COP 30 - O Brasil e o novo paradigma do mercado global de carbono: entre o protagonismo diplomático e a regulação multinível

10/11/2025 às 20:05

Resumo:


  • O Brasil está assumindo um papel de protagonismo na governança climática global, passando de receptor de regras a produtor de normas, com destaque para o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE).

  • O país busca fortalecer sua diplomacia e liderança na formação de uma Coalizão Internacional de Mercados de Carbono, alinhando-se com o Acordo de Paris e promovendo a interoperabilidade entre sistemas nacionais.

  • A integridade ambiental, o financiamento climático e a segurança jurídica são elementos essenciais para o sucesso dos mercados de carbono, com implicações para a responsabilidade internacional dos Estados e os deveres de diligência empresarial.

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

COP 30 - O Brasil e o novo paradigma do mercado global de carbono: entre o protagonismo diplomático e a regulação multinível

Resumo

O artigo examina o protagonismo brasileiro na governança climática durante a COP-30, com foco na arquitetura jurídica do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) e na articulação diplomática que sustenta a proposta de uma Coalizão Internacional de Mercados de Carbono. Sustenta-se que o Brasil transita de receptor de regras a produtor de normas (norm-maker), ao conjugar o marco legal interno — especialmente a Lei nº 15.042/2024 — e a convergência regulatória em torno do artigo 6º do Acordo de Paris, com mecanismos robustos de monitoramento, relato e verificação (MRV), registro central e credenciamento metodológico. Demonstra-se, ademais, que a credibilidade dos mercados e o financiamento climático estão co-dependentes — com reflexos na responsabilidade internacional dos Estados e na due diligence climática empresarial — e que a institucionalidade brasileira (SEMC/MF) oferece condições para interoperabilidade regulatória e segurança jurídica dos agentes econômicos.

Palavras-chave: COP-30; SBCE; artigo 6º; mercado de carbono; responsabilidade internacional; MRV; governança climática.

Abstract

This paper analyzes Brazil’s leadership in global climate governance during COP-30, focusing on the legal architecture of the Brazilian Emissions Trading System (SBCE) and the diplomatic drive behind an International Carbon Markets Coalition. We argue that Brazil has shifted from a rule-taker to a norm-maker, by aligning its domestic legal framework — notably Law No. 15.042/2024 — with Paris Agreement Article 6 through robust MRV, a central registry, and methodology accreditation. We further show that market credibility and climate finance are co-dependent — with implications for state responsibility and corporate climate due diligence — and that Brazil’s institutional design (SEMC/Finance Ministry) provides conditions for regulatory interoperability and legal certainty for market participants.

Keywords: COP-30; SBCE; Article 6; carbon markets; state responsibility; MRV; climate governance.

Sumário: 1. Introdução — Brasil, COP-30 e a economia política do carbono. 2. A arquitetura jurídica interna: SBCE e seus pilares institucionais. 3. Coalizão de mercados e interoperabilidade regulatória no artigo 6º. 4. Financiamento climático, integridade ambiental e segurança jurídica. 5. Responsabilidade internacional dos Estados e deveres de diligência Empresarial. 6. Conclusões — De Belém ao mundo: juridicidade, escala e previsibilidade. Referências

1. Introdução — Brasil, COP-30 e a economia política do carbono

A COP-30, realizada em Belém, recoloca o Brasil no epicentro da governança climática. Em um cenário marcado pela retração norte-americana nos principais fóruns de negociação, o país avança simultânea e estrategicamente em dois vetores: a consolidação normativa doméstica, com a instituição do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), e a diplomacia regulatória voltada à formação de uma coalizão internacional de mercados de carbono, com adesões públicas de atores centrais como a União Europeia, China, Canadá, Reino Unido, Alemanha e França.

A inflexão é nítida: de mero participante, o Brasil passa a arquitetar padrões, conciliando integridade ambiental, previsibilidade econômica e ambição climática.

Do ponto de vista jurídico, a mudança pode ser descrita como o movimento de rule-taker a norm-maker: em vez de apenas internalizar padrões exógenos, o país contribui ativamente para a modelagem das regras de contabilidade de carbono, de MRV e de interoperabilidade entre sistemas nacionais.

Esse protagonismo decorre, em grande parte, de um arranjo institucional que combina capacidade técnica setorial, coordenação interministerial e legitimidade internacional obtida por meio de compromissos claros com a integridade ambiental, a transparência e a participação social.

2. A arquitetura jurídica interna: SBCE e seus pilares institucionais

Instituído pela Lei nº 15.042/2024, o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE) estrutura a precificação do carbono como instrumento de política pública para reduzir emissões de gases de efeito estufa (GEE) e estimular a inovação de baixo carbono, inspirando-se em arranjos regulatórios de grandes economias, como o EU ETS.

O modelo nacional adota comandos e incentivos que, ao mesmo tempo, induzem eficiência alocativa, modernização produtiva e segurança jurídica, ao estabelecer limites setoriais e permitir a negociação de cotas e créditos de redução verificada.

Para implementar o SBCE, o Ministério da Fazenda criou a Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono (SEMC), com atribuições de regulação e implementação do sistema; definição de setores regulados; estudos técnicos e análises de impacto; governança transparente e participativa; normas e procedimentos de MRV; credenciamento de metodologias para Certificados de Redução Verificada de Emissões (CRVE); e desenvolvimento de um Registro Central apto a assegurar rastreabilidade, evitar dupla contagem e reduzir assimetrias de informação.

Essa engenharia institucional aproxima o Brasil das melhores práticas internacionais e constitui pré-condição para a interoperabilidade com outros regimes de comércio de emissões.

Destaca-se, ademais, a diretriz de destinação de receitas para políticas de transição: ao prever que parcela substancial (75%) do produto das outorgas seja vinculada ao Fundo Clima, o legislador alinha o ETS nacional à política industrial verde, retroalimentando a descarbonização setorial e reduzindo custos de transição tecnológica.

Trata-se de desenho compatível com o princípio da eficiência administrativa, com o dever constitucional de proteção ao meio ambiente (art. 225, CF) e com a racionalidade econômica da precificação do carbono.

3. Coalizão de mercados e interoperabilidade regulatória no artigo 6º

No plano externo, o Brasil propôs uma Coalizão para integração internacional de mercados com vistas à harmonização de padrões e à conexão de sistemas já existentes, de modo a ampliar liquidez, previsibilidade e transparência.

A iniciativa dialoga diretamente com o artigo 6º do Acordo de Paris, que prevê a cooperação entre Partes para a transferência internacional de resultados de mitigação, condicionando-a à integridade ambiental, à robustez do MRV e à consistência das contabilidades nacionais.

A coalizão pretende, entre outros pontos, compartilhar experiências e técnicas de MRV, contabilidade de carbono e uso responsável de offsets, além de pactuar princípios de interoperabilidade entre taxonomias sustentáveis.

Importa notar que a pretensão de interoperabilidade não implica uniformização rígida. Ao contrário, parte-se do reconhecimento de que cada país preserva sua realidade e prioridades setoriais, enquanto constrói-se um vocabulário comum de comparabilidade para fins de alocação de capital, avaliação de risco e desenho de salvaguardas socioambientais.

A proposta brasileira de uma “super-taxonomia” funciona, assim, como camada de tradução e equivalência, apta a reduzir custos de transação regulatória e a conferir maior previsibilidade às decisões de investimento.

4. Financiamento climático, integridade ambiental e segurança jurídica

A experiência recente evidencia a co-dependência entre mercados de carbono e financiamento climático.

O esforço de mobilização de recursos em escala trilionária tem como contrapartida a exigência de integridade de créditos — medida por padrões rigorosos de MRV, adicionalidade, permanência e robustez do registro — e de governança pública capaz de coibir greenwashing.

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Do ponto de vista do investidor, integridade equivale a segurança jurídica; do ponto de vista do Estado, é condição para a legitimidade do ETS e para a ancoragem de preços e expectativas.

O SBCE endereça esses vetores com a criação de um Registro Central e com normas de MRV e credenciamento metodológico, reduzindo riscos de dupla contagem, aumentando a rastreabilidade e integrando o mercado regulado com o mercado voluntário mediante critérios claros de elegibilidade de créditos.

Ao lado disso, a vinculação de receitas ao Fundo Clima e a perspectiva de políticas industriais de baixo carbono — inclusive em setores como energia, indústria de base e agroindústria — agregam sinalização econômica à integridade ambiental, favorecendo projetos bancáveis e cadeias de valor descarbonizadas.

5. Responsabilidade internacional dos Estados e deveres de diligência empresarial

O parecer consultivo da Corte Internacional de Justiça, publicado em 2025, reforça a obrigação dos Estados de prevenir danos decorrentes das mudanças climáticas antropogênicas, bem como a força vinculante dos compromissos multilaterais pertinentes.

Tal entendimento impacta diretamente o modo como as Partes devem cumprir suas NDCs, organizar a cooperação no âmbito do artigo 6º e coordenar seus mercados internos com padrões internacionais de integridade e transparência.

No plano privado, avulta a due diligence climática como dever de gestão empresarial, especialmente em cadeias globais de valor e sob o escrutínio de padrões como SBTi e GHG Protocol.

Empresas que incorporem créditos de alta qualidade em estratégias líquidas zero, com governança de dados de escopos 1–3 e mecanismos robustos de auditoria, estarão mais bem posicionadas para cumprir metas, evitar asserções enganosas e acessar capital verde.

O desenho institucional do SBCE, ao prover MRV e registro confiáveis, funciona como infraestrutura jurídica que sustenta tais práticas e reduz o risco de litigiosidade.

6. Conclusões — De Belém ao mundo: juridicidade, escala e previsibilidade

Os avanços institucionais e diplomáticos recentes sinalizam oportunidades concretas, mas não eliminam desafios materiais.

O SBCE depende de uma sequência regulatória consistente — definição setorial, regras de MRV, credenciamento metodológico, registro funcional e governança com capacidade técnica — para entregar integridade ambiental e previsibilidade econômica.

Sem esses degraus, o sistema corre o risco de gerar preços instáveis, assimetrias informacionais e contestações jurídicas.

Há condicionantes adicionais:

(i) coordenação fina com políticas setoriais de energia, uso da terra e indústria;

(ii) salvaguardas socioambientais que reconheçam direitos territoriais e repartição justa de benefícios;

(iii) tratamento claro de riscos de permanência, vazamento e adicionalidade em projetos;

(iv) interoperabilidade cautelosa com o mercado voluntário; e

(v) transparência de dados para mitigar greenwashing e reduzir litígios.

A articulação com taxonomias e a proposta de uma camada de comparabilidade regulatória podem diminuir custos de transação, desde que não suprimam especificidades domésticas nem diluam critérios de integridade.

No exterior, a integração sob o artigo 6º produzirá ganhos apenas se a contabilidade internacional for consistente com as NDCs e com o inventário nacional, evitando dupla contagem e desalinhamentos com medidas de comércio climático (como ajustes de carbono na fronteira).

Em paralelo, a vinculação de receitas ao Fundo Clima precisa ser operacionalizada com governança e avaliação independente de resultados, sob métricas de custo-efetividade e adicionalidade de políticas públicas.

Em síntese, o Brasil dispõe de instrumentos para contribuir de modo relevante à arquitetura global de carbono.

O resultado, porém, dependerá menos de proclamações e mais da qualidade regulatória entregue: desenho prudente de fases-piloto, testes de estresse em MRV e registro, revisão periódica baseada em evidências e correções de rota quando indicado.

A ambição climática ganha tração quando conectada a instituições que aprendem, corrigem e prestam contas.

Referências:

BRASIL. Ministério da Fazenda. Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE). Brasília: Secretaria de Política Econômica, 2025.

BRASIL. Ministério da Fazenda. Secretaria Extraordinária do Mercado de Carbono (SEMC): sobre e atribuições. Brasília: Ministério da Fazenda, 2025.

ESTADÃO. Entrevista: “Brasil assumiu protagonismo no mercado de carbono”, diz secretária extraordinária. São Paulo: Estadão – Sustentabilidade, 9 nov. 2025. Disponível em: https://sustentabilidade.estadao.com.br. Acesso em: 10 nov. 2025.

OSBORNE CLARKE LLP. O que as empresas internacionais podem esperar da COP-30 em relação aos mercados de carbono? Reino Unido/Global: Lexology, 6 nov. 2025. Disponível em: https://www.lexology.com. Acesso em: 10 nov. 2025.

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Sobre o autor
Luiz Carlos Nacif Lagrotta

Procurador-Geral do Município de Taboão da Serra, Professor do Centro Universitário UniFECAF, Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, Especialista em Compliance pela Fundação Getúlio Vargas-FGV-SP.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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