Capa da publicação Memes no Judiciário: inovação ou imprudência?
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A utilização de memes no Judiciário brasileiro e suas implicações

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O uso de memes no Judiciário atende à linguagem simples ou compromete a credibilidade institucional? Como equilibrar inovação comunicativa e segurança jurídica?

Recentemente, alguns casos em que memes foram utilizados no Poder Judiciário ganharam notoriedade. Dentre eles, a decisão publicada no dia 29 de agosto último, proferida pela 23ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, nos autos de uma apelação cível.

Levanta-se a discussão a respeito do uso de visual law em petições e despachos/decisões judiciais: seria imprudência? Seria uma forma de utilizar a linguagem simples, conforme a Portaria do CNJ nº 351/2023 estabelece como premissa fundamental das decisões?

No mundo jurídico, a linguagem tradicional é caracterizada pela sua formalidade e tecnicidade. Em sua essência, a linguagem jurídica é um gênero discursivo com vocabulário próprio e características que visam evitar ambiguidades, obscuridades e contradições, garantindo a aplicação da lei de modo claro e efetivo. Não falamos aqui, por razões de espaço, da crítica cabível ao que se denomina “juridiquês”.

Surgiu, contudo, um movimento sobre a implementação da linguagem simples no Judiciário, a fim de que o cidadão compreenda as decisões judiciais. Nesse contexto, a portaria do CNJ, já citada, revela um interesse real do Poder Judiciário em estabelecer diretrizes que regulam o uso da linguagem acessível e compreensível. Nesse cenário, despontaram memes em petições e decisões judiciais.

Para a linguística, o meme é um gênero discursivo oriundo das plataformas digitais e repleto de referências. Segundo Marcuschi (2002), as novas tecnologias comunicacionais e as influências promovidas por elas em nossas atividades cotidianas contribuem para o aparecimento de novos gêneros.

Muitas vezes, o meme é utilizado para introduzir temas atuais importantes de modo claro e conciso a uma camada significativa da população. Não se pode desconsiderar a importância dos memes como propulsores de discursos e de reflexões na democracia digital contemporânea, justamente por serem acessíveis e de linguagem simples.

Eis, portanto, o impasse atual: o meme pode ser visto como um dos elementos da linguagem simples preconizada pelo Judiciário, como a Portaria do CNJ propõe, em uma tentativa de comunicação institucional mais direta e informal? Ou seu uso é considerado uma ruptura com a seriedade e a credibilidade da advocacia e do Poder Judiciário?

Nestas breves linhas, argumenta-se que, embora relevante na comunicação digital, a utilização de memes no Judiciário não propicia a linguagem simples, podendo comprometer a credibilidade e a objetividade da atuação advocatícia e da prestação jurisdicional.

O meme, embora seja um gênero discursivo de importância na atualidade, quando confrontado com a formalidade jurídica, pode ocasionar sérios problemas, sobretudo de interpretação. Sua linguagem é essencialmente temporária e subjetiva, sendo capaz de perder seu significado rapidamente e, consequentemente, alterar a sua interpretação. Isso pode gerar uma petição ou uma decisão judicial ambígua, a depender do período em que o meme foi produzido e dos sentidos efêmeros atribuídos a ele.

Essa subjetividade temporária do meme é intrigante, uma vez que uma mesma imagem pode representar diferentes significados, até mesmo estes serem mal interpretados por diferentes gerações ou grupos sociais, gerando riscos em um processo judicial. Como controlar a interpretação de um meme dentro do âmbito jurídico? Seria mais uma problemática a cargo do Judiciário, que se soma às já consideráveis responsabilidades que possui.

Ademais, não se pode desconsiderar que a linguagem é uma condição para a construção da credibilidade da advocacia e do Judiciário. O mundo jurídico lida diariamente com questões que influenciam diretamente a vida dos cidadãos e da sociedade em geral, de modo que a formalidade também é uma representação da responsabilidade que ambos carregam.

Diante desse cenário, a informalidade dos memes se opõe radicalmente à solenidade e ao decoro advindos das práticas jurídicas. Em que medida a utilização de um meme em um contexto jurídico não se trata de banalização da prestação jurisdicional?

Para muito além da banalização da linguagem, há a problemática dos direitos autorais. Com a utilização de um meme, geralmente proveniente de uma obra original (como uma fotografia ou ilustração), corre-se o risco de infringir a Lei nº 9.610/98. Registre-se aqui que a utilização de uma dessas obras artísticas sem autorização e até sem menção de autoria pode ferir direitos patrimoniais e direitos morais de autor, assim gerando o dever de indenizar os titulares.

Era previsível que essa forma de comunicação (meme) e esse impasse surgissem, visto que a comunicação judicial não é e nem pode ser alheia à comunicação social. Com o processo eletrônico, o Judiciário trabalha cada vez mais com tecnologia. As ferramentas e recursos, incluindo a Inteligência Artificial, são usados e justificados pela busca de eficiência na prestação jurisdicional.

Reside, aí, um desafio: encontrar o equilíbrio entre a "modernização" da linguagem jurídica e a conservação do decoro institucional. Para tanto, é essencial, neste debate, diferenciar a linguagem simples do uso de memes. A linguagem simples propõe traduzir o "juridiquês" para um vocabulário acessível, sem, contudo, abdicar da precisão e da formalidade. O uso de memes, por sua vez, trata-se de um "atalho" na comunicação, uma simplificação pela via do humor, que pode comprometer a credibilidade e a objetividade, ambas essenciais para a aplicação da lei.

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Em suma, há que se ter prudência e cautela no uso de humor no mundo jurídico, a fim de preservar a seriedade inerente ao exercício jurisdicional, simplificando o que pode ser simplificado, mas sem incorrer na banalização do Direito.


Referências 

MARCUSCHI, Luiz Antônio. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, Angela Paiva; MACHADO, Anna Rachel; BEZERRA, Maria Auxiliadora (org.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-36. Disponível em: https://midiasstoragesec.blob.core.windows.net/001/2017/02/02-marcuschi-gneros-textuais.pdf. Acesso em: 3 out. 2025.

TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível Nº 5003290-31.2024.8.21.0132/RS. Relatora: Desembargadora Ana Paula Dalbosco, 2025. Acesso em: 9 out. 2025.

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Sobre os autores
Luiz Gonzaga Silva Adolfo

Advogado em direitos autorais há 35 anos, Doutor em Direito, Professor dos Cursos de Direito da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA), Assessor Superior na Procuradoria-Geral do Município de Sapucaia do Sul/RS

Nicole Heckenbick Barbosa

Advogada, acadêmica do Curso de Letras da Unisinos.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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