A ausência do órgão ministerial na audiência de instrução e a absolvição do acusado.
Em oposição ao sistema inquisitorial – este caracterizado pela concentração de funções dos atores processuais -, o sistema acusatório penal estabelece a distinção das funções do órgão ministerial (titular da ação penal e fiscalizador da lei), da defesa (contraposição aos argumentos acusatórios) e do juiz (condução imparcial e responsável do processo).
O sistema acusatório, além de outros, materializa-se na concretização dos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa e da presunção de inocência, direitos fundamentais preconizados na Constituição Federal de 1988:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes
(...)
LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória; (...). (Grifos e omissões nossos).
Na seara criminal, o Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) consagra o sistema acusatório vedando a iniciativa do magistrado na fase investigatória e a permuta da atuação probatória do órgão de acusação:
Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.
O prova da alegação, no sistema acusatório criminal, incumbirá a parte que a fizer a demonstração de suas alegações, consoante regra do artigo 156 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: (...). (Grifos e omissões nossos).
O Ministério Público, em conformidade com o princípio da presunção de inocência do réu (art. 5º, LVII, CF/1988) e do sistema acusatório penal (art. 3º-A, CPP), compete provar os fatos descritos na peça acusatória, ou seja, produzir provas judiciais da existência da infração penal, da autoria delitiva atribuída ao réu e da existência dos elementos subjetivos do crime (dolo ou culpa).
Ao contrário do que defendido por alguns, na seara penal inadmissível a inversão probatória.
Repelindo a inversão do ônus probatório em processos penais, o Supremo Tribunal Federal (STF), sem dizer de outros tribunais, tem entendimento no sentido de que a imputação narrada na denúncia deve ser provada pelo Ministério Público, sendo qualquer inteligência em contrário violação direta ao princípio da presunção de inocência e ao sistema acusatória criminal:
Ementa: SENTENÇA – ENVERGADURA. Ante o fato de o Juízo ter contato direto com as partes envolvidas no processo-crime, o pronunciamento decisório há de merecer atenção maior. PROCESSO-CRIME – PROVA. Cabe ao Ministério Público comprovar a imputação, contrariando o princípio da não culpabilidade a inversão a ponto de concluir-se pelo tráfico de entorpecentes em razão de o acusado não haver feito prova da versão segundo a qual a substância se destinava ao uso próprio e de grupo de amigos que se cotizaram para a aquisição. (STF. HC 107448, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 18/06/2013, Dje 03/10/2013). (Grifos nossos).
As afirmações anteriores são corroboradas pelo direito do réu de não produzir provas contra si.
A garantia constitucional fundamental do direito ao silêncio (art. 5º, LXIII, CF/1988) assegura ao réu a prerrogativa de não responder perguntas que lhe forem formuladas, não podendo seu silêncio ser interpretado como confissão ou prova de sua culpa:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...).
LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; (...). (Grifos e omissões nossos).
Reafirmando o direito fundamental ao silêncio do réu, o Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal) declara que o acusado será informado de seu direito de permanecer calado e não responder as perguntas que lhe forem formuladas, não podendo seu silêncio ser interpretado como confissão:
Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas.
Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa. (Grifos nossos).
A legislação brasileira, salvo interpretações distorcidas e que causam insegurança jurídica, é clara ao atribuir ao órgão ministerial o dever de demonstrar as alegações deduzidas na peça acusatória, não competindo ao réu produzir qualquer prova contra si.
A prova apta a ensejar a prolação de uma sentença criminal deve ser produzida judicialmente.
Na persecução penal, as provas coletadas em sede policial devem ser corroboradas em juízo, sobre o crivo do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988), com fins de fundamentar (art. 93, IX, CF/1988) uma decisão judicial (absolutória ou condenatória).
A lei é clara neste sentido.
O Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), categoricamente e sem margens de interpretações equivocadas e casuísticas, assinala que o juiz formará sua convicção pela prova coletada sob o crivo do contraditório judicial, sendo vedada a condenação fundada em elementos informativos policiais:
Art. 155. O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas. (...). (Grifos e omissões nossos).
Em harmonia com as considerações precedentes, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou inteligência de que a prova extrajudicial tão somente será apta a formar a convicção do magistrado se confirmada sob o crivo do contraditório e da ampla defesa:
PROCESSUAL PENAL. INDÍCIOS DE AUTORIA. PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO. INSUFICIÊNCIA, NO CASO CONCRETO, PARA ARRIMAR PRONÚNCIA. FALTA DE CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. 1 - No caso concreto, não havendo qualquer confirmação em juízo, sob o crivo do contraditório, dos elementos colhidos no inquérito, não há como admitir arrimar-se a pronúncia apenas e tão-somente naquela prova apurada na fase inquisitorial. Precedente da Sexta Turma. 2 - Equivoca-se o Tribunal de origem ao afirmar que, indiscutivelmente, a prova colhida no inquérito é isolada e, mesmo assim, concluir pela pronúncia do paciente. 3 - Impetração não conhecida, mas concedida a ordem, ex officio, para restabelecer a decisão de impronúncia. (STJ. HC 341.072⁄RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 19⁄4⁄2016, DJe 29⁄4⁄2016). (Grifos nossos).
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO TENTADO QUALIFICADO. PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTO INFORMATIVO COLHIDO NA FASE PRÉ-PROCESSUAL. NÃO CONFIRMAÇÃO EM JUÍZO. RECURSO ESPECIAL NÃO PROVIDO. 1. A decisão de pronúncia é um mero juízo de admissibilidade da acusação, não sendo exigido, neste momento processual, prova incontroversa da autoria do delito - bastam a existência de indícios suficientes de que o réu seja seu autor e a certeza quanto à materialidade do crime. 2. Muito embora a análise aprofundada dos elementos probatórios seja feita somente pelo Tribunal Popular, não se pode admitir, em um Estado Democrático de Direito, a pronúncia sem qualquer lastro probatório colhido sob o contraditório judicial, fundada exclusivamente em elementos informativos obtidos na fase inquisitorial, mormente quando essa prova está isolada nos autos, como na hipótese, em que há apenas os depoimentos da vítima e de sua mãe, colhidos no inquérito e não confirmados em juízo. 3. O Tribunal de origem, ao despronunciar o ora recorrido, asseverou que "não há prova judicializada suficiente para fins de pronúncia" (fl. 212), razão pela qual, consoante o enunciado na Súmula n. 7 do STJ, torna-se inviável, em recurso especial, a revisão deste entendimento, para reconhecer a existência de prova colhida sob o contraditório judicial apta a autorizar a submissão do recorrido a julgamento perante o Tribunal do Júri. 4. Recurso especial não provido. (STJ. REsp 1254296⁄RS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 17⁄12⁄2015, DJe 2⁄2⁄2016). (Grifos nossos).
Os elementos probatórios colhidos na fase policial possuem valor informativo, devendo ser confirmadas (ratificadas) em ato instrutório (audiência de instrução e julgamento) agendado pela autoridade judiciária.
A realização da audiência de instrução e julgamento, por expressa determinação contida no artigo 400 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), posta-se como ato essencial na produção de provas com a oitiva da vítima, das testemunhas arroladas pelas partes, dentre outros:
Art. 400. Na audiência de instrução e julgamento, a ser realizada no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, ressalvado o disposto no art. 222 deste Código, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado. (...). (Omissões nossas).
A realização do ato processual instrutório deve ser precedida da regular intimação das partes.
A autoridade judiciária competente, recebendo a peça acusatória (denúncia ou queixa), ordenará a intimação das partes para que compareceram à audiência de instrução em julgamento, consoante regra expressamente declarada no artigo 399 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 399. Recebida a denúncia ou queixa, o juiz designará dia e hora para a audiência, ordenando a intimação do acusado, de seu defensor, do Ministério Público e, se for o caso, do querelante e do assistente. (...). (Grifos e omissões nossos).
A cientificação válida das partes pressupõe que a realização da audiência instrutória penal.
Excepcionalmente, o ato processual instrutório poderá ser remarcado em casos de ausência justificada das partes, por ausência de intimação e por motivos supervenientes, devendo a impossibilidade ser comprovada até a abertura da audiência de instrução, conforme norma legal do artigo 265 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo sem justo motivo, previamente comunicado ao juiz, sob pena de responder por infração disciplinar perante o órgão correicional competente.
§1o A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer.
§2o Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato. (...). (Grifos e omissões nossos).
A norma processual criminal acima transcrita, como dela se colhe, não dispõe sobre o adiamento da audiência de instrução e julgamento quando a impossibilidade de comparecimento se der pelo representante do Ministério Público.
A omissão legislativa atrai a aplicabilidade das regras processuais civis.
Neste toar, ainda que dúvidas inexistam – salvo esforço hercúleo em sentido contrário -, as normas processuais civis são aplicáveis ao processo penal, por força do que disposto no artigo 3º do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 3o A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ), corroborando as argumentações anteriores e em diversas decisões, firmou entendimento no sentido de que as normas processuais civis são de aplicabilidade subsidiária no processo penal, por força do que disposto no artigo 3º do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. INTERCEPTAÇÃO DE DADOS. ASTREINTES. AUSÊNCIA DE PREJUDICIALIDADE POR DECISÃO SUPERVENIENTE DO STF. APLICABILIDADE SUBSIDIÁRIA DO CPC AO PROCESSO PENAL. MULTA DIÁRIA E PODER GERAL DE CAUTELA. (...). WHATSAPP. LEGITIMIDADE DO FACEBOOK. (...). RECURSO ORDINÁRIO DESPROVIDO. (...) 3. Conforme amplamente admitido pela doutrina e pela jurisprudência, aplica-se o Código de Processo Civil ao Estatuto processual repressor, quando este for omisso sobre determinada matéria. (...). (STJ. RMS 62.452/PR, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 24/06/2020, DJe 20/08/2020). (Grifos e omissões nossos).
A omissão legislativa penal, quanto ao adiamento da audiência de instrução e julgamento por ausência de outros atores processuais (magistrado, vítima, representante do Ministério Público, acusado e outros), deve ser suprida pelas normas gizadas na lei adjetiva civil.
A Lei Federal n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), sobre o tema, assinala que a audiência poderá ser adiada se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa (magistrado, vítima, testemunhas, representante do Parquet, querelante, assistente e outros) que dela deva necessariamente participar:
Art. 362. A audiência poderá ser adiada:
(...)
II - se não puder comparecer, por motivo justificado, qualquer pessoa que dela deva necessariamente participar;
(...)
§1º O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução. (...). (Grifos e omissões nossos).
Diante das ponderações anteriores, tem-se que recebida a denúncia (art. 399, CPP), agendado o ato processual (art. 399, CPP), intimadas as partes (art. 399, CPP) e inexistindo qualquer fato impeditivo para a realização do ato (art. 2365, CPP c/c art. 362, CP) a audiência de instrução deverá ser realizada (art. 400, CPP).
Esse o procedimento legal.
Contudo, não comparecendo as partes processuais - devidamente intimadas e não apresentadas justificativas plausíveis do impedimento -, o magistrado, dentre outras alternativas (remarcação da audiência, intimação do réu para constituir outro representante, nomeação de defensor dativo, etc.), poderá proceder com a instrução processual criminal.
Lei Federal n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), neste sentido, declara que, diante da ausência injustificada e intempestiva da defesa (defensor público ou advogado) e do Ministério Público, o juiz procederá com a instrução processual, podendo dispensar a produção de provas eventualmente requeridas pelos faltosos:
Art. 362. A audiência poderá ser adiada:
(...)
§1º O impedimento deverá ser comprovado até a abertura da audiência, e, não o sendo, o juiz procederá à instrução.
§2º O juiz poderá dispensar a produção das provas requeridas pela parte cujo advogado ou defensor público não tenha comparecido à audiência, aplicando-se a mesma regra ao Ministério Público. (...). (Grifos e omissões nossos).
Das premissas fixadas anteriormente, indaga-se: a) a ausência do representante do Ministério Público, apesar de devidamente intimado e sem a apresentação de qualquer justificativa para o não comparecimento no ato instrutório, gera nulidade processual; b) diante da ausência do órgão acusador, titular da ação penal e com ônus probatório de demonstrar os fatos narrados na denúncia sob o crivo do contraditório e da ampla defesa, pode o réu ser condenado quando as provas inquisitoriais não forem confirmadas em juízo.
A responder as indagações, eis, com fulcro na lei e na jurisprudência, o seguinte.
Como visto e demonstrado previamente, a audiência de instrução e julgamento poderá ser realiza pela autoridade judiciária quando, dentre outros que dela deveriam participar (acusado, defesa, defensor, etc.) e independente de qualquer outra media a ser adotada, o representante do Ministério Público não comparecer ao ato, quando devida e legalmente intimado e não apresentar justificativa para o seu não comparecimento.
Validando as afirmativas, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) possui sapiência no sentido de que inexistente qualquer vício processual quando ausente o Ministério Público na audiência instrutória, desde que devidamente notificado do ato, sendo vedado tão somente que haja protagonismo judicial na colheita das provas:
(...). TESE DE NULIDADE POR OFENSA AO ART. 212 DO CPP. INQUIRIÇÃO DAS TESTEMUNHAS PELO JUIZ, DIANTE DA AUSÊNCIA DO MEMBRO DO PARQUET EM AUDIÊNCIA. PREJUÍZO DEMONSTRADO. DETERMINADO O RETORNO DOS AUTOS PARA PROSSEGUIMENTO DO FEITO. PREJUDICADA A ANÁLISE DOS DEMAIS PLEITOS DEFENSIVOS. (...) 7. O fato de o Ministério Público não ter comparecido à audiência de instrução não dá, à autoridade judicial, a liberdade de assumir a função precípua do Parquet. 8. Em face da repreensível ausência do Parquet, que, sem qualquer justificativa, acarretou a contaminação do bom andamento do processo, o órgão julgador deveria prosseguir a audiência sem as perguntas acusatórias ou, então, suspender a audiência e marcar uma nova data.
9. O Magistrado, no caso concreto, [...], agiu em substituição à produção probatória que compete às partes, inquirindo diretamente os depoentes, violando o devido processo legal e o sistema acusatório. (...). 12. (...) (STJ. REsp n. 1.846.407/RS, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, 6T, jul. 13/12/2022, DJe de 27/12/2022). (Grifos e omissões nossos).(...) AUSÊNCIA DO MINISTÉRIO PÚLICO NA AUDIÊNCIA DE CONTINUAÇÃO DA INSTRUÇÃO. ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NESTE STJ. (...).. AGRAVO DESPROVIDO. I – (...) IV – Não obstante a preclusão da matéria e a indevida supressão de instância, sobre a alegação de nulidade absoluta pela ausência do Promotor de Justiça na audiência de continuação da instrução, este Tribunal Superior consolidou que, “Segundo o entendimento majoritário desta Corte, não há qualquer vício a ser sanado nas hipóteses em que, apesar de intimado, o Ministério Público deixa de comparecer à audiência e o Magistrado, condutor do processo, formula perguntas às testemunhas sobre os fatos constantes da denúncia, mormente nas hipóteses em que a defesa não se insurge no momento oportuno e que não há demonstração de efetivo prejuízo (art. 563 do CPP)’ (REsp 1.348.978/SC, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Rel. p/ Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, DJe 17/2/2016)” (HC n. 661.506/MA, Quinta Turma, Rel. Min. Ribeiro Dantas, DJe de 28/6/2021). V (...) Agravo regimental desprovido. (STJ. AgRg no RHC 154.120/MG, Rel. Ministro JESUÍNO RISSATO (Des. Convocado do TJDFT. 5T, julg. 16/11/2021, DJe 19/11/2021). (Grifos e omissões nossos).
Inexiste, portanto, qualquer nulidade processual em razão da ausência do representante do Ministério Público na audiência de instrução e julgamento, quando legalmente intimado para participar do ato e não apresenta justificativa tempestiva para a não participação na solenidade.
Essa ausência injustificada do órgão acusador, em regra, atrai a absolvição do réu.
Como decidido pelo Tribunal de Cidadania – isto visto acima -, a ausência de participação do órgão ministerial ao ato instrutório não gera nulidade processual quando devidamente notificado, sendo vedado o protagonismo judicial na audiência de instrução.
A inércia judicial é a essência da jurisdição.
As perguntas no ato instrutório penal, salvo pontos não esclarecidos, deverão ser formuladas pelas partes (acusação e defesa), consoante regra do artigo 212 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.
Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição. (Grifos nossos).
Ao juiz, independentemente da participação ou não do Ministério Público na audiência judicial para coleta de provas, é tão somente permitido complementar a inquirição das partes, sendo vedado o protagonismo na produção da prova.
O Tribunal de Cidadania, neste toar, firmou tese no sentido de que:
“são nulos a inquirição de testemunhas e o interrogatório protagonizados por magistrado que adota postura inquisitorial, em lugar da atuação residual e complementar necessária para preservar a imparcialidade e o contraditório”. (STJ. REsp 2.214.638-SC, 6ª Turma, j. 4/11/2025). (Grifos nossos).
Pois bem!
Se ausente na audiência criminal o representante do órgão ministerial e sendo vedada a iniciativa do juiz na produção das provas, tem-se que o réu, em razão dessas circunstâncias, deverá ser absolvido as imputações criminosas a ele atribuídas.
O órgão ministerial, como explicitado em linhas pretéritas, tem o dever de demonstrar as alegações deduzidas na peça acusatória e, não participando do ato processual, esta possibilidade restará elidida.
As provas inquisitórias – salvo equívoco defensivo na oitiva de testemunhas e na formulação de perguntas que poderão ensejar a intervenção supletiva do magistrado - não serão confirmadas judicialmente, restando elidida a convicção do juiz na prolação de um edito condenatório.
Indícios investigativos da prática do crime, dissociados de outras provas coletadas em observância aos postulados do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV, CF/1988), não podem ser utilizados para impor responsabilidade ao réu.
A convicção do juiz não pode ser fundamentada em elementos informativos investigatórios.
Inexistindo elementos seguros – provas robustas de autoria e materialidade delitiva – impositiva a absolvição do réu, ainda que por aplicação do princípio do in dubio pro reo, consagrado no inciso VII do artigo 386 do Decreto-lei 3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal):
Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
(...)
VII – não existir prova suficiente para a condenação. (...). (Grifos e omissões nossos).
Confirmado as afirmativas precedentes:
EMENTA: DENÚNCIA. CRIMES DE PECULATO, CORRUPÇÃO PASSIVA E FALSIDADE IDEOLÓGICA. ALEGAÇÕES PRELIMINARES DE CERCEAMENTO DE DEFESA: VÍCIOS NÃO CARACTERIZADOS. PRECEDENTES. PRELIMINARES REJEITADAS. PRECEDENTES. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. ABSOLVIÇÃO. AÇÃO PENAL JULGADA IMPROCEDENTE. 1. (...). 5. Os depoimentos e laudos acostados aos autos não apresentam elementos de convicção suficientes para a formação de juízo de certeza sobre a responsabilização criminal do Réu pelos crimes de peculato, corrupção passiva e falsidade ideológica. Falta nos autos prova irrefutável a demonstrar a materialidade e autoria dos crimes a ele imputados. 6. A delação de corréu e o depoimento de informante não podem servir como elemento decisivo para a condenação, notadamente porque não lhes são exigidos o compromisso legal de falar a verdade. 7. Ação penal julgada improcedente. (STF. AP 465, Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/04/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-213 DIVULG 29-10-2014 PUBLIC 30-10-2014). (Grifos e omissões nossos).
EMENTA: (...) ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO COLHIDOS NA FASE DE INQUÉRITO. CONDENAÇÃO. VEDAÇÃO. OFENSA À GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. PROVA JUDICIAL INSUFICIENTE. ARTIGO 155 DO CPP. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. INADMISSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DO ART. 156 DO CPP. RECURSO NÃO PROVIDO. – (...). - A prolação de uma sentença condenatória com fundamento apenas nos elementos de informação colhidos na fase de inquérito acarreta ofensa à garantia do devido processo legal. - Conforme o art. 155 do CPP, "O juiz formará sua convicção pela livre apreciação da prova produzida em contraditório judicial, não podendo fundamentar sua decisão exclusivamente nos elementos informativos colhidos na investigação, ressalvadas as provas cautelares, não repetíveis e antecipadas". - Não se colhendo da prova judicializada a certeza necessária quanto aos fatos narrados na denúncia relativamente, outra solução não há senão a manutenção da absolvição com base no princípio do in dubio pro reo. - Segundo o comando contido no art. 156 do CPP, a prova da alegação incumbirá a quem a fizer. Logo, no processo penal o encargo do comprovar os fatos narrados na denúncia cabe à acusação, e não ao réu. - Primeiro recurso não provido. (TJMG - Apelação Criminal 1.0694.10.003030-3/001, Relator(a): Des.(a) Nelson Missias de Morais, 2ªCCrin., julg. 17/9/2015, pub. 28/9/2015). (Grifos e omissões nossos).
Em conclusão, a ausência do representante do Ministério Público, apesar de devidamente intimado e sem a apresentação de qualquer justificativa para o não comparecimento, não gera nulidade processual, bem como que que, diante da ausência do órgão acusador (titular da ação penal e com ônus probatório de demonstrar os fatos narrados na denúncia sob o crivo do contraditório e da ampla defesa), deve o réu ser absolvido da imputações criminosas quando as provas inquisitoriais não forem confirmadas em juízo.