Elthon José Gusmão da Costa1
Resumo: O artigo analisa a exploração econômica do direito de imagem de atletas e treinadores de futebol por meio de pessoas jurídicas, sob a ótica do contencioso tributário brasileiro. Parte-se do reconhecimento da constitucionalidade do art. 129 da Lei nº 11.196/2005 (Lei do Bem) e do debate sobre os limites do planejamento tributário lícito na estruturação contratual da imagem. Examina-se, em seguida, a orientação predominantemente restritiva do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), que tem condicionado a validade dessas estruturas à comprovação de substância econômica efetiva e propósito negocial, inclusive com a consolidação de critérios mais rigorosos pela Câmara Superior. O estudo também aborda divergências interpretativas quanto à incidência do art. 129 em atividades vinculadas ao esporte profissional, contrapondo o argumento de limitação a serviços “intelectuais” à compreensão da imagem como ativo autônomo de valor cultural e mercadológico. Na sequência, analisa-se o caso Neymar Júnior, destacando-se a postura do Poder Judiciário no sentido de exigir prova concreta de fraude, simulação ou abuso de forma, bem como o enfoque no ônus probatório e na possibilidade de compensação de tributos pagos no exterior, a fim de evitar bitributação. Por fim, discute-se a evolução legislativa e a posição da Fazenda Nacional, indicando que a Lei Geral do Esporte sistematiza a matéria, mas não elimina o conflito interpretativo nas esferas administrativa e judicial. Conclui-se que a segurança jurídica depende menos da forma contratual e mais da demonstração objetiva de operacionalidade real e autonomia empresarial, permanecendo o tema como um dos pontos mais sensíveis do contencioso tributário desportivo.
Palavras-chave: direito de imagem; futebol; CARF; pessoa jurídica; Lei do Bem; Lei Pelé; Lei Geral do Esporte; Neymar.
SUMÁRIO
Introdução
A jurisprudência restritiva do CARF e o critério da substância econômica
Divergências interpretativas: atividade esportiva versus atividade intelectual
O contraponto do Poder Judiciário: o caso Neymar Júnior
4.1. A origem da autuação e o provimento parcial no CARF
4.2. Instrução judicial e colaboração internacional
4.3. A validação da exploração da imagem via pessoa jurídica pelo juiz federal
4.4. Fase recursal e fatos supervenientesEvolução legislativa e a posição da Fazenda Nacional
Conclusão
Referências
Introdução
A tributação dos rendimentos decorrentes da exploração do direito de imagem de atletas e treinadores de futebol consolidou-se, nas últimas décadas, como um dos temas mais sensíveis e controvertidos do Direito Tributário brasileiro, especialmente em razão de sua interface direta com o Direito Desportivo, o Direito Civil e o Direito do Trabalho. Trata-se de matéria que transcende a mera técnica fiscal, envolvendo a definição da natureza jurídica do direito de imagem, o alcance da autonomia privada na organização da atividade econômica e os limites entre o planejamento tributário lícito e as práticas caracterizadoras de evasão fiscal.
O centro do debate reside na possibilidade de atletas e treinadores estruturarem a exploração econômica de sua imagem por intermédio de pessoas jurídicas, prática frequentemente rotulada de forma simplificadora como “pejotização”. A adoção desse modelo contratual visa, em regra, submeter os rendimentos oriundos da cessão de imagem a uma carga tributária inferior àquela incidente sobre a pessoa física, especialmente no âmbito do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), o que despertou histórica resistência por parte da Administração Tributária.
Embora o Supremo Tribunal Federal tenha reconhecido a constitucionalidade do artigo 129 da Lei nº 11.196/2005 (Lei do Bem), norma que autoriza a prestação de serviços intelectuais, inclusive os relacionados à imagem, por meio de pessoas jurídicas, a aplicação concreta desse dispositivo permanece profundamente controvertida. No plano administrativo, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem adotado interpretação marcadamente restritiva, pautada na exigência de demonstração de substância econômica e propósito negocial efetivo das estruturas empresariais constituídas.
Em contrapartida, decisões relevantes do Poder Judiciário, notadamente no emblemático caso envolvendo o atleta Neymar Júnior, revelam uma abordagem distinta, mais alinhada à lógica do ônus probatório, à análise concreta dos fatos e à rejeição de presunções automáticas de fraude fundadas exclusivamente na economia tributária obtida pelo contribuinte. Esse aparente desalinhamento institucional evidencia a persistência de um cenário de insegurança jurídica, no qual o mesmo arranjo negocial pode ser considerado lícito ou abusivo a depender do órgão julgador.
Diante desse contexto, o presente artigo tem por objetivo analisar criticamente a exploração do direito de imagem no futebol profissional brasileiro, à luz da jurisprudência administrativa do CARF, do posicionamento do Poder Judiciário — com especial atenção ao caso Neymar Júnior — e da evolução legislativa recente, buscando identificar os critérios atualmente utilizados para a validação ou desconsideração das estruturas empresariais adotadas pelos atletas.
A jurisprudência restritiva do CARF e o critério da substância econômica
Levantamentos recentes da jurisprudência administrativa revelam que a maioria das decisões proferidas pelo CARF tem sido desfavorável aos contribuintes que estruturam a exploração de seus direitos de imagem por meio de pessoas jurídicas. O entendimento predominante é o de que o artigo 1292 da Lei do Bem (BRASIL, 2005) não confere uma autorização ampla, automática ou irrestrita para a utilização de PJs como instrumento de planejamento tributário (ROSA, 2025).
Segundo essa orientação, a validade da estrutura depende da demonstração inequívoca de substância econômica efetiva, isto é, da existência real e autônoma da pessoa jurídica, dotada de organização empresarial mínima, contabilidade regular, contratos próprios, capacidade operacional e efetivo exercício de atividade econômica. A pessoa jurídica não pode atuar como mera “intermediária formal” ou como simples veículo de redirecionamento de rendimentos que, na prática, continuariam pertencendo à pessoa física.
Essa postura rigorosa fica evidente no caso do ex-jogador Diguinho, no qual o CARF manteve integralmente a autuação fiscal ao concluir que a empresa constituída tinha como única finalidade a ocultação de rendimentos da pessoa física, caracterizando hipótese de simulação absoluta. A ausência de propósito negocial e de autonomia material da pessoa jurídica foi determinante para a desconsideração da estrutura.
Germano Siqueira aponta que, havendo desvio de finalidade pela utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores - inclusive o Fisco -, caracterizar-se-á a simulação dos negócios jurídicos por falsas declarações (artigo 167, II, do CC3), lembrando o jurista também que o § único do artigo 116, do Código Tributário Nacional4 estabelece que a autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária (SIQUEIRA, 2024).
Importa destacar, ademais, que decisões favoráveis a contribuintes como o ex-jogador Darío Conca5não representaram uma inflexão material no entendimento administrativo dominante. Tais resultados teriam decorrido de falhas formais na constituição do lançamento tributário ou na fundamentação das autuações fiscais, e não do reconhecimento explícito da legitimidade substancial das estruturas empresariais adotadas para a exploração do direito de imagem (ROSA, 2025).
Esse movimento restritivo vem sendo aprofundado e institucionalmente consolidado no âmbito da Câmara Superior do CARF, órgão responsável pela uniformização da jurisprudência administrativa. Em julgamentos recentes, a Câmara Superior passou a reformar decisões anteriormente favoráveis aos atletas, firmando entendimento mais rigoroso quanto à exploração do direito de imagem por meio de pessoas jurídicas.
Um marco desse novo posicionamento foi o julgamento unânime envolvendo o jogador Cristiano Ávalos, no qual se manteve a exigência de IRPF sobre valores recebidos por intermédio de pessoa jurídica. Nesse contexto, a Câmara Superior passou a empregar, de forma mais sistemática, a tese do artificialismo e da simulação, ainda que reconheça, em abstrato, a possibilidade jurídica da exploração da imagem por meio de PJs (ROMANO, 2025).
A partir desse novo padrão decisório, alguns critérios objetivos passaram a ser reiteradamente utilizados para a desconsideração da pessoa jurídica, tais como: a inexistência de movimentação financeira e contábil efetiva; o faturamento exclusivo para o clube empregador do atleta; a ausência de contrato formal de cessão de direitos entre o jogador e sua própria empresa; e a inexistência de estrutura operacional mínima compatível com a atividade alegadamente exercida.
Outro elemento considerado particularmente grave nos julgamentos recentes refere-se ao pagamento direto de valores à pessoa física do atleta, como direitos de arena ou verbas rotuladas como de imagem, depositados diretamente em sua conta bancária, à margem da pessoa jurídica constituída. Tal prática tem sido compreendida pelo CARF como fator suficiente para descaracterizar a estrutura empresarial e evidenciar a artificialidade da interposição da PJ.
Por fim, parte dos votos vencedores na Câmara Superior sustenta que, não obstante a evolução legislativa — inclusive a introdução do artigo 87-A da Lei Pelé6 —, o direito de imagem preservaria natureza essencialmente personalíssima, circunstância que atrairia, como regra, a tributação prioritária na pessoa física do titular, especialmente quando ausentes elementos concretos de autonomia econômica da pessoa jurídica.
Essa evolução jurisprudencial reforça a conclusão de que a segurança jurídica na matéria não decorre exclusivamente da invocação do artigo 129 da Lei do Bem, mas da comprovação efetiva de que a pessoa jurídica possui substância econômica real, operando como entidade autônoma e não como mero receptáculo formal de receitas destinado à redução artificial da carga tributária.
Divergências interpretativas: atividade esportiva versus atividade intelectual
Outro eixo central do debate travado no CARF diz respeito à própria abrangência normativa do artigo 129 da Lei do Bem. Parte das turmas administrativas sustenta que o dispositivo se limita à prestação de serviços de natureza intelectual, científica, artística ou cultural, excluindo atividades predominantemente físicas, como aquelas desempenhadas por atletas e treinadores no exercício do esporte profissional (ROSA, 2025).
Essa interpretação, contudo, tem sido objeto de críticas consistentes na doutrina especializada. Sustenta-se que o objeto jurídico e econômico do contrato de cessão ou licenciamento de imagem não se confunde com a atividade esportiva propriamente dita.
Para Domingos Zainaghi, uma coisa é receber salários para jogar futebol, outra é receber pela cessão do uso da imagem (ZAINAGHI, 2020, p. 74).
Destarte, o direito de imagem do atleta profissional moderno constitui um ativo autônomo, dotado de valor cultural, simbólico, mercadológico e publicitário, cuja exploração transcende o desempenho em campo.
O Ministro do TST, Sérgio Pinto Martins, adverte que o atleta tem de participar de jogo, divulgar a imagem do clube. Se isso não ocorre, não é direito de imagem o pagamento feito pelo clube (MARTINS, 2026, p. 86).
Importante a observação de Wilson Rinaldi, que aponta que o futebol pode ser visto como integrante importante da cultura brasileira (RINALDI, 2000, p. 167). Portanto, o jogador de futebol prestaria serviços também de natureza cultural, colocando na abrangência prevista no supracitado artigo 129.
Nesse sentido, a discussão não deve se concentrar no caráter físico ou intelectual da atividade esportiva, mas sim na natureza do objeto contratual: a imagem enquanto bem juridicamente tutelado e economicamente explorável, com circulação própria no mercado publicitário e de entretenimento.
O contraponto do Poder Judiciário: O caso Neymar Júnior
Em contraste com a postura restritiva adotada pelo CARF, o Poder Judiciário tem proferido decisões que, em determinadas circunstâncias, reconhecem a legitimidade da exploração do direito de imagem por meio de pessoa jurídica. O caso mais emblemático é o que envolve o atleta Neymar Júnior, no qual a Justiça Federal validou a atuação da empresa NR Sport, afastando a exigência de IRPF sobre os valores recebidos a título de exploração da imagem do atleta.
A origem da autuação e o provimento parcial no CARF
O processo teve origem em um auto de infração lavrado pela Receita Federal focado no período de 2011 a 2013. O fisco argumentava que a estrutura empresarial do "Grupo Neymar" (composta pelas empresas NR Sport, N&N Consultoria e N&N Administração) era um arranjo simulado para "fatiar" rendimentos que deveriam ser tributados como IRPF (27,5%) em vez de IRPJ (lucro presumido).
Nesta fase, as autoridades alegaram que os contratos foram antedatados para conferir legitimidade a empresas que sequer possuíam CNPJ ou funcionários na data das assinaturas. O CARF, no entanto, proferiu uma decisão de provimento parcial, reduzindo o crédito tributário original em aproximadamente 75% ao excluir da autuação os valores recebidos de patrocinadores terceiros. Contudo, o Conselho manteve a cobrança sobre os valores pagos pelo Santos FC e pelo Barcelona, entendendo que esses possuíam natureza salarial.
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Instrução judicial e colaboração internacional
Inconformados com a manutenção de parte da dívida, o atleta e seus pais ajuizaram uma ação anulatória na 3ª Vara Federal de Santos.7 Durante a instrução processual, um ponto determinante foi a diligência junto ao Fisco Espanhol.
Através de mecanismos de intercâmbio de informações, restou comprovado que o Barcelona já havia recolhido imposto de renda na Espanha sobre o mesmo fato gerador (a multa contratual de €40 milhões).
A validação da exploração da imagem via Pessoa Jurídica pelo juiz federal
A fase decisiva em primeira instância ocorreu com a sentença do juiz federal Décio Gabriel Gimenez, que julgou a ação parcialmente procedente. Na decisão, o magistrado responsável destacou que a Receita Federal não conseguiu comprovar a existência de fraude, simulação ou abuso de forma. Ressaltou-se, ainda, que a Lei Pelé autoriza expressamente a exploração econômica do direito de imagem, inclusive por intermédio de pessoas jurídicas (através do já citado art. 87-A, da Lei Pelé), e que a simples diferença entre os valores pagos como remuneração trabalhista (BRASIL, 1943 - CLT) e aqueles pagos a título de imagem não é suficiente, por si só, para caracterizar ilícito tributário.
O caso Neymar evidencia uma abordagem judicial mais alinhada à lógica do ônus probatório e à valorização da substância dos fatos, afastando presunções automáticas de fraude baseadas exclusivamente na economia tributária obtida pelo contribuinte.
Um ponto crucial do processo judicial foi o reconhecimento do direito à compensação de tributos pagos no exterior. Documentos da Agência Tributária espanhola e laudos da KPMG confirmaram que o Barcelona reteve imposto de renda na Espanha sobre a mesma multa de € 40 milhões tributada no Brasil. O Judiciário entendeu que, uma vez que o fisco brasileiro reclassificou a verba como rendimento da pessoa física, surgiu o direito subjetivo de aplicar o Tratado Brasil-Espanha (BRASIL, 1975) para evitar a bitributação8, permitindo a dedução do imposto pago no exterior do montante devido no país.
Fase recursal e fatos supervenientes
Atualmente, o processo encontra-se em fase de recurso para o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). Um fato externo relevante incorporado à defesa foi a absolvição criminal de Neymar na Espanha em 2022. A justiça espanhola concluiu que não houve simulação contratual na transferência para o Barcelona, o que reforça a tese de legitimidade das empresas (N&N) também no processo tributário brasileiro.
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Evolução legislativa e a posição da Fazenda Nacional
A Fazenda Nacional sustenta que a validade das estruturas adotadas deve ser analisada à luz da legislação vigente à época dos fatos geradores. Argumenta-se que apenas a partir das alterações promovidas no Código Civil em 2011 e, mais recentemente, com a Lei Geral do Esporte (Lei nº 14.597/2023), o regime jurídico da exploração do direito de imagem passou a apresentar contornos normativos mais claros e sistematizados (ROSA, 2025).
Ainda assim, a posição fazendária é a de que tais avanços legislativos não impedem a atuação fiscal repressiva quando identificados indícios de ausência de propósito negocial, artificialidade das estruturas ou utilização abusiva de pessoas jurídicas sem efetiva autonomia econômica (ROSA).
Luana Bessa e Rogério Lima explicam que a promulgação da Lei nº 14.597/2023 não trouxe inovações substanciais quanto à fiscalização da cessão do direito de imagem a pessoas jurídicas:
houve, de fato, uma positivação mais assertiva do ato, mas o dispositivo legal não solucionou o conflito interpretativo que persiste nas esferas administrativa e judicial. Em termos práticos, o art. 164 da Lei Geral do Esporte apenas consolidou uma realidade já admitida desde a vigência da Lei Pelé, amparada nos princípios da livre concorrência e da livre iniciativa, permanecendo às discussões referentes à natureza tributária desse instituto e os limites existentes entre o exercício legítimo de planejamento fiscal e das práticas que configuram evasão. (BESSA; LIMA, 2025, p. 11)
Dessa forma, a evolução legislativa recente, embora relevante sob o aspecto sistematizador, não foi suficiente para eliminar as controvérsias interpretativas que permeiam a exploração do direito de imagem por meio de pessoas jurídicas no esporte profissional. A Lei Geral do Esporte não promoveu uma ruptura normativa, mas antes consolidou práticas já reconhecidas no ordenamento jurídico, especialmente desde a Lei Pelé, sem estabelecer critérios objetivos e exaustivos capazes de delimitar, com segurança, a fronteira entre o planejamento tributário lícito e as hipóteses de evasão fiscal.
Nesse cenário, mantém-se a margem de discricionariedade da atuação fiscal, que continua a fundamentar suas autuações na análise do propósito negocial e da substância econômica das estruturas empresariais adotadas. A posição da Fazenda Nacional evidencia que, mesmo diante de avanços legislativos, o foco da fiscalização permanece concentrado na identificação de artificialidades e simulações, o que transfere para o contribuinte o ônus de demonstrar a efetiva autonomia operacional da pessoa jurídica.
Dessarte, a segurança jurídica na matéria não decorre exclusivamente da positivação normativa, mas da capacidade do ordenamento de estabelecer parâmetros interpretativos mais claros e previsíveis, aptos a harmonizar os princípios da livre iniciativa e da livre concorrência com a necessidade de repressão a práticas abusivas. Até que tal harmonização se consolide, o conflito entre Fazenda, CARF e Poder Judiciário tende a persistir, mantendo o direito de imagem como um dos campos mais sensíveis do contencioso tributário desportivo.
Conclusão
O exame da jurisprudência administrativa, judicial e do arcabouço normativo aplicável demonstra que a antiga tese segundo a qual o direito de imagem, por possuir natureza personalíssima, jamais poderia ser explorado por intermédio de pessoa jurídica encontra-se progressivamente superada no ordenamento jurídico brasileiro. Tanto a legislação desportiva quanto a própria jurisprudência judicial reconhecem a viabilidade jurídica da cessão e da exploração econômica da imagem por meio de estruturas empresariais.
Todavia, a superação dessa tese não resultou na consolidação de um ambiente de plena segurança jurídica. Ao contrário, o conflito deslocou-se do plano abstrato da licitude normativa para o plano concreto da análise da substância econômica, do propósito negocial e da efetiva autonomia operacional das pessoas jurídicas constituídas. Nesse cenário, o CARF tem assumido postura cada vez mais rigorosa, especialmente após a consolidação de entendimentos pela Câmara Superior, adotando critérios que privilegiam a identificação de artificialidades e simulações em detrimento de uma presunção de legitimidade do planejamento tributário.
O caso Neymar Júnior, por sua vez, evidencia que o Poder Judiciário tende a adotar uma abordagem distinta, centrada na exigência de prova concreta da fraude ou do abuso de forma, afastando presunções automáticas baseadas exclusivamente na diferença de carga tributária entre pessoa física e pessoa jurídica. A decisão judicial reforça a importância do ônus probatório e da análise individualizada das estruturas empresariais, além de reconhecer a relevância dos tratados internacionais para evitar a bitributação.
Ainda, a evolução legislativa recente manteve em aberto questões centrais relacionadas à tributação do direito de imagem, preservando amplo espaço de discricionariedade para a atuação fiscal.
Conclui-se, portanto, que a validade das estruturas empresariais destinadas à exploração do direito de imagem no futebol profissional não decorre exclusivamente da previsão legal ou da forma contratual adotada, mas da demonstração concreta de operacionalidade real, autonomia empresarial e propósito econômico legítimo. Enquanto não houver maior harmonização interpretativa entre Fazenda Nacional, CARF e Poder Judiciário, o direito de imagem continuará figurando como um dos campos mais sensíveis e litigiosos do contencioso tributário desportivo brasileiro.
Referências
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ZAINAGHI, Domingos. Os Atletas profissionais de futebol no direito do trabalho, 4ªed, São Paulo, LTr, 2020.
Master in International Sports Law (Instituto Superior de Derecho y Economía - ISDE). Advogado. Membro da Ordem do Mérito Judiciário do Trabalho do Tribunal Superior do Trabalho no Grau Oficial. Lattes: http://lattes.cnpq.br/6993275053416440. ORCID: https://orcid.org/0009-0000-9916-685X. [email protected].︎
Art. 129. Para fins fiscais e previdenciários, a prestação de serviços intelectuais, inclusive os de natureza científica, artística ou cultural, em caráter personalíssimo ou não, com ou sem a designação de quaisquer obrigações a sócios ou empregados da sociedade prestadora de serviços, quando por esta realizada, se sujeita tão-somente à legislação aplicável às pessoas jurídicas, sem prejuízo da observância do disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil.︎
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Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
(...)
II - contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;︎
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BRASIL. Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966. Institui o Código Tributário Nacional. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 31 out. 1966. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l5172compilado.htm. Acesso em: 24 dez. 2025.︎
BRASIL. Ministério da Fazenda. Conselho Administrativo de Recursos Fiscais. Acórdão nº 2201-003.748, da 2ª Câmara da 1ª Turma Ordinária da Segunda Seção de Julgamento. Processo nº 18470.728514/2014-66. Recorrente: Darío Leonardo Conca. Recorrida: Fazenda Nacional. Sessão de julgamento em 5 jul. 2017. Acesso em: 24 dez. 2025.︎
Art. 87-A. O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo.︎
BRASIL. Justiça Federal. 3ª Vara Federal de Santos. Procedimento Comum Cível nº 5007950-10.2019.4.03.6104. Autor: Neymar da Silva Santos Júnior et al. Réu: União Federal (Fazenda Nacional). Juiz Federal Décio Gabriel Gimenez. Acesso em: 24 dez. 2025.︎
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Artigo 23
Métodos para eliminar a dupla tributação
1. Quando um residente de um Estado Contratante receber rendimentos que, de acordo com as disposições da presente Convenção, sejam tributáveis no outro Estado Contratante, o primeiro Estado, ressalvado o disposto nos §§ 2º e 3º e 4º, permitirá que seja deduzido do imposto que cobrar sobre os rendimentos desse residente, um montante igual ao imposto sobre a renda pago no outro Estado Contratante. BRASIL. Decreto nº 76.975, de 21 de dezembro de 1975. Promulga a Convenção destinada a evitar a dupla tributação e prevenir a evasão fiscal em matéria de impostos sobre a renda entre a República Federativa do Brasil e o Reino da Espanha. Diário Oficial da União: Seção 1, Brasília, DF, 22 dez. 1975. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1970-1979/d76975.htm. Acesso em: 24 dez. 2025.︎