Capa da publicação Charlie Kirk: fé, poder e a importação de crises
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Da fé ao poder: os importadores de crises

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28/09/2025 às 13:40

Resumo:


  • Análise sobre a apropriação política da morte de Charlie Kirk no Brasil, gerando debates acalorados.

  • Discussão sobre a influência cultural dos Estados Unidos no Brasil e a importação de crises e ideias, como o dominionismo.

  • Reflexões sobre a relação entre fé, poder político e imperialismo, evidenciando a busca por poder através da religião.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Após a morte de Charlie Kirk, crises dos EUA ecoam no Brasil por religião, política e imperialismo. O dominionismo explica essa importação de radicalismos?

Resumo: Desde a morte do apoiador do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e também militante conservador, Charlie Kirk, temos assistido pipocar pelo Brasil afora discussões acirradas entre opositores das ideias que eram defendidas pelo ativista e seus defensores. As discussões, contudo, extravasaram as redes sociais e se tornaram bandeiras de políticos brasileiros que estão se valendo dos do assassinato de Kirk para obter capital político, falando em entrevistas e nas suas próprias redes sociais o que seu eleitorado quer ouvir. Neste artigo, porém, deixaremos de lado a análise da mais do que óbvia apropriação da morte do ativista por parte de políticos para a ainda mais óbvia obtenção de engajamento por meio de falas explosivas e posicionamentos radicalizados para tentarmos compreender as origens desse radicalismo e também os motivos de ecoarem tão alto ainda hoje.

Palavras-chave: Colonialismo, Dominionismo; Filosofia; Imperialismo; Religião.


INTRODUÇÃO

Extremismo, reacionarismo e imperialismo. Eis o tripé sobre o qual se apoia os discursos políticos atualmente. O extremismo se refere ao posicionamento exacerbado de políticos, que mesmo tendo clara consciência do tamanho das imbecilidades que proferem, sustentam tais discursos publicamente com o objetivo de manterem-se em evidência, positiva ou negativa, pois o buscam despertar o que as pessoas tem de pior, sobretudo, o ódio e a intolerância.

O reacionarismo é característica intrínseca de facções políticas que agem em nome de interesses econômicos e oligárquicos, buscando retrocessos em políticas públicas inclusivas e que objetivam reduzir desigualdades. Valem-se para isso de discursos sobre uma meritocracia irreal e que não se sustenta quando olhamos para as abissais diferenças de oportunidades existentes entre diferentes camadas da sociedade. Um dos alvos desse reacionarismo são as políticas de cotas em concursos e universidades públicas.

Por fim, o imperialismo. Em que pese não seja uma característica do Brasil enquanto Estado, já que em nossa história, há mais de um último século, não existe pressão por expansão territorial sobre nossos vizinhos. Mas o imperialismo não se caracteriza apenas pela aquisição ou tomada de territórios, mas também por meio de dominação cultural, econômica e ideológica, de modo que, nesta esteira, algumas figuras públicas e políticas, em especial, têm importado, numa espécie de auto-vassalagem, tais nuances, sobretudo, dos Estados Unidos, para cá.

O fato mais recente ocorrido naquele país que foi importado e transformado em problema brasileiro, foi a morte do ativista conservador Charlie Kirk. Aliado ideológico do atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, Kirk incorporava em seus discursos inflamados e dirigidos, em especial, aos mais jovens, muitos das nuances do tripé político comentado acima.

Neste trabalho, contudo, não falaremos da pessoa de Kirk, mas tentaremos compreender os motivos de sua morte - imerecida e bárbara - ter provocado reflexos no Brasil de maneira tão ampla. Para isso teremos que retroceder no tempo, analisar fatores históricos e alinhavar a filosofia, a literatura e o direito como formas de compreendermos como um fato estranho a nós foi convertido num problema nosso.


IMPORTANDO CRISES

Apesar do assassinato do norte-americano conservador, Charlie Kirk (1993 - 2025), ter se dado em seu país e pelas mãos de um compatriota, acabou por dar início a uma série de debates e rusgas aqui no Brasil. Isso se deve, em grande medida, ao fato de sofrermos, há muito, forte influência cultural daquele país, de modo que, em tempos de mídias sociais, não são apenas as crises econômicas, causadas ou nas quais os Estados Unidos são parte importante, chegam até nós, mas também seus problemas domésticos têm tido reflexos aqui, senão vejamos:

O vice-presidente dos Estados Unidos disse que é impossível uma união nacional depois de ver pessoas celebrarem o crime e anunciou uma campanha contra organizações e pessoas que estariam promovendo ódio contra conservadores. O movimento se repete no Brasil, com parlamentares e empresários bolsonaristas exigindo punições a quem celebrou a morte do trumpista (VICK, Jornal Nexo, 2025).

Mas a morte de Kirk não foi a primeira. No nem tão distante assim ano 2020, a morte do afro-americano George Floyd (1973 - 2020), durante uma abordagem policial naquele país, amplificou os clamores de um movimento já existente, intitulado Black Lives Matter (Vidas Negras Importam). Não demorou para que manifestações com a mesma pauta pipocassem aqui no Brasil:

No último fim de semana, em reflexo das manifestações iniciadas em Minneapolis após o assassinato de George Floyd, o Rio de Janeiro teve ato em homenagem a João Pedro, garoto negro de 14 anos alvejado pelas costas por um tiro de fuzil durante operação policial na favela do Salgueiro. Em Recife, entidades de enfrentamento ao racismo organizaram um protesto em frente à sede do TJPE nesta sexta reivindicando justiça pela morte de Miguel (PIRES, Jornal El País Brasil, 2020).

Nenhum dos fatos, por mais infelizes que tenham sido, deveriam ter tido impacto aqui no Brasil. Não se trata de insensibilidade ou coisa do tipo. Foram sim, sem dúvida eventos indesejados e que não podem ser normalizados sob nenhum pretexto ou argumento, especialmente, político. Todavia, o Brasil já tem, por assim dizer, seu próprios demônios, quando se trata se mortes:

Na média, houve 97 homicídios dolosos (quando há intenção de matar) diários no Brasil no ano passado. Os dados fazem parte do Mapa da Segurança Pública de 2025, divulgado nesta quarta-feira, 11 de junho, pelo Governo Federal (SECOM, 2025).

Os assombrosos dados acima são oficiais e se referem ao ano de 2024. Logo, num país com quase cem mortes diárias, como dito, não parece fazer sentido tanta discussão - principalmente entre nossos parlamentares, que deveriam se ocupar dos nossos problemas - em torno de mortes havidas nos Estados Unidos e causadas por cidadãos estadunidenses, uma vez que o Brasil, enquanto nação, nada tem a ver com aquelas vítimas e nem com os seus algozes, pois são causas e consequências, cujas análises sociais, institucionais e providências judiciais cabem, única e exclusivamente, aos Estados Unidos.

Mas além de importar notícias de tragédias norte-americanas, como as duas descritas acima, e convertê-las em pautas nacionais, importamos também ideias. Uma delas e que tem sido fundida à política brasileira, por meio da sinistra tentativa de ressuscitar a nociva simbiose de religião e Estado, refere-se à denominada Teologia da Dominação, ou Dominacionismo:

O dominionismo originou-se nos movimentos evangélicos dos Estados Unidos na década de 1970 e cresceu particularmente no neopentecostalismo. Ele agrupa várias tendências cristãs fundamentalistas, incluindo nelas também católicos. Trata-se de um conjunto de ideologias políticas que visam submeter a vida pública ao domínio religioso dos cristãos, como uma nova forma de teocracia. Tudo é visto como um grande combate do bem contra o mal. Através da estratégia da reconquista dos “Sete Montes”, busca-se reconstruir o domínio sobre a realidade com base nos valores cristãos, para preparar o retorno de Jesus Cristo. Os sete montes são: família, religião, educação, mídia, lazer, negócios e governo (DIOCESE DE SANTOS).

Pois é. De novo, importada dos Estados Unidos. Caso tenha soado familiar ao que temos visto na televisão e nas redes sociais nos últimos tempos, não se trata de mera coincidência. Trata-se, de fato, de uma tentativa de apropriação do poder político por facções religiosas cristãs. Talvez isso explique, em grande medida, a razão de determinados políticos brasileiros, ditos conservadores e liberais, terem se apoderado da morte de Charlie Kirk, convertendo-a em palanque para inflamarem seus eleitores, já que, entre as pautas que eram defendidas por ele, achavam-se:

Kirk era conhecido por apoiar o porte de armas e defendia que as pessoas tinham o direito de se sentir “protegidas”. Em 2023, em um evento na Universidade do Estado de Ohio, ele disse que não tem como viver numa sociedade armada sem uma morte sequer. “ Eu acho que vale a pena ter, infelizmente, algumas mortes por arma a cada ano, para que a gente tenha a Segunda Emenda para proteger os nossos direitos dados por Deus” (MORATELLI, 2025).

Portanto, depreendemos das pautas defendidas por Kirk, pelos menos dois pontos de contatos entre elas e as que são também defendidas por atores políticos brasileiros, como os integrantes das chamadas “bancadas evangélica e da bala”. Mas aqui cabe uma observação: o cristianismo - frisa-se, não como filosofia de vida calcada nos ensinamentos de caridade e de amor ao próximo do Jesus histórico, mas como religião institucionalizada - é uma religião excludente em sua essência, já que prega, em linhas gerais, a salvação de um dito “povo escolhido”, de modo que, consequentemente, os que não fazem parte desse tal povo, estão, por assim dizer, condenados à danação eterna, ou seja, queimar no fogo eterno e coisas do tipo. Pois é. Salve-se quem puder.

Mas cabe mais uma observação sobre o quão excludente é o cristianismo - repita-se, institucionalizado, e não como escolha pessoal de filosofia de vida. Dito isso, o fragmento usado acima para explicar do que trata o dominionismo consta da página na internet de uma Diocese da igreja Católica e, dessa forma, constitui uma espécie de crítica às denominações evangélicas ou neopentecostais, o que evidencia o tamanho da cisão e divergências existentes entre os próprios cristãos. Dito isso, para sermos justos, não iremos nos limitar ao conceito dado por uma instituição rival, por assim dizer:

Por teologias do domínio, tanto no pentecostalismo como no universo reformado, estamos nos referindo a certas teologias alinhadas a um tipo de domínio social e político guiado por pressuposições e imperativos teológicos. Mais especificamente, teologias que, no campo cristão tradicional ou pentecostal, compreendem que sua tarefa no mundo tem como objetivo conquistar espaços sociais –como expressão do reino de Deus e, por vezes, do estabelecimento da lei de Deus como lei política.

E complementa:

Segundo o escopo deste artigo, destacamos a semelhança de duas forma de teologias do domínio, sobretudo com relação a seus imperativos teológicos, que são o dominionismo da teologia dos “Sete Montes” (7M) e do “Teonomismo Reconstrucionista” (TR).4A associação entre elas é feita, por exemplo, por Frederick Clarkson, ao afirmar que tanto a vertente pentecostal (7M) quanto a reformada (TR) são expressões diferentes do mesmo dominionismo originário dos EUA, que é “a ideia teocrática de que, independentemente do campo teológico, meio ou época, Deus tem chamado os cristãos conservadores a exercer o domínio sobre a sociedade, ao assumir o controle das instituições políticas e culturais” (NOVAIS / CAMPOS, pág. 30, 2023).

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Como prometido, os fragmentos acima não têm origens em publicações de denominações religiosas rivais do protestantismo, mas sim do periódico Protestantismo em Revista, mantido pela Escola Superior de Teologia (Faculdades EST). Foram extraídos do trabalho intitulado Teologias do domínio: revisitando fontes e autorias e deles podemos confirmar os Estados Unidos como sendo a origem do dominionismo, bem como o que ele propõe.

Isto posto, apesar de ficarmos com a impressão de que tudo isso é novo, na verdade é apenas uma sensação devido a amplificação que as redes sociais dão a isso tudo nos dias atuais, já que a história nos mostra que a dominação política pela fé é tão antiga quanto a própria religião, especialmente, o cristianismo, senão vejamos:

Nosso Deus, que nos mandou amar nossos inimigos e sofrer o mal sem nos queixarmos, não deseja certamente que atravessemos o oceano para ir cortar o pescoço de irmãos, só porque assassinos de fardas vermelhas e chapéus de três palmos de alto alistam cidadãos batendo ruidosamente com dois pauzinhos em uma pele de burro esticada (DURANT, pág. 213, 1942).

O fragmento acima foi extraído das Cartas Inglesas, obra publicada em 1733 pelo filósofo francês Voltaire (1694 - 1778), que foi detidamente analisada pelo também filósofo, historiador e escritor estadunidense Will Durant (1885 – 1981) em sua obra História da Filosofia. Dele fica evidente que, no curso da história, o nome de Deus foi muito invocado para impor a dominação de povos bélica e tecnologicamente mais avançados sobre outros menos avançados nessas searas.

Para colocar uma pá de cal, por assim dizer, e demonstrar que a tomada do poder civil ou político por meio da fé religiosa não é algo novo mas, é sim, algo indesejável e prejudicial ao bem estar e ao desenvolvimento social, vejamos:

Considero necessário, acima de todas as coisas, distinguir com exatidão a ocupação do governo civil da ocupação da religião e estabelecer os justos limites entre ambos. Se isso não for feito, não haverá fim para as controvérsias que sempre surgirão entre aqueles que têm, ou pelo menos fingem ter, de um lado, uma preocupação com a alma dos homens e, de outro, com o cuidado da comunidade (LACERDA / GUEDES, pág. 41, 2022).

O fragmento acima, extraído da obra intitulada Carta sobre a Tolerância, do filósofo inglês John Locke (1632-1704), consta, por sua vez, da obra Liberais e conservadores: textos fundamentais, dos professores Bruno Amaro Lacerda e Carlos Eduardo Paletta Guedes. Releva destacar que as ideias de Locke, tido como um dos fundadores do pensamento político liberal, como se depreende do trecho destacado, são divorciadas do que os ditos liberais da atualidade alardeiam em suas redes sociais, púlpitos e tribunas, pois nos traz como fundamento a separação de Estado e igreja.

Isto posto, convém lembrar que nossa Carta Magna, apesar de trazer em seu preâmbulo alusão a Deus, não identifica e tampouco restringe à qual religião ou crença esse Deus estaria ligado ou seria por elas adorado. Na verdade, quando foi introduzido na CF/88, sua menção foi pensada com a patente intenção de consagrar os ditames constitucionais a algo que fosse sobremaneira elevado ou sublime, mas claramente no sentido metafísico e, portanto, não alinhavado a qualquer instituição ou denominação religiosa, cristã ou não. Assim não fosse, seu artigo 5º, inciso VI não contaria com a seguinte redação:

É inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (BRASIL, 1988).

Interessa dizer que, não apenas é garantido aos brasileiros pela CF/88 o direito de professar a crença que desejarem, como também podem não ter crença alguma, - ser ateu - uma vez que garante também a liberdade de consciência. Por tudo isso, não deveria fazer muito sentido termos uma Frente Parlamentar Evangélica, mas a temos - e não apenas autoproclamada, mas oficialmente instituída no Congresso Nacional por meio de uma Resolução.

Mas isso, quiçá, explique, em grande medida, essa estranha fusão entre fé e política buscada e incentivada por segmentos políticos atuais, ditos cristãos, liberais e conservadores, uma vez que, ao que tudo indica, tem por objetivo implementar, no Brasil, a agenda norte-americana do dominionismo e a busca do poder político - civil por meio da fé religiosa cristã. Isso tudo, obviamente, deveria soar paradoxal, já que, de fato, é, uma vez que, como vimos, contradiz radicalmente o que o liberalismo, em termos filosóficos e históricos, legou à humanidade em termos de cisão entre Estado e Igreja.


PROFECIA CANTADA

Ironia do destino ou profecia. Entendam como quiserem. No ano de 1980, no álbum Abre-se Sésamo, o cantor e compositor Raul Seixas (1945 - 1989) gravou a música Aluga-se, cuja letra é bastante irônica - se não fosse trágica - no sentido de que o Brasil deveria ser alugado para os Estados Unidos, que nos pagariam e dólares. Obviamente que Raul Seixas fez uma crítica satírica da entrega de nossas riquezas à nações estrangeiras, sobretudo, aos Estados Unidos. Numa dos trechos, ele diz: “a amazônia é o jardim do quintal”. Pois, bem, em abril de 2025, portanto, 45 anos depois, o Secretário de Defesa do governo Trump, Pete Hegseth, disse o seguinte:

É estratégico. O governo (Barack) Obama tirou os olhos da bola e deixou a China tomar toda América do Sul e Central, com sua influência econômica e cultural, fazendo acordos com governos locais de infraestrutura ruim, vigilância e endividamento. O Presidente Trump disse ‘não mais’, vamos recuperar o nosso quintal (Revista Exame, 2025).

Esta é a visão que os Estados Unidos - e parte da Europa - têm de nós, tanto brasileiros, quanto dos nossos vizinhos sul-americanos. É uma visão imperialista, pois nos veem como suas colônias, mesmo que os Estados Unidos tenham também nascido nessa condição - apesar deles rejeitarem seu passado histórico, sobretudo em tempos de pós-verdade. Mas por falar em passado, convêm esclarecer que essa sanha norte-americana de expandir suas fronteiras ou ou de levar seu modo de vida à outras nações, é bem antiga, senão vejamos:

De outra forma, quando um sexto da população de um país que se elegeu como o refúgio da liberdade é composto de escravos, e quando todo um país é injustamente assaltado e conquistado por um exército estrangeiro e submetido à lei marcial, posso afirmar que não é precipitada uma rebelião e a revolução dos homens honestos. Esse dever se torna mais imediato à medida que o país assaltado não é o nosso, e para piorar, que o exército invasor é o nosso (THOREAU, pág. 18, 2005).

O fragmento acima foi extraído da influente obra intitulada A Desobediência Civil, do pesquisador, historiador e filósofo estadunidense Henry David Thoreau (1817 – 1862). Do nome do livro já é possível inferir seu teor, mas de maneira nenhuma sua leitura deve ser negligenciada, uma vez que é uma obras histórica e reveladora que nos conduzem a repensar certos conceitos que nos são inculcados por rasos e tendenciosos escritos.

Em linhas gerais, Thoreau se opõe – sem armas – ao governo americano e às leis por ele postas em vigor à época. Sua resistência se dá, de forma resumida, pelo não financiamento de um Estado – Governo com o discorda, ou seja, negando-se a pagar os impostos que possibilitavam ao governo manter um exército permanente para, no caso da obra, invadir e espoliar seu vizinho, o México.

Entretanto, os Estados Unidos, nascidos como colônia inglesa, aprendeu bem a lição a eles ensinada pelos seus colonizadores. Um dos mais importantes episódios da história da expansão e colonização europeia, deu origem à tragédia do continente Africano, cujas consequências ainda hoje são sentidas:

Cada um tinha um grilhão de ferro em torno do pescoço e todos estavam ligados por uma corrente cujos elos pendiam entre eles, tilintando ritmicamente. Outro ruído vindo do rochedo me fez lembrar subitamente daquele navio de guerra que vi disparando contra o continente. Era o mesmo som sinistro, mas aqueles homens não poderiam ser chamados de inimigos nem pela imaginação mais fértil. Eram considerados criminosos, e a lei deturpada, assim como as bombas, os havia atingido como um mistério inescrutável vindo do mar (CONRAD, pág. 33, 2019).

O trecho acima foi extraído da influente obra intitulada No coração das trevas, publicado no ano de 1899 e de autoria do escritor polonês radicado na Inglaterra, Joseph Conrad (1857 – 1924). Na obra, Conrad narra o que pode ser encarado como um misto de romance e história, pois trata das trágicas consequências da colonização belga no Congo, que teve início após os acordos entre países europeus, inclusive a Inglaterra, firmados na Conferência de Berlim, que ocorreu entre 15 de novembro de 1884 e 26 de fevereiro de 1885 e que, em linhas gerais, dividiu e loteou todo o continente Africano entre outras nações, como se não houvessem povos habitando aquele continente.

Convém lembrar que, tanto a colonização, quanto a exploração do continente e dos povos Africanos, narrados por Conrad em sua obra, deram-se - pasmem - com o aval divino, por assim dizer, já que, apesar de a igreja não ter atuado diretamente nesses projetos como beneficiária da partilha decorrente da aludida conferência, a fé cristã, por seu turno, serviu como uma espécie de justificativa moral para os colonizadores, já que integrantes da igreja compunham os contingentes europeus sob o pretexto de levarem a palavra de Deus aos povos que não a conheciam, ao mesmo tempo em que faziam vistas grossas para o massacre e a desumanização perpetradas, senão vejamos:

A missão e a colonização caminharam de braços dados. Sendo assim, a Igreja que promove a dignidade e a igualdade dos povos nunca se pronunciou contra essa prática. Antes abençoava esse macabro projeto, dando espaço para o capitalismo, o imperialismo e a exploração (CAPOSSA, pág. 13, 2005).

Isto posto, releva mencionar que os Estado Unidos, quando da realização da Conferência de Berlim, há muito pouco tempo havia sido, como sabemos, colônia inglesa, entretanto, também participaram da aludida conferência, todavia, não sendo uma nação europeia, não obtiveram território algum na partilha do continente Africano, mas firmaram alguns acordos comerciais com nações europeias que foram beneficiadas com territórios. O passado, de fato, diz muito sobre o presente.

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Sobre o autor
Roanderson Rodrigues Coró

http://lattes.cnpq.br/6846173311525008 https://orcid.org/0009-0008-4976-6265

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CORÓ, Roanderson Rodrigues. Da fé ao poder: os importadores de crises. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 30, n. 8124, 28 set. 2025. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/115789. Acesso em: 5 dez. 2025.

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