O Papel do Assistente da Acusação no Processo Penal.
José Eulálio Figueiredo de Almeida
Professor de Direito Processual Penal da Universidade Federal do Maranhão - UFMA. Desembargador do TJMA. Membro da Academia Maranhense de Letras Jurídicas. Especialização em Processo Civil pela UFPE. Especialização em Ciências Criminais pelo UNICEUMA. Doutor em Direito e Ciências Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA.
A figura do assistente da acusação, prevista no art. 268 do CPP, sempre teve e ainda tem como função processual auxiliar e cooperar com o Ministério Público em todos os termos da ação penal pública, após sua instauração (oferecimento da denúncia) e antes do trânsito em julgado da sentença. O dispositivo antecitado não distingue a natureza da ação penal pública, se condicionada ou incondicionada, para a habilitação do assistente – ubi lex non distinguit, nec interpress distinguere debet.
Diga-se, por oportuno, que o assistente da acusação é a vítima ou qualquer uma das pessoas relacionadas no art. 31 do CPP, em caso de ausência do vitimizado.
A tradição na doutrina e na jurisprudência nacionais é entender que o assistente da acusação exerce uma função subsidiária, contingente e acessória em relação ao Ministério Público, considerando sua atividade supletiva – acessorium sequitur suum principale.
Obviamente que nem sempre os interesses do assistente da acusação coincidirão com os do Ministério Público e vice-versa. Por isso, é importante destacar, neste estudo, outras possibilidades de protagonismo do assistente da acusação em face de políticas criminais que visem a despenalização e a materialização do Sistema Justiça Multiportas, sem a pretensão de conferir a tal litisconsorte importância maior do que a do titular da ação penal.
Com efeito, o interesse do órgão ministerial nem sempre deve ser a condenação do acusado, assim como o interesse do assistente da acusação nem sempre deve coincidir com esse desiderato ou divergir para a absolvição. O que não pode ocorrer é a simples discordância entre entendimentos sobre resultados, respostas, propostas, suscitações ou soluções possíveis.
Basta ver que o assistente da acusação poderá propor a realização de provas que o Ministério Público não propôs, assim como poderá interpor recurso que o referido órgão ministerial não interpôs, conforme dispõem os arts. 271 e 598 do CPP, sem que, com isso, se possa enxergar dissidência entre os litisconsortes, nem o rompimento do caráter acessório da assistência.
Nessa perspectiva, entendo que a atuação do assistente da acusação deve ir além desse restrito roteiro que o CPP lhe destina. Desse modo, embora não haja precedente na doutrina ou na jurisprudência sobre sua iniciativa a respeito de outras intervenções na ação penal em curso, entendo data venia possa o assistente da acusação suscitar a aplicação do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP) ao réu, assim como outras formas de justiça penal negociada, visto que tais propostas, apesar de estarem dentro do âmbito das atribuições do Ministério Público, podem, no entanto, ser apontadas como viáveis à iniciativa da vítima habilitada, porque não constituem insurgência à função institucional do parquet, nem esbarram na limitação da esfera de atuação processual do assistente da acusação.
Alguém pode assustar-se com esta opinião, reputando-a uma aberratio iuris. Talvez um exemplo dissipe essa mudança de paradigma. Suponhamos, pois, a tramitação de ação penal que trate sobre violência doméstica, em que um pai tenha sido acusado de agredir sua filha.
Admitida como assistente da acusação, a vítima percebe que a hipótese comporta a aplicação do TAC ou do ANPP. Destarte, ante a omissão ou inércia do Ministério Público em propor ou manifestar-se favoravelmente à pretensão do réu, poderá o assistente da acusação exercer o ius postulandi da medida despenalizadora.
Ora, se for viável a proposição do TAC ou do ANPP pelo Ministério Público, como decorrência de seu atributo institucional e este não exercer tal dever oficial, como órgão responsável pela correta aplicação da lei penal, essa prerrogativa pode ser suscitada pela vítima na medida em que são valiosos instrumentos de fácil resolução de conflitos que podem contribuir para a paz no ambiente familiar.
Na verdade, o interesse primordial do Ministério Público não deve ser a obstinada e desenfreada condenação do acusado, mas a busca de uma solução jurídica satisfatória para o caso sub judice, que esteja submetida à produção de provas de qualidade, de modo isento e imparcial, tendente a traduzir a condição de culpa ou do estado de inocência do réu.
Destarte, considero que eventuais divergências ou discordâncias entre o assistente da acusação habilitado e o Ministério Público não devem ser motivo para impedir sua atuação, a qual deve primar pelo consenso e pela ideia de que a finalidade do processo é a pacificação social.
Pode também o assistente da acusação arrazoar os recursos interpostos pelo Ministério Público, ou por ele próprio, e aditar os articulados. A habilitação do assistente da acusação nos autos do processo deve ser feita através de advogado, mediante outorga de procuração com poderes especiais.
O art. 268 do CPP permite a atuação do assistente da acusação no trâmite da ação penal pública, independentemente de ser condicionada ou incondicionada. O objetivo do dispositivo supracitado é permitir a participação da vítima ou de seu representante legal e, na falta destes, de qualquer das pessoas mencionadas no art. 31 do CPP, na persecutio criminis in juditio, como assistente do titular da ação penal pública, no caso o Ministério Público. Portanto, somente não é permitida a atuação do assistente da acusação durante a tramitação do inquérito policial.
Nessa perspectiva, colhe-se que a lei confere, a um só tempo, interesse e legitimidade para a vítima requerer sua habilitação como assistente da acusação, bem como propor meios de prova, formular perguntas às testemunhas, requerer a decretação da prisão preventiva do acusado, requerer diligências, elaborar alegações finais, participar de debates orais, interpor recursos ou arrazoar os interpostos pelo Ministério Público ou por ele próprio, nos casos dos arts. 584, § 1.º, e 598, do CPP.
Com efeito, não é correto confundir as figuras do assistente da acusação e do seu procurador judicial. O primeiro, como se afirmou, é a vítima, seu representante legal ou qualquer uma das pessoas enumeradas no art. 31 do CPP. O segundo, como óbvio, é o advogado, detentor de capacidade postulatória, o qual munido de procuração com poderes expressos se encarregará de formular petições em nome da vítima ou de seu representante legal com o intuito de movimentar a ação penal pública em benefício dos atos acusatórios.
A habilitação do assistente da acusação deve ser admitida enquanto não ocorrer o trânsito em julgado da sentença. Destarte, uma vez assentida a participação do assistente da acusação pelo Ministério Público, ocorrerá a formação de litisconsórcio. Contudo, receberá sempre a causa no estado em que ela se encontrar, ou seja, não será permitido ao assistente manejar pedidos sobre atos judiciais pretéritos que já foram atingidos pela preclusão processual.
É importante destacar que o interesse do assistente da acusação não coincide necessariamente com o do Ministério Público, muito menos com o da defesa. A par disso, a lei processual penal estatuiu, em seu art. 272, como condição para a habilitação do assistente, a prévia concordância do órgão ministerial.
No que tange à prévia concordância do Ministério Público quanto à habilitação do assistente da acusação, penso que é medida ultrapassada e desnecessária, porque o interesse da vítima é, essencialmente, maior do que o do órgão acusatório, o qual deve, portanto, ser exercido com propósito acusatório e estar sujeito a responsabilidades processuais.
Daí porque submeter a admissão da vítima, como assistente da acusação, ao prévio consentimento do Ministério Público é violar o direito constitucional fundamental de petição, assegurado a terceiro interessado atingido diretamente pela prática delituosa, que a ordem jurídica tem a obrigação de garantir e os órgãos da persecução penal o dever de apurar para eventual possibilidade de imposição de sanção penal.
Ressalto, no entanto, que no caso em que o assistente é, ao mesmo tempo, vítima e réu, como na hipótese de figurar na denúncia como corréu, deve ser inadmissível sua habilitação. Explico: Ticiano, Ranulfo, Lucíolo e Jovenilo são acusados da prática do crime de rixa, em face de uma briga generalizada, onde não foi possível apontar agressores e vítimas entre si claramente definidos. Neste caso, não será possível a habilitação de qualquer um deles, como assistente da acusação (art. 270, CPP), porque fere os princípios do contraditório e da ampla defesa.
Pela sua natureza jurídica de assistente litisconsorcial, o assistente da acusação exerce o papel de colaboração e cooperação com o órgão oficial responsável pela acusação, razão pela qual não pode pleitear desclassificação do delito, redução de pena, nem a absolvição do acusado em contrariedade ao que for postulado pelo Ministério Público.
Interessante notar, por oportuno, que o assistente da acusação não pode ser confundido com a figura do querelante que, ante a omissão ou negligência do Ministério Público em oferecer a denúncia no prazo legal, oferece queixa, propondo a instauração da ação penal privada subsidiária da pública.
Diga-se, por oportuno, que o assistente da acusação deve ser intimado para todos os atos do processo, sob pena de nulidade; contudo, sua intimação não é pessoal, devendo ser providenciada por meio de publicação em diário oficial, na pessoa de seu advogado.
É importante registrar, finalmente, que a atuação do assistente da acusação deve ajustar-se às novas perspectivas do processo penal, especialmente sob a ótica dos institutos despenalizadores, para permitir o exercício dum protagonismo que fomente a materialização da tutela penal célere e eficaz, sem, contudo, ignorar o caráter pedagógico e admoestativo da medida.