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As inovações da lei nº 11.277/2006:

o julgamento antecipadíssimo da lide

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19/10/2008 às 00:00
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6. A INCOSTITUCIONALIDADE DO ART. 285-A

A Lei n° 11.277, de 07 de fevereiro de 2006, que acresceu, desastrosamente, o art. 285-A no Código de Processo Civil cuja redação é a seguinte:

Art. 285-A. Quando a matéria controvertida for unicamente de direito e no juízo já houver sido proferida sentença de total improcedência em outros casos idênticos, poderá ser dispensada a citação e proferida sentença, reproduzindo- se o teor da anteriormente prolatada.

§ 1º Se o autor apelar, é facultado ao juiz decidir, no prazo de 5 (cinco) dias, não manter a sentença e determinar o prosseguimento da ação.

§ 2º Caso seja mantida a sentença, será ordenada a citação do réu para responder ao recurso.

A Lei analisada introduziu no Código de Processo Civil a possibilidade de dispensa da apresentação de defesa e a reprodução da sentença em outro feito prolatada, maculando o art. 5º, caput, com os incisos XXXV, LIV e LV da Constituição Federal, in verbis:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza garantindo-se aos brasileiros residentes no País a inviolabilidade do direito á vida, á liberdade, á igualdade, á segurança e á propriedade, nos seguintes termos:

XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;

LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

Ocorre que, os princípios constitucionais devem ser aplicados sempre em primeiro lugar, o que decorre da supremacia das normas constitucionais sobre as demais normas jurídicas. O que parece não ter sido observado pelo legislador.

A Lei em epígrafe atenta contra o princípio da isonomia ao permitir que o juiz se paute em precedentes de sua própria lavra, aumentando o grau de subjetivismo nas decisões de primeiro grau, podendo resultar em arbitrariedade e criando a espécie anômala da "sentença vinculante".

No entanto, há que se afirmar que o Direito brasileiro, por força da ordem constitucional vigente desde 1988, assegurou o princípio da igualdade, também chamado princípio da isonomia. Assim, de acordo com CÂMARA (2005, p.40-41), vale salientar que "Entre outras palavras, o princípio da isonomia só estará sendo adequadamente respeitado no momento em que se garantir aos sujeitos do processo que estes ingressarão no mesmo em igualdade de armas, ou seja, em condições equilibradas."

A norma atenta ainda contra o princípio da segurança jurídica, no que concerne ao procedimento judicial, posto que o processo será normal ou abreviado, "segundo sentença antes proferida, cuja publicidade para os jurisdicionados que não forma partes naquele feito não existe." (ADIN 3695, 2006, p.6).

O Diploma Legal restringe de forma desarrazoada, sem margem de dúvidas, o "princípio do direito de ação. (...) O direito de ação é, pela norma fustigada, limitado, restringido, ante a eliminação que se faz do processo normal pela pronta prolação da sentença emprestada." (ADIN 3695, 2006, p.7).

Salientamos, ainda, que o princípio do contraditório é, sem sombra de dúvida, um dos mais relevantes entre os corolários do devido processo legal, conforme afirma CÂMARA (2005) "Não há processo justo que não se realize em contraditório (...) Através do contraditório se assegura a legitimidade do exercício do poder, o que se consegue pela participação dos interessados na formação do provimento jurisdicional" .

Assim sendo, não pode o magistrado passar por cima de princípios constitucionais, como o devido processo legal, o contraditório e a ampla defesa, bem como não poderia substituir o réu, dispensando sua citação e, ainda, decidindo sem ouvir sequer o suposto beneficiário da sua decisão. Nada justifica tal impropério.

A garantia constitucional do contraditório deve ser compreendida como um direito de participação no processo judicial que tem por fim legitimar o provimento estatal que nele se forma.

É notório que o dispositivo estudado macula o devido processo legal, quando o feito tem seu curso abreviado com fundamento em sentenças cuja publicidade é inexistente, dando fim ao processo sem examinar as alegações do autor.

Olvidamos, aparentemente, a advertência de Kazuo Watanabe que, em obra clássica, revela que:

o direito à cognição adequada à natureza da controvérsia faz parte, ao lado dos princípios do contraditório, da economia processual, da publicidade e de outros corolários, do conceito de "devido processo legal", assegurado pelo art. 5º., LIV, da Constituição Federal. "Devido processo legal", é, em síntese, processo com procedimento adequado à realização plena de todos esses valores e princípios. (WATANABE, 2005, p.142-143)

Com efeito, a pretexto de agilizar o andamento dos feitos, pretende o legislador sufocar o caráter dialético do processo, que é pautado pelos direitos fundamentais, propiciando um ambiente de excelência para reconstrução da ordem jurídica e conseguinte obtenção de decisões justas.

A aplicação dessa nefasta norma atenta, não só contra os valores constitucionais do contraditório e da ampla defesa, mas ainda desvirtua o devido processo legal que é, sem sombra de dúvida, a verdadeira causa de todos os demais princípios em prol de uma procura desmedida pela aceleração da tutela, pagando-se o preço caro de eventual subversão de garantias individuais.

Nesse diapasão, merece ser transcrita a lição de NELSON NERY JUNIOR:

O CPC 285-A é inconstitucional por ferir garantias da isonomia (CF 5° caput e I), do devido processo legal (CF 5° caput e LIV), do direito de ação (CF 5°XXXV) e do contraditório e ampla defesa (CF5° LV), bem como o principio dispositivo, entre outros fundamentos, porque o autor tem o direito de ver efetivada a citação do réu, que pode abrir mão de seu direito e submeter-se à pretensão, independentemente do procedente (sic.) jurídico do juízo. Relativamente ao autor, o contraditório significa o direito de demandar e fazer-se ouvir, inclusive produzindo provas e argumentos jurídicos e não pode ser cerceado nesse direito fundamental. De outro lado, oi sistema constitucional não autoriza a existência de "súmula vinculante" do juízo de primeiro grau, impeditiva da discussão do mérito de acordo com o due process. (2007. p.555)


7. AÇÃO DIRETA DE INCOSTITUCIONALIDADE N° 3.695/2006

Não tardou para que a norma em testilha fosse acoimada de inconstitucionalidade. Com efeito, a Ordem dos Advogados do Brasil ajuizou ação direta de inconstitucionalidade que tramita no Supremo Tribunal Federal sob n° 3.695, de 2006.

Para a Ordem, a lei atacada introduziu no Código de Processo Civil, com o artigo 285-A, a possibilidade de dispensa da apresentação de defesa e a reprodução da sentença prolatada em outra demanda e macula o artigo 5º, caput, e seus incisos XXXV, LIV e LV da Constituição da República.

Afirma ainda que o dispositivo em tela instituiu uma sentença vinculante, impeditiva do curso do processo em primeiro grau. A instituição reforça que o artigo deve ser expurgado do ordenamento jurídico pátrio, haja vista à flagrante violação do princípio da igualdade, da segurança, do acesso à Justiça, do contraditório e do devido processo legal.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade foi distribuída, em 29 de março de 2006, para o então Ministro Cezar Peluso, que não apreciou o pedido de liminar feito pela OAB, que pretendia que a alteração legal não entrasse em vigor.

O Relator em seu despacho inicial determinou que o presidente da República e o Congresso Nacional prestassem informações, e abriu vista por cinco dias, sucessivamente, ao advogado-geral da União e ao procurador-geral da República.

O Instituto Brasileiro de Direito Processual ingressou como amicus curiae, no feito e manifestou seu apoio integral ao novo artigo, atestando a constitucionalidade da regra, no final de abril de 2006.

Em junho de 2006, o Ministério Público Federal apresentou parecer pela improcedência do pedido, a fim de que seja declarada a constitucionalidade da norma. Os autos estão conclusos com o Relator desde 27 de julho de 2006.

No dia 27 de julho de 2008 fará dois anos que a ADIN está conclusa com o Relator Ministro Cezar Peluso. Então, perguntamos, que celeridade é esta que o legislador tanto busca que permite que um processo fique parado por quase dois anos?

Acreditamos que a lei, embora vigente, será declarada inconstitucional, tendo em vista não estar de acordo com o texto constitucional e com a regras inerentes ao processo.


8. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Com o intuito de aprimorar nossos conhecimentos jurídicos, o tema escolhido neste trabalho identifica-se com a crescente evolução e amadurecimento do Direito Processual Civil e justifica-se pela a preocupação social com a celeridade do processo.

Ocorre que o atraso na prestação de tutela jurisdicional, não é somente gerado pelo congestionamento do Poder Judiciário em razão de demandas repetitivas, mas, principalmente, pela ociosidade que acomete o processo, ao propiciar que uma demanda fique totalmente parada por anos sem haver nenhuma decisão.

É de se relevar, ainda, a quantidade infindável de recursos a disposição dos operadores do direito, que podem manejar diferentes formas protelatórias do processo judicial.

Imperioso se faz o imediato julgamento da ADIN, a fim de que seja julgada procedente balizada por todo o exposto.

Destarte, pelos argumentos elencados, como resultado de toda a pesquisa efetuada, e principalmente, por macular as garantias da isonomia (CF 5° caput e I), do devido processo legal (CF 5° caput e LIV), do direito de ação (CF 5°XXXV) e do contraditório e da ampla defesa (CF5° LV), bem como o princípio dispositivo, entre outros fundamentos, concluímos que o diploma legal em análise é absolutamente inconstitucional.

De toda essa discussão podemos concluir que cumpre a Ciência Jurídica acompanhar os anseios sociais, sim, mas sem sacrificar as garantias e os direitos encartados na Constituição Federal.


REFERÊNCIAS

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 3695. Disponível em: http://www.stf.gov.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=3695&classe=ADI&codigoClasse=0&ORIGEM=JUR&recurso=0&tipoJulgamento=, acesso em 23/09/2008, às 19h30min.

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Sobre a autora
Cristiane Caldas Diniz

Graduado em Direito pelas Faculdades Jorge Amado de Salvador/BA (2005). Pós-Graduado Lato Sensu Direito Civil e Processo Civil pela Universidade Presidente Antônio Carlos - UNIPAC. sócia responsável pela área Trabalhista do Escritório Abi-Ackel Advogados Associados.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DINIZ, Cristiane Caldas. As inovações da lei nº 11.277/2006:: o julgamento antecipadíssimo da lide. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1936, 19 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11852. Acesso em: 28 mar. 2024.

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