Da namorada virtual ao líder político chatbot: uma evolução previsível

25/11/2025 às 08:15
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O avanço da tecnologia está ocorrendo numa velocidade muito maior do que a capacidade psicológica que os seres humanos têm de se adaptar às inovações. O caso das namoradas e namorados virtuais é exemplar. Aplicativos de acompanhantes já se tornaram comuns. E esse fenômeno está ganhando proporções epidêmicas.

A inexistência de regulação é um problema. Talvez o maior problema, porque a sociedade somente começa a reagir quando tragédias ocorrem. Algumas delas já ocorreram.

Entrevistado por Luis Nassif, o intelectual João Cezar de Castro Rocha disse estar preocupado com a possibilidade de Jair Bolsonaro ser transformado num mártir. Segundo ele isso poderia acarretar uma guinada política importante no país, com grande prejuízo institucional. Todavia, maior perigo talvez não seja a vitimização do seu Jair.

No dia 08 de janeiro de 2023 a violência terrorista dos apoiadores de Bolsonaro deixou um rastro de destruição em Brasília. Milhares de pessoas foram presas, muitas delas já foram condenadas. Mas o que causou mais espanto foi o estado psicológico lamentável de alguns dos presos.

Soterrados por fake news, campanhas de ódio, verdades alternativas, delírios autoritários, etc.. que eram distribuídas velozmente pelas redes sociais e aplicativos de mensagem, os vândalos que invadiram o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o STF perderam o contato com a realidade. Eles estavam convencidos que eram heróis nacionais e que a mudança de regime era inevitável.

No imaginário dos apoiadores do seu Jair que haviam sido radicalizados com ajuda do Facebook, YouTube, WhatsApp e Twitter-X, somente uma ditadura seria democrática e poderia salvar o país do comunismo gayzista e do governo imposto pelo TSE com base numa fraude eleitoral. O fracasso do golpe e a prisão deixou muitos deles complemente desorientados.

Para a pessoa que delira, um delírio inofensivo pode ser tão real quanto a realidade. O perigo da pessoa perder totalmente contato com o mundo existe, caso em que o indivíduo pode se tornar socialmente inútil e eventualmente perigoso para ele mesmo e para outras pessoas. Esse é o risco que se esconde por trás dos aplicativos de namorados e namoradas virtuais.

Mas quando diversas pessoas deliram juntas acerca do mesmo objeto, a realidade delirante pode se tornar em uma verdadeira tragédia. Uma psicose massiva pode dar origem a ondas de vandalismo (como ocorreu em Brasília em 08 de janeiro de 2023) e a regimes políticos ditatoriais que rapidamente se tornam violentos e letais, com a inversão total da moralidade. Isso quase ocorreu em nosso país em virtude da incapacidade do Estado de interromper o ciclo retroalimentado de delírio divulgado pelos líderes bolsonaristas e impulsionado com lucro pelo Facebook, YouTube, WhatsApp e Twitter-X.

Como vimos no início, acompanhantes IAs podem causar e já estão causando problemas psicológicos individuais (vício, diminuição da capacidade de interação com pessoas reais, conforto ilusório que mascara e aprofunda ansiedade e depressão e até suicídio estimulado virtualmente) que se tornam um fenômeno social digno de atenção. Mas eu imagino que não vai demorar muito para líderes políticos ambiciosos, narcisistas e sem empatia ou mal-intencionados encomendarem a criação de aplicativos com versões digitais de si mesmos para aumentar sua capacidade de convencer e arregimentar eleitores e/ou arrecadar dinheiro.

Os verdadeiros Donald Trump, Jair Bolsonaro, Javier Milei, Georgia Meloni, Alice Weidel e Marine Le Pen já produziram estragos políticos e institucionais imensos às democracias dos EUA, Brasil, Argentina, Itália, Alemanha e França. Imagine agora o mal que eles podem fazer se forem transformados em chatbots de conversação, em versões digitais de si mesmos capazes de dialogar pelo smartphone com seus eleitores usando voz artificial baseada em amostras de suas próprias vozes. Todas as tecnologias para isso já existem e estão sendo utilizadas pelos empresários que exploram o ramo dos acompanhantes virtuais.

No caso mencionado, o político dono do aplicativo ou chatbot poderia definir o que seria feito passo a passo e espalhar e consolidar sua agenda política utilizando recursos de IA com muito mais eficácia do que poderia ter usando pessoalmente as redes sociais. Isso é algo realmente temível, porque tentativas de golpe de estado como aqueles que ocorreram nos EUA e no Brasil ganhariam um apoio maior, muito mais firme, decidido e violento. No caso do nosso país é previsível até mesmo antever o reforço do poder de convencimento do chatbot do seu Jair pelo aplicativo “Jesus Evangélico” que seria criado sob medida para o pastor Malafaia.

Dito isso, devemos considerar a hipótese de que talvez o maior risco para a democracia brasileira nesse momento não é o cárcere transformar seu Jair em mártir (como presume João Cezar de Castro Rocha). Mas o mito se tornar ainda mais perigoso e politicamente ativo e explosivo mediante a criação de um chatbot político capaz de conversar com os bolsonaristas e evangélicos através dos smartphones deles.

As empresas de tecnologia não querem ser reguladas, mas a regulação rígida delas é uma necessidade inafastável. Caso tenha dúvida, faça à qualquer IA três perguntas: O cenário descrito aqui é possível e perigoso? A tecnologia para isso existe? A legislação eleitoral deve proibir a criação do “Jair Bolsonaro App” e do aplicativo bolsonarista “Jesus Evangélico”?

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Sobre o autor
Fábio de Oliveira Ribeiro

Advogado em Osasco (SP)

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