Vivemos em um mundo polarizado, não restam dúvidas. Ou você é do bem ou é do mal, ainda que não saibamos quem, nessa cena dantesca, seja o mocinho e o bandido!
Esse cabo de guerra ganha ainda mais destaque quando temos um terceiro personagem em ação. A briga fica tão grande e os envolvidos estão emocionalmente tão cegos, que acabam esquecendo de algo importante para qualquer nação, ou seja, desprezam todas as lutas e batalhas, seja no campo cultural, militar ou diplomático, para garantir a soberania nacional.
Sociólogos como Sérgio Buarque de Holanda (1902-1982), em sua rica obra “Raízes do Brasil” (1936), já dissertavam sobre a história brasileira e a busca incessante para nos livrarmos da herança colonial em busca de uma identidade nacional, construindo uma nação moderna e independente. Somente um Estado fraco, frágil, inseguro e desequilibrado, com bases sociais e culturais instáveis, abdicaria da sua soberania, cedendo e aceitando os mandos e desmandos de uma potência externa.
O tema não é recente e a literatura também passeou pelo assunto durante o período de construção da identidade tupiniquim. O escritor Lima Barreto (1881-1922), no famoso livro “Triste Fim de Policarpo Quaresma” (1915), traz um personagem idealista e autêntico, que busca reformas radicais para livrar o país do domínio estrangeiro e construir a sonhada “essência brasileira” em meio a um Brasil com inúmeras contradições, de tamanho continental, com culturas e costumem diferentes de um lugar para o outro.
Machado de Assis (1839-1908) valeu-se de sua incrível capacidade intelectual para criticar a política de sua época, utilizando da ironia para expor as contradições então existentes, visto que a propalada soberania não deveria funcionar apenas na teoria, mas também na prática. É sua a frase “A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional”, extraída de uma das suas crônicas publicadas na coluna “História de Quinze Dias” da revista Ilustração Brasileira, que circulou no país no fim do século XIX e início do século XX, onde, ironicamente, deixa transparecer que a soberania declarada pelo império não passava de um verdadeiro engodo.
Edificar uma unidade nacional coesa e sólida não é tarefa fácil, em especial quando temos em nosso meio pessoas que pensam apenas no seu próprio terreno.
Fica o recado da literatura, portanto, que não podemos abandonar nossa autonomia cultural, social e econômica. Uma nação não se faz apenas com terra fértil e sol brilhante, é preciso enfrentar as tempestades, o vento cortante e gelado, as rochas duras. Adversidades precisam ser superadas, contudo, o bem maior, a soberania nacional, deve ser preservada.