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O aniversário de 50 anos do Tribunal de Nuremberg e as relações entre Direito e Moral.

Uma leitura histórica a partir da barbárie

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Direitos Humanos

Segundo Dallari sempre existiu uma preocupação com os direitos fundamentais do homem, pois desde a Antigüidade nota-se documentos que atestariam a garantia de tais direitos, entre os quais remotos textos legislativos. Já na Idade Média não existiram documentos desta ordem que mostrassem declarações abstratas de direito. Por outro lado, ao final da baixa Idade Média, como diz Dallari, a Inglaterra tomou medidas que podem ser consideradas precursoras das futuras Declarações de Direitos, tais como a Declaração Francesa de 1789 e as declarações das colônias norte-americanas, entre as quais a da Virgínia de 1776 (1987, p.174-176).

Historicamente os Direitos Humanos entram em foco principalmente após o término da Revolução Francesa, pois no dia 26 de agosto de 1789 a Assembléia Francesa aprovou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão. Lembremos o fato que os revolucionários contribuíram para a aprovação desta Declaração, posto que com sua luta pela queda da monarquia francesa buscavam que os homens fossem todos iguais. Na Declaração ficaram firmadas as idéias norteadoras daquele movimento, quais sejam, as de igualdade, liberdade e fraternidade, que seriam o núcleo inspirador de futuras declarações.

Em perspectiva, pode-se dizer que esta declaração francesa exerceu grande influência na Declaração de cunho humanista feita pela ONU (10 de Dezembro de 1948) 159 anos depois, e que, assim como a francesa, sofreu influência do Direito Natural. Ela ocorreu depois de períodos turbulentos, representados pela Revolução Francesa, enquanto que nestes tempos tais conturbações foram os eventos da Segunda Grande Guerra Mundial. De qualquer forma, em ambos momentos históricos estavam em ascensão o positivismo relativamente ao historicismo. A primeira dessas teorias já foi em parte explicada no texto. Já a segunda é uma corrente que acredita que o Direito surgiu da própria natureza humana. Esta questão do historicismo e de sua relação com o jusnaturalismo fica clara no texto de Pistove:

"Deste ponto de vista, pode-se aceitar a opinião de Meinecke, para quem o historicismo, que é uma atitude de pensamento nascido conscientemente a partir mais ou menos do período que intermedeia entre os séculos XVIII e XIX, constitui, fundamentalmente, uma reação contra a tendência jusnaturalista até então dominante [...]" (1992, p.581).

Podemos perceber através da citação de Pistove que o historicismo era uma corrente que corria na perfeita contramão do jusnaturalismo. Entretanto, como conseqüência de fatos históricos como, respectivamente, a Revolução Francesa e os ocorridos durante a guerra, advém uma reação com a revalorização do Direito Natural e, por conseguinte, a elaboração de textos como a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão e da Declaração dos Direitos Humanos.

A ONU logo depois de criada desenvolve um comitê dos Direitos Humanos, isto no ano de 1946, e que apresentou a Declaração dos Direitos Humanos, que foi aprovada pela ONU no ano de 1948. Esta Declaração representou uma grande vitória para a comunidade internacional. O motivo disto é que ela define os direitos dos quais os seres humanos devem ser considerados titulares em qualquer ordenamento jurídico de qualquer Estado constituído, quer sejam eles membros da ONU ou não. Desde logo, em caso de que sejam membros, a referida organização se vê dotada de maior força e, de não sê-lo, apenas de poder persuasório mais restrito, em que pese inspirada por tais elevados princípios humanistas.

Pode-se dizer que o jusnaturalismo exerceu grande influência na afirmação desta Declaração de 1948. Quando analisamos o texto ele expressamente preocupa-se em garantir princípios que emanam de um direito superior ao positivo, um Direito Natural do ser humano. O primeiro artigo diz que "todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidades e direitos. São dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras com espírito de fraternidade" (2005, art. I). Esta questão da fraternidade deixa clara a influência do Direito Natural sobre o texto. Nesse sentido diz Moraes que:

"A incomparável importância dos direitos humanos fundamentais não consegue ser explicada por qualquer das teorias existentes, que se mostram insuficientes. Na realidade, as teorias se completam, devendo coexistir, pois somente a partir da formação de uma consciência social (teoria de Perelman), baseada principalmente em valores fixados na crença de uma ordem superior, universal e imutável (teoria jusnaturalista) é que o legislador ou os tribunais (esses principalmente nos países anglo-saxões) encontram substrato político e social para reconhecerem a existência de determinados direitos humanos fundamentais como integrantes do ordenamento jurídico (teoria positivista)" (2002, p. 35).

Um grande motivo para que as Nações Unidas se preocupassem em redigir a Declaração foram as atrocidades ocorridas pouco tempo antes, durante os conflitos da Segunda Grande Guerra Mundial e as próprias ações arbitrárias do governo nazista. Percebe-se isto no artigo IX, o qual diz que "ninguém vai ser arbitrariamente preso, detido ou exilado" (2005, art. IX). O regime nazista, paralelamente aos princípios mais caros à tradição penalista humanista, pode ter motivado a criação deste artigo específico, pois para tentar elevar a tese de que a raça ariana era superior, os nazistas prendiam judeus, restringiam as liberdades de minorias, exploravam o trabalho de todas elas e de todos aqueles que, de uma forma ou outra, julgavam ser incapazes para a reprodução de uma sociedade saudável, e o faziam usando campos de concentração, lá internando pessoas em condições deploráveis e sem motivações apropriadas.

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A própria carta da ONU considera impróprias algumas ações tomadas pelos países aliados, vencedores do embate mundial em questão. Isto porque se examinarmos com atenção o artigo X do referido documento, precisamente ali diz que "[..] toda pessoa tem direito em plena igualdade, a uma audiência justa e pública por parte de um tribunal justo e imparcial [...]" (2005, art. XX). Contudo, se analisarmos que o Tribunal de Nuremberg foi parcial e arbitrário, isto porque tomou dois pesos nitidamente diferentes, pois os alemães foram julgados e condenados, enquanto que nenhum dos aliados foram se quer julgados. Entretanto, Kahn afirma que "[...] cada condenado foi realmente um criminoso, e plenamente merecedor do castigo [...]" (1973, p.153) e acrescenta que o "[...] julgamento e as sentenças foram imparciais; mas naturalmente isso não subentende, necessariamente, que o veredito e sentença, no caso de cada acusado, foram incontestavelmente certos [...]" (1973, p.155). Por isso também devemos refletir sobre esta questão. O Tribunal fez justiça contra os crimes praticados pelos nazistas? Sim, entretanto, não se fez justiça contra os crimes de guerra dos aliados. Portanto acreditamos na relevância que o Tribunal teve, mas em uma análise imparcial, ao nosso ver, os aliados deveriam ser julgados também, agora ressaltamos o fato da inviabilidade de ambos os lados sentarem nos mesmos bancos dos réus;.e analisando imparcialmente chegamos a conclusão que os crimes dos nazistas foram muito maiores do que os do aliados e por isto o merecimento de um Tribunal como Nuremberg para eles.


Considerações Finais

Estas breve estudo tentou nestas poucas páginas relacionar o debate acerca dos crimes de guerra, o problema do juspositivismo, o Tribunal de Nuremberg, dos Direitos Humanos e sua relação com o jusnaturalismo. Esperamos que o leitor perceba a grande importância que o Direito Natural exerceu nas principais Cartas e Declarações e da atualidade dos Direitos Humanos. Neste sentido deve-se levar em conta que o Direito Natural voltou a ficar em destaque após a Segunda Grande Guerra Mundial e também devemos lembrar como este poderia vir a enfrentar as ações tomadas por ditadores que diminuem ou acabam com os Direitos Humanos.

Aqui também nos propusemos recordar a importância de que se revestiu o Tribunal de Nuremberg relativamente ao desenvolvimento do Direito Penal Internacional assim como, de certa forma, até mesmo seu impacto sobre as relações políticas. Acreditamos que, apesar dos pesares, Nuremberg representou um marco. Ele teve grande importância em fazer justiça contra os crimes dos nazistas e contribuiu para que ditadores recentes estejam nos bancos dos réus.

Para concluir, gostaríamos de mostrar a importância que possui um Direito caminhando ao lado da Moral, isto porque esta é uma das únicas formas de combater ordenamento jurídicos bárbaros que suprimem a liberdade humana e conseqüentemente os direitos fundamentais dos homens.


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http://www.unicef.org/brazil/dir_huma.htm. Acessado em 15/12/2005

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Sobre os autores
Vinicius Justus Czovny

Bacharelando em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. Bacharelando em Direito pelas Faculdades Guarpauava

Boris Martins

Bacharel em Direito pelas Faculdades Guarapuava

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CZOVNY, Vinicius Justus ; MARTINS, Boris. O aniversário de 50 anos do Tribunal de Nuremberg e as relações entre Direito e Moral.: Uma leitura histórica a partir da barbárie. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1929, 12 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11799. Acesso em: 26 abr. 2024.

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