Resumo: Este ensaio é um rápido comentário, apontando cuidados e um norte recursal que os advogados devem tomar em face de medidas de indisponibilidade de bens decretadas contra seus constituintes sem a observância de pressupostos legais, notadamente em Ações de Improbidade Administrativa.
Indisponibilidade de bens nas ações de improbidade administrativa - aspectos recursais
Não raras vezes, em Ações de Improbidade, a decretação de medidas interlocutórias de constrição patrimonial, inclusive sobre contas e investimentos dos réus, acaba servindo de camuflagem para a imposição de verdadeiras sanções antecipadas - que o direito não tolera -, havidas com base apenas em alegações do acusador e no já ultrapassado princípio do In Dubio Pro Societate.
Tais medidas incorrem assim em violação ao § 8º do atual art. 16. da Lei 8.429/92 (LIA) – alterada pela Lei nº 14.230/21, aplicável inclusive a medidas de indisponibilidade anteriormente deferidas -, bem assim em violação ao art. 300. do CPC. Isto poque essas normas, conjugadas, reclamam, como requisito indispensável à decretação de cautelas do tipo, que haja evidência tanto da probabilidade do direito no qual se funda a acusação quanto do perigo de dano ou ao resultado útil do processo. Transcrevam-se:
Lei de Improbidade Administrativa
“Art. 16. Na ação por improbidade administrativa poderá ser formulado, em caráter antecedente ou incidente, pedido de indisponibilidade de bens dos réus, a fim de garantir a integral recomposição do erário ou do acréscimo patrimonial resultante de enriquecimento ilícito.
(...)
§ 8º Aplica-se à indisponibilidade de bens regida por esta Lei, no que for cabível, o regime da tutela provisória de urgência da Lei nº 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil).”1
Código de Processo Civil
“Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo.” (Destacamos)
Logo, em hipóteses dessa natureza, o Agravo de Instrumento revela-se de imediato imprescindível ao réu atingido. E, nesta senda, cuidados estratégicos devem ser tomados.
O primeiro cuidado é, desde já, evitar ao máximo, no recurso, demandar reexame de provas/fatos - ressalvada a possibilidade de revaloração jurídica dos abarcados pela medida questionada -, de modo a não se correr o risco de obstrução, por óbice da Súmula 7 do STJ, a eventual Recurso Especial que na sequência apresentar-se como necessário. Vale dizer, a matéria recursal deve ser exclusivamente de direito. 2
O outro cuidado que igualmente resguarda a via futura para o Recurso Especial é evitar de antemão a barreira da Súmula 735 do STF - também aplicável no âmbito do STJ -, a qual, de regra, não admite insurreição contra acórdãos que mantêm ou que deferem decisões liminares. E neste passo, convém delimitar bem a quaestio, desde a interposição do Agravo de Instrumento, focando-se em apontar, como questão puramente de direito, o maltrato aos já mencionados § 8º do art. 16. da Lei 8.429/92 e art. 300. do Código de Processo Civil, por inobservância dos pressupostos que tais normas, cumuladas, exigem para o tipo de medida em referência.
Oportuno transcrever, a propósito, com grifos nossos, os seguintes precedentes:
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. DECISÃO LIMINAR OU ANTECIPATÓRIA DE TUTELA. NÃO CABIMENTO. SÚMULA N. 735/STF. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO RECEBIDOS COMO AGRAVO REGIMENTAL. RAZÕES RECURSAIS DISSOCIADAS DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 284/STF. 1. "Não cabe recurso extraordinário contra acórdão que defere medida liminar" (Súmula n. 735/STF). 2. Em sede de recurso especial contra acórdão que nega ou concede antecipação de tutela, a análise desta Corte Superior de Justiça fica limitada à apreciação dos dispositivos relacionados aos requisitos da tutela de urgência, ficando obstado verificar-se a suposta violação de normas infraconstitucionais relacionadas ao mérito da ação principal. Precedentes. ... 5. Embargos recebidos como agravo regimental a que se nega provimento.”
(EDcl no AREsp 387.707/PR, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 02/12/2014, DJe 10/12/2014)
“PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA C/C COBRANÇA E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA. IDONEIDADE DOS DOCUMENTOS APRESENTADOS. ABUSO DE PERSONALIDADE AFASTADO. REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO DOS AUTOS. INADMISSIBILIDADE. SÚMULA N.7/STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTOS DO ACÓRDÃO RECORRIDO. SÚMULA N. 283. DO STF. REQUISITOS DA LIMINAR. SÚMULA N. 735/STF.DECISÃO MANTIDA. (...) 4. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, em consonância com o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal na Súmula n. 735, consolidou se no sentido de ser incabível, em princípio, recurso especial de acórdão que decide sobre pedido de antecipação de tutela, admitindo-se, tão somente, discutir eventual ofensa aos próprios dispositivos legais que disciplinam o tema (art. 300. do CPC/2015, correspondente ao art. 273. do CPC/1973) , e não violação à norma que diga respeito ao próprio mérito da causa, como se verifica no presente caso. 5. Agravo interno a que se nega provimento.”
(AgInt no AREsp 1826427/PR, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 16/08/2021, DJe 19/08/2021)
“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ACÓRDÃO COMBATIDO. LIMINAR. INDEFERIMENTO. NATUREZA PRECÁRIA E PROVISÓRIA DO DECISUM. REAVALIAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. 1. É firme a orientação jurisprudencial desta Corte acerca da impossibilidade de se rever, em recurso especial, a existência dos requisitos suficientes para a concessão de medida urgente, em razão do óbice da Súmula 7 do STJ, bem assim da Súmula 735 do STF. 2. O juízo de mérito desenvolvido em sede liminar, fundado na mera verificação da ocorrência do periculum in mora e da relevância jurídica da pretensão deduzida pela parte interessada, não enseja o requisito constitucional do esgotamento das instâncias ordinárias, indispensável ao cabimento dos recursos extraordinário e especial, conforme exigido expressamente na Constituição Federal - "causas decididas em única ou última instância". 3. Esta Corte de Justiça admite a mitigação do referido Enunciado, especificamente quando a própria medida importar em ofensa direta à lei federal que disciplina a tutela provisória (art. 300. do CPC/2015). 4. Hipótese em que, nos autos de ação civil pública em que se questiona a possibilidade de parlamentar no exercício de mandato eletivo figurar como sócio de empresa concessionária de serviços de radiodifusão, o Tribunal a quo, em agravo de instrumento, reformou decisão liminar por não divisar o requisito da urgência a justificar a suspensão dos serviços de radiodifusão sonora. 5. Agravo interno desprovido.”
(AgInt no AREsp 1555189/PB, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 09/08/2021, DJe 20/08/2021)
“PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. SÚMULA 735/STF. AFASTADA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. MEDIDA CAUTELAR DE SEQUESTRO DE BENS. FUMUS BONI IURIS. PRESENÇA. REVISÃO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7/STJ. LONGO TEMPO DECORRIDO DESDE A DECRETAÇÃO DA MEDIDA CONSTRITIVA. PROCESSO AINDA NÃO SENTENCIADO. CIRCUNSTÂNCIAS NÃO VEICULADAS NAS RAZÕES DO ESPECIAL. INOVAÇÃO RECURSAL. FALTA DE PREQUESTIONAMENTO. 1. Esta Corte admite a mitigação da Súmula n. 735/STF nas hipóteses em que a concessão da medida liminar e o deferimento da antecipação de tutela caracterizar ofensa direta à lei federal que o regulamenta, desde que dispense a interpretação das normas concernentes ao mérito da causa. Nesse sentido: AgInt no AREsp 1.447.827/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Segunda Turma, DJe 16/9/2019; AgInt no AREsp 1.187.017/PA, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, Primeira Turma, DJe 24/8/2018; AgInt no REsp 1.179.223/RJ, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, DJe 15/3/2017. No caso dos autos, a discussão cinge-se à presença, ou não, dos requisitos para a concessão de medida cautelar de sequestro de bens em sede de ação civil pública pela suposta prática de ato ímprobo, de modo que é cabível o presente apelo especial. ... 6. Agravo interno não provido.”
(AgInt no AREsp 1112803/SP, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/04/2021, DJe 28/04/2021)
“(...) III. Fundamentos fáticos bem delineados no acórdão recorrido. Hipótese de revaloração jurídica dos fatos. Tribunal de origem que manifestou entendimento diverso do dominante nesta Corte Superior. Afastamento das Súmulas n. 7. e 83 como óbices ao conhecimento do recurso especial. IV. Inaplicabilidade da Súmula n. 735. do STF. É cabível a interposição de recurso especial quando ocorrer violação direta do dispositivo legal que disciplina o deferimento da medida de indisponibilidade de bens. Precedentes. V. Conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial.”
(AREsp 1390893/SE, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, julgado em 26/03/2019, DJe 29/03/2019)
Enfim, a decretação de bloqueio patrimonial não pode ocorrer baseada apenas em alegações da acusação e no princípio do In Dubio Pro Societate. E as balizas jurisprudenciais suso mencionadas exigem, daqueles afetados por medidas interlocutórias do tipo, cuidado redobrado ao manejarem as vias recursais correspondentes.
Notas
1 O Tema 1.257/STJ fixa o entendimento de que as alterações havidas pela Lei nº 14.230/21 são aplicáveis também a processos que já estavam em curso quando de sua entrada em vigor, regulando o procedimento da tutela provisória de indisponibilidade de bens.
2 Veja-se, e.g., no REsp 683702/RS, no REsp 856.706/AC e no REsp 1104096/SP a possibilidade de revaloração jurídica (não de reexame) de elementos fáticos-probatórios abarcados pelo acordão objeto de Recurso Especial.