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Capa: Sora

Jurisprudência de máquina, jurisdicionados humanos

25/10/2025 às 08:58

Resumo:


  • Antigamente, advogados precisavam datilografar petições e ir pessoalmente aos tribunais para protocolar documentos e pesquisar acórdãos.

  • Os acórdãos eram elaborados de forma técnica, refletindo o estilo e cultura jurídica de cada desembargador, o que permitia diferentes abordagens para questões jurídicas.

  • O uso crescente de tecnologia na produção de acórdãos pode resultar em uma padronização excessiva, comprometendo a diversidade de perspectivas e a qualidade das decisões judiciais.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

O TRT/SP já usa inteligência artificial na redação de acórdãos. O que acontece quando o estilo humano dá lugar à linguagem de máquina?

Sou advogado desde 1990. Antes disso fui estagiário. No começo da minha carreira a advocacia e a distribuição de justiça eram muito diferentes.

Apenas a título de ilustração, mencionarei aqui que no âmbito do TTR/SP as petições eram datilografadas e tinham que ser levadas pessoalmente ao protocolo de cada unidade da Justiça do Trabalho. Se necessitasse pesquisar Acórdãos, o advogado podia utilizar publicações especializadas. Mas algumas vezes era necessário ir pessoalmente à biblioteca do TRT/SP para consultar o fichário de decisões por tema e depois requisitar o livro específico em que a cópia do Acórdão desejado estava para obter uma xerox.

Tudo isso parece muito trabalhoso. Advogados que atuam a cinco anos ou menos certamente não conseguem nem mesmo imaginar algo semelhante, porque os Tribunais e seus acervos de decisões estão literalmente nas pontas dos dedos de qualquer usuário de internet.

No passado, os Acórdãos do TRT/SP eram elaborados de uma maneira técnica, mas também refletiam o estilo e a cultura jurídica de cada Desembargador. Decisões semelhantes podiam ser formuladas de maneira diferente e essas diferenças ajudavam os advogados a encarar uma mesma questão jurídica por ângulos distintos.

Os Acórdãos do TRT certamente não repetiam mecanicamente expressões como as que nós vemos no último Boletim de Jurisprudência divulgado:

Há sete questões em discussão: I... II... III... IV..., V..., VI..., VII...1

Há quatro questões em discussão: I..., II..., III, IV...2

Há duas questões em discussão: I..., II...3

Os Acórdãos parcialmente transcritos acima foram proferidos por Turmas e relatores diferentes:

1 10ª Turma , Rel. Armando Augusto Pinheiro Pires;

2 11ª Turma , Rel. Flávio Villani Macedo

3 1ª Turma , Rel. Willy Santilli

O uso repetitivo da mesma estrutura discursiva é típico de Inteligências Artificiais. Portanto, estamos aqui diante de um caso evidente de "jurisprudência de máquina".

Turmas diferentes e relatores distintos do TRT/SP estão usando o mesmo recurso tecnológico. O que parece bom pode ser ou efetivamente é, no entanto, terrível do ponto de vista linguístico. Para não dizer que isso vai comprometer a evolução do próprio Direito e seu aprendizado.

Esses "Acórdãos maquínicos" serão incorporados à base de dados do Tribunal e utilizados para a formulação de novas decisões no futuro. Decisões que evidentemente repetirão a mesma linguagem homogeneizada, mecânica, desumanizada e desprovida de estilo pessoal ou da sutileza característica de cada ser humano.

O ganho de produtividade será grande. Mas também acarretará uma perda de qualidade, porque rapidamente a administração da justiça não será mais capaz de conter e expressar a maneira específica de cada juiz humano perceber o mundo, se relacionar com os problemas jurídicos e sociais e de resolver disputas utilizando toda a sua empatia e bagagem cultural.

O Direito é um fenômeno social que depende da linguagem. O empobrecimento dela pode acarretar um colapso da ciência jurídica e mesmo de sua respeitabilidade. E não se enganem, a respeitabilidade de uma decisão judicial é muito mais importante do que a produtividade do Tribunal.

Se um Acórdão parece ter sido proferido por uma máquina ele não conterá a credibilidade humana do relator e dos demais juízes encarregados de o proferir. No limite, cidadãos que foram educados para respeitar os juízes e aquilo que eles fazem começarão a considerá-los apêndices biológicos da tecnologia utilizada para a prolação de decisões automatizadas. Ou pior, os jurisdicionados passarão a acreditar que as decisões são proferidas por máquinas e apenas assinadas por juízes.

Caso em que ou os cidadãos começarão a imaginar que os juízes se tornaram desnecessários (um custo que o Estado pode e deve eliminar) ou que as máquinas de julgar processos, que são ou podem ser fundamentalmente falhas e desprovidas de empatia, estão a vomitar mecanicamente decisões injustas que não merecem ser respeitadas.

O incidente comentado aqui sugere que o TRT/SP mergulhou na aventura da IA. Essa inovação significará uma melhora na percepção pública do Tribunal? Essa é a questão de 1 bilhão de bites.

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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