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O aniversário de 50 anos do Tribunal de Nuremberg e as relações entre Direito e Moral.

Uma leitura histórica a partir da barbárie

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SUMÁRIO: INTRODUÇÃO.TRIBUNAL DE NUREMBERG.DIREITO NATURAL E DIREITO POSITIVO. DIREITOS HUMANOS. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS


Introdução

Entendemos que essas poucas páginas não são suficientes para expor tantas informações para os leitores, mas esperamos que este trabalho elucide um pouco das questões colocadas em foco. Pretendemos trabalhar com o Direito logo após a Segunda Grande Guerra Mundial, especificamente como os nazistas foram julgados em Nuremberg e também sobre a revalorização do Direito Natural e sua importância para os Direitos Humanos tendo em vista as barbáries cometidas.

Os Direitos Humanos estão garantidos em grande parte das atuais Constituições dos países e a Carta de 1948 da Organização das Nações Unidas (ONU) em grande parte devido àqueles fatos. Pelo motivo citado esta Carta sofreu grandes influências do jusnaturalismo. No caso específico da ONU as atrocidades do regime nazista e o advento do final da Segunda Grande Guerra Mundial fizeram com que a sociedade mundial retomasse as idéias de um Direito superior ao vigente.

O que também nos move na escritura do artigo é rememorar, ainda que timidamente, o fato de que em dezembro deste corrente ano a Carta da ONU está completando 47 anos. Um aniversário como este deve sempre ser celebrado, uma vez que as razões que deram origem a esta instituição se mantêm presentes. A necessidade de propor duros processos de negociação e enfrentar as guerras entre os povos assim como preservar os direitos fundamentais dos homens garantidos nas diversas Constituições é um dos grandes desafios do nosso tempo.

Além de exercer influência sobre o processo de criação da Cartas da ONU, o jusnaturalismo a exerceu sobre o desenvolvimento do Tribunal de Nuremberg, onde alguns nazistas foram julgados. Mesmo assim, também teve grande importância logo ao fim da guerra. Mesmo fugindo a básicos princípios do Direito Penal, Nuremberg teve um papel fundamental ao final da guerra, pois ali foram julgados os crimes nazistas legitimados por um Direito Positivo. Agora quando Nuremberg completa 50 anos de existência neste ano de 2005 nos cabe olhar para trás e projetar o que há para refletir sobre o tema perante as perspectivas que temos na esfera das relações internacionais.

Portanto, aquele Tribunal pode ser considerado como um dos precursores do Direito Penal Internacional, e caso não houvesse aquele julgamento histórico em Nuremberg, dificilmente recentes ditadores e facínoras em grande escala estariam sentados no banco dos réus ou seriamente ameaçados disto.


O Tribunal de Nuremberg

Com a ascensão de Hitler (1889-1945) ao poder na Alemanha, este país começou a adotar o regime nazista, onde milhares de pessoas foram perseguidas e também onde ocorreu grande supressão dos Direitos Humanos. Outra questão foram os crimes de guerra da Alemanha, país que foi um dos principais sujeitos (e deflagrador) da Segunda Grande Guerra Mundial.

Quase ao final da guerra a qual nos referimos anteriormente, os países que lutavam contra o eixo já estavam de certa forma preocupados com o destino dos oficiais e com o alto comando nazista em geral. Assim, mesmo não havendo consenso num primeiro momento relativamente à idéia de um futuro julgamento, tal posição era defendida pelos norte-americanos. Os britânicos partilhavam da idéia de que os nazistas deveriam ser perseguidos, enquanto que, por outro lado, soviéticos e os franceses defendiam a tese de que os integrantes do Terceiro Reich deveriam ser automaticamente executados.

Com a vitória dos aliados (EUA, Inglaterra, França, URSS) na Segunda Grande Guerra Mundial a proposta dos norte-americanos terminou sendo aceita. Mas isto não ocorreu de forma tão direta, pacífica e sem debates. Decidiu-se por este procedimento após muitas negociações entre representantes dos países vencedores. Daí surgiu a implantação de um Tribunal que julgaria os crimes praticados durante o conflito. Durante as negociações não foram poucos nem de escassa importância os momentos em que os representantes pareciam ver longe a possibilidade de acordo. Contudo, obtiveram êxito, em que pese as nações seguirem relutantes em ceder espaços e as disputas por maior poder dentro do Tribunal serem consideráveis.

O Tribunal não deixou de ser uma maneira com que os aliados mostrassem a sua possível superioridade sobre os nazistas acusados. Isto evidencia-se quando Lafer afirma que "[...] o Direito do momento do segundo pós-guerra, teve como nota básica situar no âmbito do Judiciário a reação dos vencedores aos crimes do nazismo" (1988, p.169). Por sua vez, em sua boa obra, Smith vai mais longe ao escrever que "[...] os governos aliados decidiram conscientemente lutar de uma forma que provaria ao povo alemão ter sido derrotado numa guerra mundial [...]" (1979, p.321). Percebe-se que o Tribunal foi tanto político quanto jurídico, pois era consenso entre os aliados mostrar sua superioridade sobre os nazistas. Após o término do conflito, muitos falaram que aquele a ser criado deveria ser um Tribunal Internacional. Por outro lado, outras pessoas acreditavam que mesmo sendo ele um Tribunal Internacional os atos que praticaria também seriam arbitrários. Aqui partilhamos da idéia de que o Tribunal de Nuremberg foi totalmente parcial, pois somente os nazistas foram julgados, enquanto que os crimes dos aliados passaram em branco. Sabemos da dificuldade que seria para que os aliados sentassem nos mesmos bancos que os réus alemães e as circunstancias diferentes, entretanto partilhamos da idéia que os crimes dos aliados deveriam ser julgados por uma Corte Internacional.

A defesa dos nazistas alegou que quando os acusados praticaram as ações pelas quais eles estavam sendo julgados aquilo não era crime. Assim, sustenta Conde que "[...] do ponto de vista jurídico, delito é toda conduta que o legislador sanciona com uma pena. Isto é conseqüência do princípio nullun crimen sine lege que rege o moderno Código Penal [...]" (1988, p 22), ou seja, a defesa desta idéia significa dizer que o Tribunal estava ferindo um dos principais básicos do Direito Penal. A partir do momento que o Tribunal formula normas cuja aplicação é retroativa ele passava a ferir ainda outro primordial princípio do Direito Penal, o do princípio da legalidade.

O princípio da legalidade foi muito utilizado em grande parte dos países daquela época. Entretanto, como afirma Rezek "[...] no caso de Nuremberg nunca se poderá negar o peso do imperativo ético [...] impôs o sacrifício de certos princípios elementares do Direito Penal [...]" (2002, p.147). Acreditamos que o sacrifício foi por uma causa justa, pois os crimes dos nazistas não poderiam ser esquecidos nem os criminosos pertencentes ao partido nazista poderiam ficar impunes, e para cumprir esta finalidade estas privações eram necessárias, sem o que dificilmente seria feita justiça contra os nazistas.

Um grande empecilho para a defesa foi que ela não teve muito tempo para colher provas, problema este que a promotoria também enfrentava. O Tribunal criou várias inovações processuais durante o processo. Evidencia-se isto com a afirmação de Kahn:

"A promotoria trabalhou quatro meses na elaboração do libelo acusatório, mas, quando este se completou, os acusados e seus advogados se inteiraram que tinham de enfrentar um conjunto de provas muito mais amplo e concreto do que era possível imaginar no começo do julgamento" (1973, p.143).

Outra dificuldade enfrentada pelos acusados era que seus advogados foram escolhidos pelos aliados. Como podemos concluir, este Tribunal, que não obstante tenha gozado de enorme respaldo, não impediu que os acusados deixassem de ter direito a escolher livremente seus próprios defensores.

Entre as estratégias da defesa, encontrava-se a alegação de que os acusados somente cumpriram ordens de seus superiores. Seguindo a análise dos defensores, os acusados do Tribunal não faziam parte do núcleo de comando do governo nazista, uma vez que Hitler e Goebbels já haviam morrido. O principal líder do regime já tinha se suicidado e caberia a eles assumir a grande responsabilidade dos crimes cujas acusações foram efetivamente imputadas a vários de seus comparsas no Tribunal de Nuremberg. Desta argumentação se extrai que ou os acusados cumpriam as ordens de seus superiores ou eles poderiam sofrer violentas sanções do regime, incluindo ser privados da própria vida.

A acusação, por seu lado, sustentava que qualquer que fosse o direito na época em que os nazistas cometeram suas atrocidades, aquelas ordens recebidas constituíam somente um meio para concluir atos cruéis. Defendiam ainda a tese de que mesmo se as atitudes deles tivessem sido somente adotadas por serem ordens superiores, os promotores e juízes afirmavam que os interesses nacionais estavam abaixo dos interesses internacionais. Segundo afirma Accioly "O estatuto do Tribunal de Nuremberg estabeleceu 3 categorias de crime: Crimes contra a paz; crimes de guerra, propriamente ditos; crimes contra a humanidade" [...] (1961, p.388). Contudo, se analisarmos qual seria a legitimidade que teria um Tribunal Internacional constituído no pós-guerra para julgar somente os alemães por crimes cometidos durante o conflito.

O que podemos questionar é se os aliados, e, neste particular, os norte-americanos, também não praticaram um crime contra a humanidade ao lançar duas bombas atômicas no ano de 1945, sendo a primeira lançada no dia 6 de agosto sobre a cidade de Hiroshima no Japão, e a segunda no dia 9 de agosto, em Nagasaki, também no Japão. Em ambos os casos as mortíferas bombas causaram a morte de milhares, incluindo civis, já no momento em que se desenhava o final de uma já então sangrenta guerra, nos termos em que viemos nos referindo. Como afirma Kahn:

"A defesa tentou tirar o máximo partido de uma afirmação também muito conhecida: tu quoque (‘você é outro’), considerando que, entre os crimes denunciados, havia pelo menos alguns cometidos pelos aliados. Estritamente falando, a culpa semelhante, suposta ou comprovada, de outra pessoa, nunca pode ser admissível como defesa legal válida, mas seu efeito moral e psicológico pode ser considerável" (1973, p. 144).

Mesmo com as tentativas da defesa de tentar fazer com que o Tribunal fracassasse, mesmo que este contasse com a firme postura dos promotores de acusação, nem sempre vislumbrou-se um consenso e um trabalho unitário entre os aliados. Percebe-se que as próprias nações aliadas tinham divergências sobre as penas que seriam dadas a cada réu. Exemplo disso é o caso de Albert Speer, arquiteto predileto de Hitler e, por conseguinte, do Terceiro Reich, e que a partir de 1942 foi nomeado Ministro do Armamento e Munições do regime nazista. As posições eram divergentes. Neste caso específico isto era perceptível ao observar que enquanto os soviéticos e norte-americanos queriam vê-lo enforcado, por outro lado, os britânicos e os franceses gostariam de condená-lo tão somente a uma pena simbólica. Enfim optou-se por um meio termo, ele foi condenado a cumprir 20 anos de prisão, algo que, ao que parece, desagradou um pouco a um dos assistentes da acusação. Ele era Harris, auxiliar do célebre promotor Robert Jackson, que viu na figura de Speer a de um homem arrependido e que colaborou durante o julgamento. Entretanto a não condenação à morte para Speer foi algo político, pois após uma carta do acusado ao promotor americano falando de seu interesse em cooperar, em passar informações aos norte-americanos, os países do Ocidente acabaram entrando em acordo para deixar o antigo arquiteto vivo, postura esta que foi uma afronta a URSS. Segundo o historiador Smith, Speer "[...] de maneira mais direta, significava isso que ele estava dizendo à promotoria norte-americana, que queria evitar, em seu depoimento, perguntas que o levassem a prestar informações militares e técnicas à União Soviética [...]" (1979, p.239). Com as palavras de Smith pode perceber-se efeitos do início da Guerra Fria.

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O julgamento durou cerca de 285 dias, e foi um dos maiores já realizados, sendo superado somente pelo Julgamento de Tóquio, que teve vereditos semelhantes aos de Nuremberg e pouco mais de 30 meses de duração. Vale lembrar que ficou decidido que as nações aliadas fariam outros julgamentos em suas zonas de ocupação. O resultado final do Tribunal foi que dos 22 nazistas acusados em Nuremberg, 8 réus foram sentenciados a pena de morte pela forca, sendo que Hermann Göring acabou cometendo suicídio pouco tempo antes de sua execução. Outros 3 ainda foram sentenciados prisão perpétua, 3 foram absolvidos, e os restantes acabaram sendo sentenciados a prisão por tempos variados, entre 10 a 20 anos.


Direito Natural e Direito Positivo

Desde a Grécia Antiga já se especulava sobre a existência de um Direito acima das normas jurídicas vigentes, o que é comprovável pela própria narrativa da literatura da época. A tragédia Antígona, de Sófocles, por exemplo, é algo do gênero, pois uma das personagens principais da obra rejeita aceitar as normas impostas pelo monarca, e sustenta que há normas jurídicas emanadas do poder político terreno que não podem sobrepor-se à normas de um tipo superior. Os estóicos, integrantes de uma variante dentre as tantas que enriqueceram o pensamento da filosofia grega, entendiam que a natureza era governada por uma norma universal e racional. Já alguns romanos, dentre eles Ulpiano, também acreditavam num Direito acima ao do legislador.

No período da baixa Idade Média os filósofos cristãos, neste caso, principalmente São Tomás de Aquino (1225-1274), também acreditavam muito em Direito Natural. Especificamente para Tomás de Aquino a norma natural era relacionada com Deus, o criador. Por outro lado, Hugo Grócio (1583- 1645) que era um jurista holandês, que trabalhou e viveu no início do Iluminismo, defendeu a tese de que existia um Direito Natural e que este era capaz de reger todos os povos. Por influência de seu período, ele afirmava que o Direito brotava da própria existência humana e diferentemente de Tomás de Aquino, acreditava que não dependia da vontade de um ser superior.

Como se observa até aqui, várias correntes sustentam que o Direito Natural é algo defendido por estudiosos desde a Grécia Antiga, como vimos no início. Em que pese os altos e baixos, o Direito Natural sempre esteve presente no cotidiano da sociedade humana, haja vista as recentes conquistas dos direitos humanos neste último século.

Uma das grandes questões do jusnaturalismo é que os defensores dessa tese sustentam que existe um direito acima daquele construído pelo legislador. Ao apresentar o tema Gusmão sustenta que "[...] a consideração do direito como direito justo por natureza, independe de vontade do legislador, derivado da natureza (jusnaturalismo) [...]" (2005, p.390). Entende-se que a tese do jusnaturalismo é algo superior ao direito vigente, e que este último pode receber auxílio do próprio Direito Natural para que tenha um melhor ordenamento jurídico.

O Direito Natural é uma alternativa para um direito positivado que é fruto dos interesses do legislador. O jusnaturalismo responde aos anseios da coletividade proporcionando para a sociedade um direito mais justo do que o positivo. Neste sentido Saldanha afirma que "[...] cabe considerar como momentos originários da idéia de um Direito Natural as primeiras referências a um outro direito, melhor do que o vigente e disponível como ideal [...]" (1998, p.176). Já Nader acrescenta que "[...] o jusnaturalismo revela-se [...] como um meio ou instrumento para atacar todas as formas de totalitarismo" (1999, p.441). No decorrer deste artigo pretendemos utilizar esta idéia para expressar como o Direito Natural pode servir para combater o totalitarismo e como, historicamente, já prestou-se para tal função, principalmente no início da segunda metade do século XX.

Por outro lado, existem os partidários do juspositivismo. Ao descrever-lhes a constituição, afirma Nader que o "[...] Positivismo jurídico [...] rejeita todos os elementos de abstração na área do Direito, a começar pela idéia do Direito Natural [...]" (1999, p.449). Positivismo jurídico é uma corrente filosófica que deita raízes no positivismo de Auguste Comte (1798-1857) e que terminou sendo aplicada ao Direito. Comte era discípulo Claude Henri de Saint-Simon (1760- 1825), um filósofo que estudava a importância da organização econômica na sociedade moderna, e que tem uma de suas principais obras na Nouveau Christianisme, de 1825. Estagiando durante seis meses com ele, Comte logo se viu influenciado. Mas seria ele que viria a ser o pai, fundador e difusor do Positivismo e da Sociologia. O Positivismo é a corrente de pensamento que propôs a teoria dos três estágios do conhecimento humano e que ao fazê-lo sublinhou a importância do último deles, o positivo ou científico, o que marcou definitivamente a influência dele sobre as demais ciências.

Quando, por exemplo, esta teoria foi aplicada ao Direito surgiu o a leitura de que o Direito deveria ter apenas e tão somente um objeto e um rigor científico até então desconhecido entre seus estudiosos. A escolha sobre o objeto, como soa óbvio, recai sobre a norma jurídica. Bobbio, por exemplo, define o Positivismo jurídico como a "[...] doutrina segundo a qual não existe outro direito a não ser o positivo [...]" (apud SALDANHA, 1998, p.178). Hans Kelsen (1881-1973) , o criador da Teoria Pura do Direito e grande disseminador do Positivismo jurídico, explica que sua teoria "[...] é chamada pura porque procura excluir da cognição do direito positivo todos os elementos estranhos a este [...]" (1998, p 261). Em outros termos, para Kelsen cabe ao jurista somente estudar a norma e qualquer elemento que seja diferente desta deve ser estudado por outras matérias.

Uma das falhas do Positivismo jurídico, contudo, é que este acredita somente nas normas que o legislador faz. Em sentido contrário, os partidários do pluralismo jurídico acreditam que existem várias sociedades autônomas em relação ao Estado e que são capazes de formular normas jurídicas. Governos totalitários podem se aproveitar dos fundamentos do juspositivismo, onde o Estado é o único capaz de formular leis, para que atos arbitrários e desumanos praticados em seus governos possam ser legitimados sob o manto e a aura da legalidade.

Percebe-se que o regime nacional-socialista formulou normas jurídicas arbitrárias que afetaram milhares de pessoas de diversos grupos étnicos. Dentro destas medidas estava a norma que proibia casamentos inter-raciais. Sob a ótica do legalismo, era uma lei. Também nos deparamos ali com que as leis estabeleciam a criação de guetos para os judeus e o envio destes para campos de concentração, assim como também com normas que permitiam a aniquilação de vários judeus nas chamadas câmaras de gás e que autorizavam a persecução de minorias, por toda sorte de motivos. Era a lei. Mas a questão que percorre este trabalho é: era uma lei legítima e dotada de valores morais autênticos?

É precisamente devido à resposta negativa a questão enunciada no último parágrafo que é criado o Tribunal Nuremberg para julgar os crimes de guerra dos alemães.

O Direito no regime nazista, com as atitudes já mencionadas, abandonou os princípios mínimos de respeito ao ser humano e, por conseguinte, amplamente distanciado do jusnaturalismo, principalmente do respeito à vida e à liberdade, pois as primeiras normas jurídicas garantiam ao povo alemão igualdades e direitos não vistos durante o III Reich. O livro A Democracia na Alemanha (1985, p.8) cita a constituição da Igreja de São Paulo de 1849 na qual no artigo 144 afirma que "[...] cada alemão tem pleno direito à liberdade de crença e de consciência. Ninguém é obrigado a revelar sua convicção religiosa [...]" (Op. cit., p.22).

Recordemos que durante a primeira metade do século XIX o Positivismo jurídico triunfou sobre o Direito Natural. Entretanto, após as atrocidades ocorridas durante as duas grandes guerras mundiais o juspositivismo cai em descrédito, enquanto que o jusnaturalismo volta à cena. A grande razão para que isto tenha acontecido foi o fato de que o mundo e a cultura ocidental ficaram por demais chocados com os resultados do segundo grande conflito.

Sustenta Gusmão que o fato da prática de "[...] atrocidades e desumanidades práticas com aparência jurídica, os horrores da guerra de 1939-45 [...] levaram juristas, por diferentes caminhos a admitir a validade de um direito acima do legislador [...]". (2005. p.381). Por isto é que volta a ser admitido um Direito com certo conteúdo moral, em que pese não exatamente de corte jusnaturalista. Agora passava-se a adotar uma perspectiva de análise axiológica do Direito. A razão para o abandono da ortodoxia juspositivista reside em que os líderes totalitários utilizaram o Positivismo jurídico e o poder do Estado de formular leis para legitimar o exercício desmesurado do poder que detinham e, não incomumente, até mesmo de forma acentuadamente cruel, durante a permanência no poder. Lembre-se que o próprio Kelsen acreditava que Direito e Moral eram conceitos que não deveriam caminhar juntos, pois como positivista, ele defendeu a tese que a ciência é a fase superior do saber e que não poderíamos trabalhar com áreas diferentes mescladas, neste caso, o Direito e a Moral. Foi com a prática do Holocausto durante a Segunda Grande Guerra Mundial que a Teoria do Direito volta a admitir um viés jusnaturalista, mais precisamente através da admissão da discussão dos valores no mundo do Direito. Isto se deu por força da preocupação com a existência de um conteúdo jurídico com um mínimo de moralidade.

Um dos resultados desta revalorização do Direito Natural sobre o Positivismo jurídico nesta época foi a Declaração Universal dos Direitos dos Homens formulada pela ONU. Em seu texto fica firmado que todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A ONU segundo Dallari é "[...] uma pessoa jurídica de direito internacional público, tendo sua existência, organização, objeto e condições de funcionamento previstos no instrumento de constituição, que é a Carta das Nações Unidas" (1987, p.228), Todavia, acrescenta o autor, um dos objetivos da ONU é o de "[...] promover e estimular o respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais da pessoa humana [...]" (1987, p.229). Conclui-se que com estas medidas adotadas a ONU usou dos princípios do Direito Natural em sua Carta.

Portanto, acreditamos que este período de 1934-1945, onde a humanidade viu práticas absurdas para um período cujo grau de civilização se pretendia avançado, perpassado por ações cruéis legitimadas pela ordem jurídica com a ajuda do Positivismo jurídico, já que os líderes totalitários através de normas jurídicas justificam atrocidades feitas por seus governos. Em contrapartida, a ONU, a partir de 1945 coloca em foco o Direito Natural e assim dá um grande passo para uma mais efetiva proteção dos Direitos fundamentais dos seres humanos.

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Sobre os autores
Vinicius Justus Czovny

Bacharelando em História pela Universidade Estadual do Centro-Oeste do Paraná. Bacharelando em Direito pelas Faculdades Guarpauava

Boris Martins

Bacharel em Direito pelas Faculdades Guarapuava

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CZOVNY, Vinicius Justus ; MARTINS, Boris. O aniversário de 50 anos do Tribunal de Nuremberg e as relações entre Direito e Moral.: Uma leitura histórica a partir da barbárie. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1929, 12 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11799. Acesso em: 19 abr. 2024.

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