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Algema é coisa de pobre

18/10/2008 às 00:00
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A recente prisão de diversos acusados, pertencentes às mais altas rodas da sociedade, por suspeita de prática de crimes como lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, evasão de divisas, corrupção ativa, entre outros, recebeu ampla cobertura da mídia e causou sentimentos e manifestações diversos.

Boa parte das discussões não se centrou na culpabilidade (ou não) dos acusados. Ora se discutiu se a conduta da Polícia Federal foi ou não arbitrária, ora se discutiu a supressão de instâncias nas sucessivas concessões de habeas corpus aos acusados, mas o que realmente nos chamou a atenção foi a prolongada, e provavelmente inócua, discussão sobre o uso de algemas pelas forças policiais.

O uso de algemas no âmbito nacional não é regulado por lei, mas só se começa a questionar sua necessidade de regulamentação após o uso deste instrumento em criminosos de "colarinho branco", como banqueiros e políticos, envolvidos em relações promíscuas entre o público e o privado.

Foi o próprio presidente do Supremo Tribunal Federal – STF, ministro Gilmar Mendes, que afirmou, em razão da atuação da Polícia Federal na Operação Satiagraha, que "o uso de algemas abusivo terá de ser discutido" no país.

Ora, quando se prende um grande traficante de drogas, um perigoso assaltante de banco ou um seqüestrador, não há qualquer dúvida quanto à necessidade do uso da algema no suspeito, em razão de sua periculosidade e da possibilidade de resistência à prisão ou tentativa de fuga.

Porém, como gosta de dizer nosso Presidente da República, "nunca antes na história desse país" se levantou tamanha celeuma pelo uso desse aparato policial na execução de prisões. Isso porque até bem pouco tempo atrás era raro vermos nos noticiários a prisão de pessoas pertencentes às classes sociais mais favorecidas. De outro lado, estamos acostumados a assistir nos noticiários inúmeras matérias sensacionalistas, nas quais são expostas pessoas algemadas após cometerem infrações bem menos graves do que as de que são suspeitos os integrantes da quadrilha investigada na Operação Satiagraha.

As polícias nacionais, provavelmente sem exceção, adotam como padrão de procedimento o uso de algemas em todas as prisões efetuadas, quer seja em flagrante delito, quer seja no cumprimento de mandados judiciais.

Tal procedimento se dá em razão da finalidade desse instrumento policial. O dicionário jurídico da Academia Brasileira de Letras Jurídicas define algema como sendo uma "pulseira de ferro empregada para manietar alguém a fim de dificultar sua fuga quando em transporte fora do lugar de confinamento...".

Não precisaríamos recorrer a um dicionário jurídico para entender a finalidade das algemas, mas a própria essência da ação policial de efetuar uma prisão já conduz a uma resposta sobre seu mister. A algema serve para limitar a movimentação do indivíduo preso, pois, lembre-se, esta pessoa está justamente com sua liberdade de locomoção cerceada. Somente esta circunstância, em nosso entendimento, seria suficiente para demonstrar a necessidade da medida em todas as prisões.

Porém, em prestígio à boa argumentação e em respeito à discussão acadêmica, podemos enumerar rapidamente diversos outros fatores que justificam e indicam o uso da medida restritiva: (i) porque inibe a possibilidade de resistência do preso; (ii) inibe a possibilidade de prática de atos de violência contra autoridades e contra terceiros; (iii) inibe a possibilidade de prática de auto-lesões ou atentados contra a sua própria vida, protegendo, inclusive, o próprio suspeito; (iv) inibe a tentativa de destruição de patrimônio ou da propriedade alheia; (v) minimiza as chances de fuga do preso.

As regras mínimas da ONU para tratamento de prisioneiros, norma de caráter orientador, estabelecem que o emprego de algema jamais pode se dar como punição. Da mesma forma, por força de nossa Constituição Federal, devem ser respeitadas a integridade física e moral do indivíduo algemado. Porém, a falta de norma de abrangência nacional que regulamente o uso de algema permite que as diversas autoridades policiais utilizem sua discricionariedade para decidirem pela conveniência e oportunidade do emprego deste meio.

O que não pode ocorrer é a substituição da discricionariedade das autoridades policiais (autoridades administrativas) pela decisão das autoridades judiciais. Recentemente, em outro caso de escândalo financeiro, Salvatore Cacciola, ex-banqueiro condenado a treze anos de prisão por peculato e gestão fraudulenta, foragido da justiça brasileira havia quase dez anos e que causou prejuízo aos cofres públicos na ordem de 1,5 bilhões de reais, ao ser extraditado para o Brasil a fim de responder por seus crimes, obteve junto ao Superior Tribunal de Justiça – STJ uma liminar em habeas corpus impetrado pela defesa proibindo a polícia de algemá-lo.

Em sua decisão, o ministro Gomes Barros considerou que, devido à sua idade, 64 anos, Cacciola não representa risco aos policiais e, por isso, não há necessidade de algemá-lo.

Como dito anteriormente, a algema não se destina somente a proteger os policiais contra eventual ato de violência perpetrado pela pessoa presa ou detida. O próprio Cacciola já demonstrou claramente que, se tiver oportunidade, tentará se furtar de sua responsabilidade penal por meio de outra fuga, o que independe de sua idade e vigor físico.

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Parece mesmo que, no fim das contas, apesar de toda discussão jurídica, no Brasil, algema é coisa de bandido pobre. Ricos e apaniguados, somente se desejarem apimentar sua vida sexual.


Referências bibliográficas:

- BIGAL, Valmir. O uso de algema. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 1071, 7 jun. 2006. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/8480;

- CAPEZ, Fernando. Uso de algemas. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 889, 9 dez. 2005. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/7706;

- GOMES, Luiz Flávio. O uso de algemas no nosso país está devidamente disciplinado?. Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 56, abr. 2002. Disponível em: http://jus.com.br/artigos/2921;

- Ministro da Justiça critica pedido de prisão contra jornalista da Folha - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u420782.shtml;

- STJ concede liminar proibindo polícia de algemar Salvatore Cacciola - http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u423063.shtml;

- Cacciola, o retorno: nada de algemas. O Estado de São Paulo, 17jul08, quinta-feira (capa);

- Cacciola embarca sob escolta. Jornal do Brasil, 17jul08, quinta-feira (capa);

- No xilindró, sem algemas. Correio Braziliense, 17jul08, quinta-feira (capa).

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Sobre o autor
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

AMARAL, Fabio Sergio. Algema é coisa de pobre. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1935, 18 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11838. Acesso em: 22 dez. 2024.

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