INTRODUÇÃO
Uma das formas mais relevantes de aquisição da propriedade, no Direito Brasileiro, é a usucapião. Na conversão da posse em domínio, a usucapião é um instrumento legal com lastro na função social da propriedade, que é um dos atributos constitucionais (art. 5º XXIII e 170 III) e legais (Código Civil, art. 1.228. § 1º; Estatuto da Cidade, art. 39).
ORIGEM E CONCEITO
O termo usucapião pode ser empregado no gênero masculino (o usucapião) ou feminino (a usucapião). A palavra tem origem no latim usucapione, cuja etimologia combina usus (uso) e capere (capturar) e leva a tomar pelo uso. Juridicamente, usucapião constitui um modo de aquisição originária e gratuita da propriedade pela posse qualificada.
É originária porque se dá sem vínculo com o proprietário anterior, filtrando eventuais vícios ou ônus, ou seja, desaparecem quaisquer pendências. E é gratuita porque não se exige contraprestação pecuniária do usucapiente.
A efetivação se dá por meio judicial, como ação autônoma ou modo de defesa, ou ainda pela via extrajudicial (Lei 6.015/73, art. 216-A e Provimento CNJ 65/2017).
Há um instrumento de regularização imobiliária previsto no art. 1.228. § 4º do CC prevendo aquisição da propriedade, pela posse coletiva, mas mediante indenização. Este instituto não se confunde com usucapião, seja pela onerosidade, seja pela existência de outros parâmetros, razão pela qual alguns chamam de desapropriação judicial indireta ou desapropriação por posse laboral.
Da mesma forma não são formas de usucapião os instrumentos de regularização imobiliária coletiva da Lei 13.465/2017 (REURB), denominados legitimação fundiária (art. 23) e legitimação de posse (art. 25), que não exigem prazo certo de posse qualificada e, em alguns casos, preveem indenização por parte do beneficiário.
REQUISITOS
São requisitos comuns a todas as modalidades de usucapião a posse ad usucapionem e o transcurso de um prazo. O prazo é fixado pela lei de forma diferente a cada tipo – veja tabela abaixo. Já a posse especial para usucapião deve ser pública (não clandestina), não-precária (sem quebra de confiança), mansa (sem violência), pacífica (sem oposição), ininterrupta (contínua) e com intenção (animus domini, ou seja, o possuidor se comporta como se fosse dono).
A posse pública se caracteriza pela não clandestinidade, ou seja, realizada à vista de todos, ou pelo menos não escondida, já que esta é uma expressa disposição legal (CC, art. 1.208).
A precariedade da posse ocorre quando decorrente de quebra de confiança ou descumprimento contratual, quando, por exemplo, o possuidor se recusa a devolver um bem emprestado.
A mansuetude da posse, por sua vez, estará caracterizada se não tiver sido conquistada ou mantida com atos de violência. A reunião desses três requisitos da posse (pública, não-violenta e não precária) é designada como posse justa (CC, art. 1.200).
A posse será pacífica quando inexistir resistência, judicial ou extrajudicial, por parte do dono ou terceiro. Já a ininterrupção do prazo da posse é simplesmente a continuidade desta, sem ato de retomada pelo proprietário, ou de abandono pelo usucapiente.
Finalmente, o ânimo de dono é a posição do possuidor que assim se comporta. Essa a razão pela qual um inquilino, por exemplo, tem posse mas sem essa qualificação (a relação contratual retira a intenção de dono), e um caseiro sequer posse tem, mas mera detenção – dada a ausência de autonomia e a relação de dependência.
Alguns requisitos legais são específicos de determinadas modalidades, como o justo título, a boa-fé, a propriedade única, a aquisição única, funcionalidade por moradia ou produção, o abandono do lar conjugal, a dimensão máxima, dentre outros.
TABELA COMPARATIVA DAS ESPÉCIES DE USUCAPIÃO NO DIREITO BRASILEIRO
A tabela comparativa abaixo traz todas as modalidades de usucapião de bens móveis e imóveis.
USUCAPIÃO DE BENS IMÓVEIS
ESPÉCIE |
Fundamento na legislação |
Prazo |
Alcance territorial |
Dimensão |
Especificidades |
Lar abandonado |
CC 1.240-A |
2 anos |
Urbano |
250m2 |
Abandono de lar pelo cônjuge ou companheiro |
Coletiva |
ECid 10 |
5 anos |
Urbano |
250m2 |
Coletividade da posse (250m2 é área média individual) |
Especial rural |
CF 191, |
5 anos |
Rural |
500.000m2 (50ha) |
Moradia e produtividade |
Especial urbana |
CF 183, |
5 anos |
Urbano |
250m2 |
Moradia |
Ordinária documental |
CC 1.242 p.ú. |
5 anos |
Misto |
Ilimitada |
Registro cancelado: moradia ou investimento |
Ordinária |
CC 1.242 |
10 anos |
Misto |
Ilimitada |
Exige justo título e boa-fé |
Indígena |
EInd 33 |
10 anos |
Misto |
500.000m2 (50ha) |
Independe de título e boa-fé; exceto terras tribais |
Extraordinária funcional |
CC 1.238 p.ú. |
10 anos |
Misto |
Ilimitada |
Moradia ou produtividade |
Extraordinária |
CC 1.238 |
15 anos |
Misto |
Ilimitada |
Independe de título e boa-fé |
USUCAPIÃO DE BENS MÓVEIS
ESPÉCIE |
Fundamento na legislação |
Prazo |
Especificidades |
Ordinária |
CC 1.260 |
3 anos |
Exige justo título e boa-fé |
Extraordinária |
CC 1.261 |
5 anos |
Independe de título e boa-fé |
Legenda:
CF: Constituição Federal.
CC: Código Civil (Lei 10.406/2002).
EInd: Estatuto do Índio (Lei 6.001/73).
ECid: Estatuto da Cidade (Lei 10.257/2001).