O Princípio da Legalidade representa um dos pilares fundamentais do Direito Penal, estando expressamente previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988. Esse princípio assegura que ninguém pode ser punido sem que exista uma lei anterior que defina o ato como crime. No âmbito penal, isso significa que somente pode ser considerado crime aquilo que estiver previamente previsto em lei, e a aplicação de pena só é possível se esta também estiver previamente estabelecida legalmente. Assim, ninguém pode ser acusado por conduta que, conforme as leis vigentes à época dos fatos, não configurava crime 1.
Essa garantia reforça a segurança jurídica, pois assegura que os cidadãos estejam cientes do que constitui crime e quais são as respectivas sanções, evitando punições arbitrárias. O Princípio da Legalidade evidencia a clareza e a previsibilidade das leis, permitindo o conhecimento antecipado das consequências das ações e protegendo os indivíduos contra abusos do poder público 2.
Sucintamente, sem o Princípio da Legalidade, a justiça perderia sua imparcialidade e previsibilidade, e o Estado poderia agir arbitrariamente, colocando em risco os direitos básicos dos cidadãos. O presente artigo tem como objetivo analisar o Princípio da Legalidade, ressaltando sua importância na proteção dos direitos individuais e na garantia da segurança jurídica, bem como explorar sua relação com o instituto da coisa julgada, especialmente no que tange à impossibilidade de revitalização da coisa julgada na ausência de crime definido à época do fato 3.
1. Princípio da Legalidade
O fundamento do Princípio da Legalidade gira em torno de uma garantia constitucional, estabelecida na máxima: "não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal". Isso significa que, para que uma conduta seja considerada crime e o indivíduo possa ser punido, é necessário que exista uma lei formal, publicada antes do fato, que defina claramente a conduta proibida e estabeleça a pena aplicável, conforme previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988. Esse princípio é a base de um direito penal democrático e justo, assegurando que somente a lei pode definir crimes e penas, garantindo que o indivíduo não seja punido sem uma regra clara previamente existente 4.
O STF já consolidou entendimento nesse sentido, como no HC 82.959/SP, em que afirmou que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal, sendo vedada a aplicação retroativa de lei penal mais gravosa”.
A máxima "nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege" significa que uma conduta só pode ser considerada crime se houver uma lei vigente que a define, e que a aplicação de penas só é possível quando já prevista por norma legal anterior. Esse princípio garante que tanto a tipificação de crimes quanto a imposição de punições dependam de lei anterior, assegurando que ninguém seja punido por atos que não eram proibidos no momento em que foram praticados.
O preceito objetiva a segurança jurídica, proporcionando previsibilidade e estabilidade para que os cidadãos saibam de antemão quais condutas são corretas e quais são suas consequências. Protege os direitos individuais, impedindo punições arbitrárias e garantindo que ninguém seja punido por um ato que não constituía crime quando praticado. Limita o poder punitivo do Estado, que só pode aplicar sanções dentro dos limites previamente definidos pelo Legislativo, evitando abusos, e respeita a separação dos poderes, impedindo que Judiciário ou Executivo criem leis ou penas sem a prévia aprovação do Legislativo.
Em suma, o Princípio da Legalidade constitui a base do direito penal moderno, pois garante que o Estado atue de forma justa, aplicando penas somente com fundamento em leis, resguardando a liberdade e a dignidade humana.
2. Relação com a coisa julgada e a revitalização
Tendo em vista a importância da segurança jurídica, a decisão judicial transitada em julgado constitui um marco definitivo e imutável, sobre o qual não cabe mais recurso. Isso significa que o ato processual foi encerrado e não pode ser alterado, assegurando estabilidade e previsibilidade nas relações jurídicas. Pode ser classificada em dois tipos: coisa julgada formal, quando a decisão não pode mais ser contestada dentro do mesmo processo; e coisa julgada material, quando a decisão adquire efeito vinculante fora do processo, impedindo que a mesma questão seja discutida novamente entre as mesmas partes.
Por exemplo, se o réu “A” é condenado por um crime e a defesa, por meio de seu advogado, esgota todos os recursos disponíveis, a condenação se torna coisa julgada, sem possibilidade de modificação.
Em situações excepcionais, a decisão já transitada em julgado pode ser reexaminada por meio da revitalização da coisa julgada, ocorrendo quando surgem novos fatos, provas relevantes ou se constatam erros graves. Essa revisão pode ser realizada por meio da revisão criminal, quando a condenação se revela injusta ou ilegal, ou pela ação rescisória, quando há indícios de fraude, vício ou erro substancial. No entanto, no Direito Penal, a revitalização não é admitida se tiver o objetivo de prejudicar o réu.
O STJ, em diversas oportunidades, tem reafirmado que a revisão criminal não pode agravar a situação do condenado. No HC 410.150/SP, a Corte destacou que “a revisão criminal é instrumento excepcional em favor do réu, jamais podendo servir para piorar sua condição”.
Retomando o exemplo anterior, se, no momento do ato, não havia lei nem pena que definissem a conduta, a revisão criminal pode ser solicitada, alegando condenação injusta, mesmo após o trânsito em julgado. Tal hipótese mantém-se fiel à máxima latina “nullum crimen sine lege, nulla poena sine lege” expressa no artigo 5º, XL, da Constituição Federal de 1988, que veda a retroatividade prejudicial da lei penal. Assim, se o ato foi praticado antes da vigência de determinada lei, o réu não pode ser punido com base nela, pois não existe fundamento jurídico para tal condenação.
Portanto, não é possível revitalizar a coisa julgada com o objetivo de aplicar retroativamente uma lei para punir um indivíduo, pois isso violaria simultaneamente: Artigo 5º, XXXIX – Princípio da Legalidade; Artigo 5º, XL – Proibição da Retroatividade Prejudicial; Artigo 5º, XXXVI – Proteção à Coisa Julgada.
Dessa forma, a tentativa de reabrir um processo para agravar a situação do réu não apenas comprometeria a segurança jurídica, mas também afrontaria diretamente os pilares do Estado Democrático de Direito, que se baseia na previsibilidade das leis, na proteção da liberdade individual e no respeito às garantias fundamentais.
Constatando o que foi abordado, o princípio da legalidade, previsto no artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal de 1988, é essencial para a proteção dos direitos individuais, a segurança jurídica e a limitação do poder punitivo. A impossibilidade de revitalização da coisa julgada em situações nas quais não havia previsão legal reafirma o primado da lei e a estabilidade das decisões judiciais, elementos indispensáveis à preservação da justiça e da ordem social.
Assim, evidencia-se que o princípio da legalidade não é apenas uma norma de garantia, mas o verdadeiro escudo da liberdade individual, mantendo o equilíbrio entre Estado e cidadão. Ao assegurar que apenas a lei pode definir crimes e penas, reafirma-se que a legalidade é fundamento central do Direito Penal e sustentáculo do Estado Democrático de Direito.
Notas
1 Mirabete, Renato. Direito Penal: Parte Geral. 35ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2020.
2 Nucci, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal. 20ª ed. São Paulo: RT, 2019.
3 Bitencourt, Cezar. Tratado de Direito Penal. 25ª ed. São Paulo: Saraiva, 2021.
4 Greco, Rogério. Curso de Direito Penal. 12ª ed. São Paulo: RT, 2020.