito Federal, com 11,1. Ao todo, 18 estados registraram taxas de mortes violentas acima da média nacional. Na comparação com o ano passado, dois estados melhoraram seus índices. Explica Renato Sérgio de Lima:

“Os dados subnacionais mostram que a queda da violência letal no Brasil é desigual e heterogênea, o que tem relação com a questão demográfica, com políticas públicas de segurança implementadas localmente e com as desigualdades sociais entre as diferentes regiões”.

No recorte regional, as regiões Nordeste e Norte continuam liderando o ranking de regiões mais violentas do país. No Nordeste, a taxa de mortes violentas é 60% superior à média nacional; na região Norte, 48,8% mais elevada. Explica o presidente do FBSP:

“Nessas duas regiões estão localizados os estados que estão convivendo com um quadro acentuado de disputas entre facções de base prisional por rotas e territórios e, ao mesmo tempo, concentram a maioria dos estados com altas taxas de letalidade policial”.


O DIREITO À VIDA E A LEGÍTIMA DEFESA COMO EXPRESSÃO DE RESISTÊNCIA

O direito à vida se tornou um dos direitos fundamentais aceitos pelos países; 77% das Constituições no mundo incluem este direito, em comparação aos 27% das Constituições em vigor em 1945, quando a ONU foi fundada.

 É fundamental para a garantia de todos os outros direitos: afinal, você precisa estar vivo para exercer liberdade de expressão, se casar ou ter nacionalidade. O brasileiro Antônio Cançado Trindade, ex-presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos, escreveu que “a privação arbitrária da vida não é limitada ao ato ilícito de homicídio; ela se estende à privação do direito de viver com dignidade”.

As ameaças à vida, no entanto, não vêm apenas do Estado, mas também de vizinhos ou de parceiros, de organizações criminosas e grupos armados, e os países têm a obrigação de proteger seus cidadãos.

Os assassinatos de mulheres e meninas – por seus parceiros, por estranhos, por pais que prefeririam ter filhos meninos – também constituem uma frequente e grave violação a este direito fundamental. Mulheres de todas as idades ainda sofrem com proteções físicas e legais inadequadas por parte de autoridades e instituições estatais. “Mulheres sujeitas à contínua violência estão sempre no 'corredor da morte', sempre com medo de execução”, disse Rashida Manjoo, ex-relatora especial da ONU sobre violência contra as mulheres.

Segundo o artigo 3º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, "todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal". No plano interno, a Constituição Federal do Brasil de 1988, em seu artigo 5º, caput, assegura que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade".

Contudo, diante da crescente onda de violência e da sensação generalizada de insegurança — especialmente entre populações vulneráveis —, a garantia formal do direito à vida nem sempre encontra correspondência prática. A ausência ou ineficácia das políticas públicas de segurança expõe o cidadão a situações de alto risco, nas quais a autodefesa torna-se, não apenas um direito, mas um imperativo de sobrevivência.

É nesse ponto que a legítima defesa se revela como uma expressão jurídica concreta do direito à vida. Prevista no artigo 25 do Código Penal Brasileiro, a legítima defesa é definida nos seguintes termos:

"Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem."

A doutrina penal brasileira reforça essa interpretação. Para Guilherme de Souza Nucci (2023), a legítima defesa é

“um direito natural de todo ser humano, anterior ao próprio Estado, de repelir, com os meios adequados e proporcionais, uma agressão injusta contra bens jurídicos fundamentais, como a vida, a integridade física e a liberdade”.

Desse modo, a prática do Krav Maga — cuja filosofia prega a prevenção, a proporcionalidade e a defesa eficaz em situações reais de perigo — alinha-se aos fundamentos jurídicos e éticos da legítima defesa. Não se trata de promover violência, mas de oferecer ao indivíduo as ferramentas técnicas e psicológicas para proteger-se diante de uma agressão, sobretudo em contextos em que o Estado falha ou se omite.

O Krav Maga, nesse sentido, pode ser compreendido como uma ferramenta de efetivação do direito à vida, especialmente para mulheres, minorias e outros grupos que historicamente enfrentam vulnerabilidades acrescidas. Ao ensinar a evitar o confronto sempre que possível, mas a agir com precisão e controle quando necessário, o sistema respeita não apenas a integridade do praticante, mas também a do agressor, observando o princípio da proporcionalidade — base de toda atuação legítima em autodefesa.


LEGÍTIMA DEFESA E OS EXCESSOS: LIMITES NO USO DO KRAV MAGA

O ordenamento jurídico brasileiro reconhece a legítima defesa como uma excludente de ilicitude, prevista no artigo 25 do Código Penal, legitimando a reação do indivíduo diante de uma agressão injusta, atual ou iminente. No entanto, essa permissão legal exige critérios objetivos: a reação deve ser moderada, necessária e proporcional ao ataque.

É nesse ponto que se introduz o conceito de excesso na legítima defesa, que ocorre quando a vítima extrapola os limites da reação legalmente permitida. O artigo 23, parágrafo único, do Código Penal estabelece:

“O agente, em qualquer das hipóteses deste artigo, responderá pelo excesso doloso ou culposo.”

Ou seja, caso a resposta à agressão supere o necessário — por dolo ou imprudência — a conduta deixa de ser legítima e passa a ser punível.

No contexto do Krav Maga, essa reflexão é crucial. Trata-se de um sistema de defesa pessoal extremamente eficaz, desenvolvido para situações reais de risco. Sua aplicação, portanto, requer alto grau de responsabilidade ética por parte do praticante. Como ensina Imi Lichtenfeld, criador do sistema: “Seja bom o suficiente para evitar o conflito.” Isso demonstra que o objetivo do Krav Maga não é o confronto, mas a preservação da vida — inclusive a do agressor, sempre que possível.

A prática excessiva ou desproporcional de técnicas de Krav Maga pode resultar em lesões graves ou morte, especialmente se aplicada sem controle emocional ou com intuito de vingança. O uso da força deve cessar no exato momento em que o risco deixar de existir. Continuar agredindo um agressor já imobilizado ou em fuga, por exemplo, descaracteriza a legítima defesa e pode configurar lesão corporal dolosa ou até homicídio, dependendo do caso.

Nesse sentido, a doutrina penal é clara. Cezar Roberto Bitencourt (2021) ensina:

“O excesso pode ser evitável ou inevitável, doloso ou culposo, mas, em qualquer hipótese, rompe o liame com a excludente e gera responsabilidade penal.”

Portanto, o conhecimento técnico oferecido pelo Krav Maga exige maturidade emocional, discernimento jurídico e preparo psicológico. A força é um recurso a ser usado com consciência, e não como instrumento de abuso.

A pedagogia do Krav Maga, inclusive, reforça constantemente que a melhor defesa é não estar no local do conflito, ou, se inevitável, resolver a situação da forma mais rápida e menos lesiva possível. Isso está em total conformidade com o princípio da proporcionalidade e com a ética da legítima defesa.

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Sobre a autora
Sabrina Quint de Lima Lourenço

Perita Grafotécnica. Pós-Graduanda em Direito do Consumidor e Direito de Pessoas Vulneráveis pela I9.︎ Especialista em Direito das Mulheres pela I9. Especialista em Direito Penal e Processual Penal com Habilitação em Docência do Ensino Superior, Direitos das Mulheres, Direitos Humanos e Direito do Consumidor pela FACUMINAS. Graduada em Investigação Forense e Perícia Criminal pela Estácio de Sá.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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