Se você acessou a internet nos últimos dias certamente, em algum momento, esbarrou com a imagem de um morango brilhoso e "aesthetic" passando pela sua timeline. Resultado da criativa mistura de bombom de morango com maçã do amor, esse novo quitute já é o queridinho do paladar de vários influenciadores digitais, que aproveitam da estética atraente e do barulhinho satisfatório da crocante camada de caramelo para produzir toda a sorte de resenhas.
E não só isso! Como acontece com toda nova “trend”, logo surgiram as variadas tentativas de reproduzir a receita, algumas com sucesso, outras nem tanto; o que vem gerando versões não tão exitosas do doce que receberam dos internautas o cômico apelido de “moranguinho do ódio”. Mais uma pérola do impagável humor brasileiro.
E como acontece com cada conteúdo que viraliza, com suas sucessivas repetições e recriações freneticamente impulsionadas pelos atentos algoritmos, logo surgem as reflexões e ponderações. De todos os tipos.
Podemos aqui refletir, por exemplo, sobre o denominado “efeito manada” e o impacto da influência digital no consumo e comportamento. Ou ainda, da preciosa oportunidade financeira para centenas de confeiteiras ao redor do país que legitimamente estão se beneficiando desse boom gastronômico.
Do ponto de vista jurídico e falando mais especificamente do direito autoral, fica o seguinte questionamento: seria o “morango do amor” uma criação passível de proteção legal? Se nos pautarmos nos requisitos da Lei nº 9.610/98 (Lei de Direitos autorais - LDA) para a caracterização de uma obra intelectual protegida teríamos que ponderar os seguintes aspectos:
O morango do amor é uma “criação do espírito”? Bem, eu arriscaria que sim, pois alguém, em algum lugar, algum dia, teve essa feliz e doce inspiração. É exteriorizado? Ou seja, saiu do mero campo das ideias e foi expresso em algum meio ou fixado em algum suporte? O paladar brasileiro diria que sim! E, por fim, é original e criativo?
Aqui entramos na seara da discussão sobre a possibilidade ou não de proteção autoral de receitas. Há quem defenda que as receitas se enquadram na hipótese legal de não proteção prevista no art. 8. da LDA, pois se caracterizam como ideias organizadas em um método que devem pertencer indistintamente à comunidade em geral, não sendo necessária a autorização prévia do respectivo e suposto titular para ser reproduzida, por exemplo.
Bem, pensando na funcionalidade das receitas, esse raciocínio até que faz sentido. Basta imaginar como seria ter que buscar a autorização prévia de alguém sempre que fosse replicar determinada receita. A essa altura, pode-se questionar: haveria qualquer tipo de proteção para as criações culinárias? Como tudo no mundo jurídico, depende.
Um livro de receitas, por exemplo, se estruturado de forma original e criativa pode ser considerado uma coletânea ou compilação protegida à luz da Lei de Direitos Autorais. Saindo da esfera do “Direito Autoral” e migrando para a “Propriedade Industrial”, ramo do direito que trata das marcas e patentes, mas que se encontra dentro do grande guarda-chuva da “Propriedade Intelectual” que regulamenta todas as invenções e criações humanas, temos ainda: a possibilidade, por exemplo, de registrar o nome “Morango do Amor” como uma marca nominativa ou, ainda, patentear, a depender do processo único empregado, eventuais imersões e invenções ligadas ao universo gastronômico.
São variadas as possibilidades não limitadas a uma resposta objetiva única. Sem ironia e com a licença poética para um trocadilho, são muitas as camadas no sucesso desse doce para além de brigadeiro branco e caramelo crocante.