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Sentença declaratória e condenação.

Um enfoque a partir do exercício das pretensões de direito material

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23/09/2008 às 00:00
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6. A norma do art. 475-N, I, e executividade da sentença declaratória

O art. 475, N, I do CPC, introduzido pela Lei 11.232/2005, passou a elencar como título executivo "a sentença proferida no processo civil que reconheça a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa ou pagar quantia", alterando a anterior redação do antigo art. 584, que tratava apenas de "sentença condenatória proferida no processo civil".

Para grande parte da doutrina, a mudança na redação ampliou o rol de títulos executivos, permitindo, agora, a executividade das sentenças meramente declaratórias que reconheçam obrigações (Wambier, 2006). Diante disso, questionou-se a constitucionalidade da lei 11.232/05 no ponto, visto que a novel redação foi alterada por emenda no Senado, sem que houvesse o retorno do projeto à Câmara dos Deputados. Por essa razão, como bem ressalta Eduardo Talamini (2006), a única possibilidade de manter a constitucionalidade da nova norma seria considerar que, em que pese a alteração redacional, não houve modificação substancial na norma, valendo o mesmo entendimento anterior. Assim, o que se afigura é saber se, mesmo antes da entrada em vigor da Lei 11.232/05, havia a possibilidade de atribuir executividade à sentença declaratória.

A esse respeito, é de e referir que a possibilidade de execução de sentenças meramente declaratórias, nos casos em que estejam presentes todos os elementos da obrigação, já era ventilada por Teori Zavascki antes da reforma de 2005. Para ele (2003), entender o contrário seria tornar a prestação jurisdicional inócua, vez que alijada da tutela executiva:

Ora, se tal sentença traz definição de certeza a respeito, não apenas da existência da relação jurídica, mas também da exigibilidade da prestação devida, não há como negar-lhe, categoricamente, eficácia executiva. Conforme assinalado anteriormente, ao legislador ordinário não é dado negar executividade a norma jurídica concreta, certificada por sentença, se nela estiverem presentes todos os elementos identificadores da obrigação (sujeitos, prestação, liquidez, exigibilidade), pois isso representaria atentado ao direito constitucional à tutela executiva, que é inerente e complemento necessário do direito de ação.

Esse entendimento, então apenas doutrinário, passou a ser adotado em alguns julgados do STJ [06], reconhecendo-se, em relação à sentença declaratória, que

não há razão alguma, lógica ou jurídica, para submetê-la, antes da execução, a um segundo juízo de certificação, até porque a nova sentença não poderia chegar a resultado diferente do da anterior, sob pena de comprometimento da garantia da coisa julgada, assegurada constitucionalmente. E instaurar um processo de cognição sem oferecer às partes e ao juiz outra alternativa de resultado que não um, já prefixado, representaria atividade meramente burocrática e desnecessária, que poderia receber qualquer outro qualificativo, menos o de jurisdicional.

Contrariamente, o citado Eduardo Talamini argumenta que, em realidade, apenas a sentença condenatória enseja a possibilidade de execução, e interpretar o contrário significaria elidir a possibilidade de ação meramente declaratória nos casos do art. 4º, parágrafo único, do CPC (2006, p. 37). Da mesma forma, observa ele que a literal aplicação da norma do art. 475-N, I, acarretaria numa ampliação inadequada das possibilidades de títulos executivos, ensejando a execução de obrigações que sejam "existentes" mas ainda não vencidas (p. 35), dentre outros argumentos. Na mesma senda, Carlos Alberto Alvaro de Oliveira (2008) argumenta que a sentença referida pela nova norma não é meramente declaratória, tendo-se, apenas, possibilitado que o juiz, ainda que o pedido tenha equivocadamente sido declaratório, condene ou conceda a tutela específica:

Habita, aí, a meu ver, o grande benefício que se poderá extrair  da nova redação, pois permite ao juiz atribuir à sentença condenatória, mandamental ou executiva a força que lhe é própria, mesmo que o autor tenha por equívoco denominado a demanda de declaratória e tenha nela formulado pedido declaratório, desde que conste como causa de pedir também a violação do direito, o ato ilícito, o inadimplemento, a transgressão.

Em realidade, tais posicionamentos acabam por confundir o conceito de título executivo com eficácia das sentenças declaratória e condenatória. Com efeito, embora na sentença declaratória não haja o exercício da pretensão, como já referido, isso não impede que ela contenha os elementos necessários a um futuro exercício, o qual terá sido "certificado" pela prévia atividade jurisdicional, que dirimiu a incerteza concreta a respeito dos elementos da obrigação insatisfeita. Veja-se, a respeito disso, que há uma série de situações em que, apesar de não ser exercida a pretensão, forma-se título executivo judicial, o que ocorre, por exemplo, no caso da sentença penal condenatória (475-N, II) e no de homologação de transação sobre matéria que sequer foi posta em juízo (475-N, III).

No caso da sentença penal, o que se exigiu no processo originário foi a pretensão punitiva do Estado, jamais eventual pretensão civil do lesado. Nesses casos, só não se extingue essa pretensão porque a própria lei civil impede a fluência do prazo prescricional até o trânsito em julgado da ação penal (CCB/02, art. 200). Por essa razão, se uma sentença penal tem o condão de reconhecer uma obrigação civil ex delicto, constituindo título executivo, com maior razão o será uma sentença declaratória que tenha por objeto justamente a obrigação e seu inadimplemento.

Outra situação que demonstra o cabimento do presente raciocínio diz respeito com a exeqüibilidade que é atribuída a títulos executivos extrajudiciais. A lei, por exemplo, reconhece a possibilidade de as partes documentarem um determinado negócio jurídico, por intermédio do contrato, firmado também por duas testemunhas, estabelecendo obrigações e prevendo sanções. Dito de outra forma, permite-se às partes certificarem concretamente a existência do suporte fático e a incidência da norma jurídica, tornando o cumprimento da obrigação exigível por intermédio do processo executivo.

Entretanto, imagine-se por hipótese que as partes, sem firmar um contrato, celebrem o mesmo negócio jurídico, o qual é posteriormente reconhecido por meio de sentença declaratória, que reconhece a existência da obrigação pendente de cumprimento. Em termos substanciais, a sentença terá o mesmo teor do contrato, com a diferença que foi produzida por procedimento estatal constitucionalmente previsto, qualificado pelas garantias do contraditório e da ampla defesa, não havendo razão para desconsiderar sua potencialidade executiva. Salienta-se, no entanto, que só terá força executiva se contiver todos os elementos da relação jurídico obrigacional, identificando, precisamente, partes credora e devedora, natureza e objeto da obrigação (Wambier, 2006, p. 44).


7. Ação declaratória e o exercício posterior das pretensões

Como ressaltado, o exercício da pretensão à tutela declarativa não se confunde com o da pretensão de direito material, esta sempre tendente a exigir do obrigado alguma prestação. Na propositura de ação declaratória, como visto, tem-se como objetivo eliminar uma incerteza quanto à existência ou inexistência de uma relação jurídica, sem exercer, imediatamente, a pretensão de direito material, como ocorre no pedido de natureza condenatória.

Dessa forma, tem-se que, ao requerer ‘condenação’, está-se requerendo simultaneamente ‘certificação’ + exercício de pretensão de direito material, a qual será naturalmente tornada realidade por intermédio de medidas executivas ulteriores. No entanto, nada impede que determinado credor busque, primeiro, a certificação, para, depois, exercer sua pretensão, com base no que antes foi decidido, como lhe permite o parágrafo único do referido art. 4º. do CPC. Ter-se-á, dessa forma, ‘certificação’ e, posteriormente, exercício de pretensão de direito material [07].

Daí a utilidade de ter o legislador referido a sentença que reconheça "a existência de obrigação de fazer, não fazer, entregar coisa" como título executivo, a par do disposto nos arts. 461 e 461-A [08]. Veja-se que, caso o credor opte por exercer a sua pretensão ab initio, haverá a concessão da tutela específica da obrigação diretamente na sentença, já que esse foi o requerimento inicial. De outra parte, quando tais obrigações forem reconhecidas em sede de ação declaratória, não há como o juízo impor desde logo o cumprimento da sanção, uma vez que não houve, ainda, o exercício da pretensão.

Assim, o que a lei garante é a possibilidade de, após a ‘certificação’, o credor requerer o cumprimento da medida, permitindo ao juiz conceder a tutela específica cabível. O mesmo raciocínio vale para o reconhecimento de obrigação de pagar, sendo plenamente possível ao credor requerer a intimação do devedor para que cumpra a obrigação, exercendo sua pretensão, podendo ele, posteriormente, requerer a execução com base no art. 475-J. No entanto, vale ressaltar que, caso tenha havido a extinção da pretensão por prescrição, tal medida restará obstada, já que, como visto, a mera interposição de ação declaratória não interrompe o prazo prescricional. Além disso, é de se ver que, embora a ação declaratória seja imprescritível (Amorim Filho, 1961), eventuais decorrências dela tocantes ao exercício da pretensão não gozam da mesma característica, uma vez que, se assim fosse, prorrogar-se-iam ad aeternum os prazos prescricionais.


8. O caráter dúplice da ação declaratória: execução por parte do réu

A ação declaratória, como referido, apresenta como característica precípua estabelecer certeza no mundo jurídico, seja para dizer que um suporte fático existe, seja para dizer que uma determinada norma incide. Dessa forma, nela "há sempre um enunciado existencial: é ou não é" (Pontes de Miranda, 1971, p. 5). Por essa razão, pode se dizer que seus efeitos serão semelhantes aos de uma ação dúplice; se é para o autor, não é para o réu, e vice-versa.

Dessa forma, é de se ver que, se numa determinada ação declaratória restar reconhecida judicialmente uma determinada obrigação, os efeitos dessa declaração vincularão ambas as partes indistintamente, independentemente de quem tomou a iniciativa de ingresso da ação. Assim, se, por exemplo, alguém pleiteia a declaração de inexistência de uma dívida, e tal pleito é julgado improcedente, reconhecendo-se a sua existência, essa decisão também poderá lastrear uma futura execução por parte do réu, desde que nela estejam contidos todos os elementos indispensáveis a tanto (Cf. Wambier, 2006, p. 44).

Veja-se que, a respeito disso, é inclusive lícito ao réu, caso o autor questione apenas parte de uma determinada relação jurídica, interpor reconvenção, de modo a ampliar o limite da coisa julgada futura, incluindo todos os elementos de uma obrigação questionada. Nesse sentido, apesar de ser anterior ao CPC, é ainda válido para esse fim o teor da súmula 258 do STF (13/12/1963), a qual reza que "é admissível reconvenção em ação declaratória." Igualmente, pode-se configurar título executivo em favor do réu em uma ação condenatória, ou mesmo em numa ação constitutiva, desde que preenchidos os mesmos requisitos do art. 475-N, I, , sendo irrelevante o fato de ter o autor exercido ou não a sua pretensão.

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A propósito disso, é de se ver que o réu, ao contestar a demanda, não exerce de maneira alguma a sua pretensão, a menos que interponha reconvenção ou contrapedido com pedido expresso condenatório. Da mesma forma, é de se ver que o fato de estar sendo discutida em juízo uma determinada relação jurídica não interrompe, nem suspende, o prazo prescricional de uma determinada pretensão, razão pela qual estará ela sujeita à prescrição [09].


9. Conclusões:

A partir do exposto, podem ser sintetizadas as seguintes conclusões:

(a) Só haverá falar em pretensão quando se estiver diante de prestações de cunho obrigacional. Por essa razão, em relação aos provimentos de cunho constitutivo não há falar de pretensão, porque estão vinculados a direitos potestativos, não suscetíveis de descumprimento, portanto não sujeitos à prescrição, mas à decadência.

(b) Tanto nos provimentos declaratórios quanto nos condenatórios (a) o juiz declara a existência do suporte fático e a incidência da norma abstrata no tocante à formação do direito subjetivo; (b) declara que esse direito foi violado, fazendo nascer a pretensão; (c) declara a existência e exigibilidade da sanção prevista para a hipótese. A diferença é que na condenação acresce-se mais um efeito: (d) considera válido o exercício da pretensão por parte do autor (ação), dirigindo-o ao réu através do provimento condenatório.

(c) Não é qualquer ação judicial que tem o condão de configurar o exercício da pretensão – e interromper a prescrição –, mas apenas aquelas que tiverem pedidos que tencionem ao cumprimento da obrigação, o que não é o caso das ações meramente declaratórias.

(d) O exercício da pretensão não é requisito indispensável para a formação do título executivo judicial. Prova disso é que se forma título executivo judicial nas ações meramente declaratórias, no caso da sentença penal condenatória (475-N, II) e no de homologação de transação sobre matéria que sequer foi posta em juízo (475-N, III), por exemplo.

(e) Nada impede que determinado credor busque, primeiro, a certificação, para, depois, exercer sua pretensão, com base no que antes foi decidido em sentença, como lhe permite o parágrafo único do referido art. 4º. do CPC. Ter-se-á, dessa forma, ‘certificação’ e, posteriormente, exercício de pretensão de direito material.

(e) A sentença declaratória pode constituir título executivo tanto em favor do autor quanto em favor do réu, desde que desde que nela estejam contidos todos os elementos indispensáveis a tanto (Cf. Wambier, 2006, p. 44)


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Sobre o autor
Éder Maurício Pezzi López

especialista em Direito Civil e Processo Civil, Advogado da União em Rio Grande-RS

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LÓPEZ, Éder Maurício Pezzi. Sentença declaratória e condenação.: Um enfoque a partir do exercício das pretensões de direito material. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1910, 23 set. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11750. Acesso em: 5 nov. 2024.

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