Capa da publicação Assédio moral sem reiteração: nova perspectiva jurídica
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Assédio moral sem reiteração: uma nova perspectiva jurídica

30/10/2025 às 11:39

Resumo:


  • Legislação nacional e internacional avançam no combate ao assédio moral e sexual no mundo do trabalho.

  • Iniciativas institucionais visam prevenir, coibir e punir práticas de assédio moral e sexual, adotando protocolos para denúncias e ações de sensibilização.

  • O assédio moral é caracterizado por condutas abusivas que atentam contra a integridade do trabalhador, enquanto o assédio sexual se manifesta de forma sexual contra a vontade da pessoa.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

Um único ato isolado pode configurar assédio moral? Nova interpretação amplia a proteção à dignidade, reconhecendo o dano grave mesmo sem reiteração de condutas.

Nas últimas décadas, as situações enquadradas como assédios moral e sexual aparecem quase diariamente no noticiário da grande imprensa. Infelizmente, são crescentes as denúncias e reclamações acerca das ocorrências desses repugnantes atentados à dignidade da pessoa humana no mundo do trabalho, tanto público quanto privado.

A relevância dessa temática pode ser confirmada pelo avanço da legislação nacional e internacional. Entre outras iniciativas jurídico-normativas, podem ser destacadas:

  • a) Lei n. 10.224, de 15 de maio de 2001. Introduziu o crime de assédio sexual no Código Penal (art. 216-A);

  • b) Convenção n. 190. da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre a Eliminação da Violência e do Assédio no Mundo do Trabalho, assinada em Genebra no dia 21 de junho de 2019 durante a 108a Conferência Internacional do Trabalho;

  • c) Recomendação n. 206. da Organização Internacional do Trabalho – OIT, de 21 de junho de 2019, sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho (complementou as disposições da Convenção n. 190. sobre a Violência e o Assédio);

  • d) Resolução n. 351, de 28 de outubro de 2020, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), instituiu, no âmbito do Poder Judiciário, a Política de Prevenção e Enfrentamento do Assédio Moral, do Assédio Sexual e da Discriminação;

  • e) Lei n. 14.457, de 21 de setembro de 2022. Instituiu o Programa Emprega + Mulheres. Estão entre as medidas a serem implementadas: prevenção e combate ao assédio sexual e a outras formas de violência no âmbito do trabalho (regras de conduta; procedimentos para recebimento e acompanhamento de denúncias, garantia do anonimato e ações de capacitação). Alterou a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) para definir a obrigatoriedade de instituição de Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e de Assédio (Cipa);

  • f) Lei n. 14.540, de 3 de abril de 2023. Instituiu o Programa de Prevenção e Enfrentamento ao Assédio Sexual e demais Crimes contra a Dignidade Sexual e à Violência Sexual no âmbito da administração pública, direta e indireta, federal, estadual, distrital e municipal;

  • g) Lei n. 14.811, de 12 de janeiro de 2024. Introduziu os crimes de intimidação sistemática (bullying) e intimidação sistemática virtual (cyberbullying) no Código Penal (art. 146-A);

  • h) Decreto n. 12.122, de 30 de julho de 2024. Instituiu o Programa Federal de Prevenção e Enfrentamento do Assédio e da Discriminação, no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.

Também se multiplicam as iniciativas institucionais voltadas para prevenir, coibir e punir as práticas de assédios moral e sexual. Cartilhas, guias, cursos, auditorias, ações de sensibilização e capacitação e protocolos para denúncias, inclusive anônimas, são adotados nas empresas privadas, nos órgãos dos Poderes Executivo, Legislativo, Judiciário, bem como nas Funções Essenciais à Justiça (Ministérios Públicos, Advocacias Públicas, Defensorias Públicas e Advocacia) e nos Tribunais de Contas.

O assédio moral é entendido como o “… processo contínuo e reiterado de condutas abusivas que, independentemente de intencionalidade, atentem contra a integridade, identidade e dignidade humana do trabalhador, por meio da degradação das relações socioprofissionais e do ambiente de trabalho, exigência de cumprimento de tarefas desnecessárias ou exorbitantes, discriminação, humilhação, constrangimento, isolamento, exclusão social, difamação ou abalo psicológico” (Cartilha ASSÉDIO MORAL, SEXUAL E DISCRIMINAÇÃO do Conselho Nacional de Justiça – CNJ).

Já o assédio sexual se caracteriza como a “… conduta de conotação sexual praticada contra a vontade de alguém, sob forma verbal, não verbal ou física, manifestada por palavras, gestos, contatos físicos ou outros meios, com o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador” (Cartilha ASSÉDIO MORAL, SEXUAL E DISCRIMINAÇÃO do Conselho Nacional de Justiça – CNJ).

Esses entendimentos, que convergem com inúmeros outros veiculados por diversos atores institucionais, resultam de contínuas reflexões e teorizações sobre a temática dos abusos no ambiente laboral. Nessa linha, foram caracterizados vários tipos de assédios moral e sexual. O assédio moral pode tomar a forma de: a) vertical descendente; b) vertical ascendente; c) horizontal; d) misto e e) organizacional (ou institucional). Já o assédio sexual pode ocorrer: a) por chantagem ou b) por intimidação.

Outras figuras ilícitas congêneres também foram (e continuam sendo) especificadas, conformadas como qualificações autônomas. Entre elas devem ser destacadas: a) discriminações; b) intimidação sistemática; c) importunação sexual e d) assédio eleitoral.

Outro movimento que ganha corpo é a depuração das figuras já existentes visando a mais adequada identificação de suas ocorrências. O objetivo claro é dar máxima efetividade à proteção da dignidade da pessoa humana. Assim, não se deixam escapar as graves ofensas ao postulado que sintetiza as ordens jurídicas contemporâneas, inclusive a brasileira (art. 1o, inciso III, da Constituição Federal).

Nessa linha, observa-se um aprimoramento da noção de assédio moral para reconhecer sua ocorrência mesmo na ausência de condutas repetidas (reiteradas ou sistemáticas).

Em regra, ou na maioria dos casos, exige-se a recorrência de comportamentos abusivos. Entretanto, admite-se que situações específicas e pontuais podem caracterizar o assédio moral. Essas situações devem ser inequivocamente graves e causar fortes lesões à dignidade e à integridade da pessoa humana.

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Um dos fundamentos para essa última conclusão pode ser encontrado na Convenção n. 190. da OIT (Organização Internacional do Trabalho). Esse importante documento adotou a seguinte definição: “o termo ‘violência e assédio’ no mundo do trabalho refere-se a um conjunto de comportamentos e práticas inaceitáveis, ou de suas ameaças, de ocorrência única ou repetida, que visem, causem, ou sejam susceptíveis de causar dano físico, psicológico, sexual ou económico, e inclui a violência e o assédio com base no género”. Assim, a caracterização dos assédios, de forma abrangente, moral ou sexual, pode ocorrer a partir de conduta ou comportamento isolado (“ocorrência única”).

A citada Convenção n. 190/OIT baliza a construção do entendimento de que o assédio moral pode ocorrer a partir de conduta isolada. Esse registro é especialmente relevante:

“O Ministério Público do Trabalho (MPT) participou, na segunda-feira, 27, de audiência pública ‘Assédio moral na Consolidação das Leis Trabalhistas’, promovida pela Câmara dos Deputados. A instituição foi representada, na mesa da audiência, pela procuradora do Trabalho Fernanda Barbosa Diniz, que destacou questões caras ao MPT no que diz respeito ao assédio moral. Entre os pontos mais enfatizados por Diniz está o critério usado na tipificação da conduta.

‘A posição institucional do Ministério Público do Trabalho é não exigir a reiteração da conduta para a configuração do assédio. Desde a Convenção 190 – que também já foi abordada aqui – o Ministério Público passa a entender que um ato único pode configurar assédio’, explica. ‘A gente não pode deixar de ver o assédio como um ato único. Porque aquilo, para a pessoa, vai ser perene. Não só para a pessoa, mas para o ambiente, para as pessoas que estão vendo’.

Segundo a procuradora, apenas um ato já pode ser considerado assédio, devido ao seu potencial danoso. ‘A criatividade humana é infinita, para o bem o para o mal. Então, eu acho que a Convenção 190 é muito feliz em dar um conceito aberto de assédio, porque o foco, como está na convenção, tem que ser no potencial do dano da conduta’. A Convenção 190 foi adotada em junho de 2019 pela Conferência Internacional do Trabalho (CIT), e entrou em vigor em 25 de junho de 2021, após a ratificação por dois países: Uruguai e Fiji. Atualmente, a convenção tramita na Câmara dos Deputados, com o objetivo de decidir sobre sua ratificação pelo Brasil.

Diniz destacou exemplos práticos de condutas isoladas – atos únicos – que, claramente, causam dano ao trabalhador. ‘Por exemplo, no setor bancário, uma trabalhadora se acidentou dentro da agência, teve um problema no pé, ficou internada no hospital, e, enquanto ela estava no hospital, a gerente ligou para ela: 'eu posso entregar a sua agência ou você vai voltar para o trabalho'? O que está sendo dito para essa trabalhadora, por meio de um ato único? Você não pode adoecer ou você perde a sua agência. Você não pode sequer ter acidente ou você perde sua agência’ "

(Disponível em: <https://www.prt3.mpt.mp.br/procuradorias/prt-belohorizonte/2896-a-gente-nao-pode-deixar-de-ver-o-assedio-como-um-ato-unico-afirma-procuradora>. Acesso em: 16 out. 2025).

Nessa linha, a advogada trabalhista Ana Paula Broda, no texto “A configuração do assédio moral depende mesmo da ação reiterada e prolongada no tempo?”, sustentou:

“Seguramente, a ação abusiva e humilhante no trabalho, mesmo observada de forma isolada, pontual, ou, ainda não prolongada, porém capaz de provocar no trabalhador profunda dor emocional, de produzir um dano à sua dignidade, demanda a configuração da violência moral.

Defende tal posicionamento Leda Maria Messias da Silva, ao afirmar que ‘pode acontecer que uma única conduta do agente agressor, tenha um efeito tão negativo na vida da vítima, que isto venha a repercutir em uma série de atos desencadeados por aquela única conduta, então, será o caso de caracterização do assédio, por uma única conduta.’

Engessar a caracterização do assédio moral à exigência de um prazo mínimo e de uma periodicidade determinada, desconsiderando a análise das circunstâncias do caso concreto, pode implicar injustiça, haja vista que uma única conduta é hábil a gerar dano à honra e à intimidade do trabalhador”

(Disponível em: <https://www.migalhas.com.br/coluna/migalha-trabalhista/350380/configuracao-do-assedio-moral-depende-da-acao-prolongada-no-tempo>. Acesso em: 19 out. 2025.

Para melhor esclarecer o argumento podemos figurar um exemplo hipotético de assédio moral na forma de conduta única. Imagine-se uma, e só uma, intensa humilhação dirigida a um trabalhador, com uso de palavras de baixo calão, tom de voz alterado e acusações de incompetência e desídia, perante os integrantes da comunidade organizacional reunidos em evento de capacitação ou de outra natureza.

Portanto, é viável caracterizar o assédio moral a partir de conduta única ou isolada, sem reiteração, desde que o constrangimento inerente a essa figura seja inequivocamente marcado por especial gravidade na ofensa à dignidade e à integridade.

Sobre o autor
Aldemario Araujo Castro

Advogado. Procurador da Fazenda Nacional. Professor da Universidade Católica de Brasília - UCB. Mestre em Direito pela Universidade Católica de Brasília – UCB. Ex-Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil – OAB (pela OAB/DF). Ex-Corregedor-Geral da Advocacia da União (AGU).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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