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IPTU: incidência sobre áreas "non aedificandi"

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16/10/2008 às 00:00
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2. Aspectos Relevantes Sobre a Base de Cálculo do IPTU

Como determina o próprio o CTN a base de cálculo do IPTU é o valor venal do imóvel, este, porém, ante a impossibilidade do Fisco proceder a valoração individual dos imóveis urbanos, poderá ser apurado através da planta de valores ou planta genérica de valores, senão vejamos:

Por plantas fiscais de valores entendem-se os padrões de avaliação de imóveis, por metro quadrado, segundo fatores tais como localização, acabamento e antiguidade. São utilizadas principalmente na cobrança do IPTU como elemento de configuração da base de cálculo, componente do critério quantitativo da regra-matriz de incidência tributária. As plantas fiscais de valores foram criadas pela lei, em virtude da impossibilidade fática do Fisco determinar, caso a caso, o valor venal dos imóveis, base de cálculo do imposto de que tratamos, sujeito ao lançamento de ofício. A jurisprudência não costuma discutir a validade da planta como presunção, mas apenas a necessidade de sua veiculação por meio de instrumento introdutor adequado, já que o princípio da legalidade não permite que nenhum dos critérios da regra-matriz de incidência seja fixado em veículo infralegal. 17

Por seu turno, a profª. Valéria Furlan, entende que:

[...] sendo a base de cálculo um elemento integrante do aspecto quantitativo a hipótese de incidência normativa tributária, deverá, nesta qualidade, estar prevista em lei. Doutra parte, escapa da alçada legislativa a tarefa de concretizar a base de cálculo in concreto do IPTU, isto é, de apurar o valor venal do imóvel. Com efeito, ao Executivo atribui-se a função de aplicar a norma ao caso concreto, e, na espécie, incumbe apurar o valor venal do imóvel para fins do aludido imposto, ainda que, para tanto, tenha que recorrer às plantas genéricas de valores. 18

Temos então que a planta de valores possibilita a avaliação em massa dos terrenos e suas respectivas benfeitorias, permitindo a obtenção de uma base de cálculo atualizada para cobrança do IPTU, de maneira a permitir uma possível eqüidade fiscal.

Apesar da sua aplicação como base de cálculo do IPTU, serve igualmente como base de cálculo do ITBI, sendo ainda deveras importante no planejamento urbano, permitindo a previsão de custos de desapropriação nas obras públicas, bem como o retorno provável de tais investimentos (contribuição de melhoria), e, ainda, como a situação do mercado imobiliário local.

A metodologia para a elaboração da planta de valores está pautada na NBR-14.653-2 - Avaliação de Imóveis Urbanos da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, bem como pela Norma Básica para Perícias de Engenharia e Avaliação de Imóveis Urbanos do IBAPE – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia.

Por sua vez, os valores venais encontrados são registrados em um mapa do município, dividido em zonas com um mesmo valor venal, o qual recebe o nome de Planta Genérica de Valores (PGV).

Os valores venais apurados quase sempre representam uma proporção do valor real, pois a avaliação em massa de imóveis de uma mesma cidade, em nada é simples, devido à existência de tipologias diferentes.

Em consonância com o disposto no art. 148. do CTN, já visto anteriormente, discordando o contribuinte do valor venal usado na base de cálculo de seu IPTU, deverá solicitar a reavaliação do seu imóvel, perante a Administração ou no Judiciário. 19

2.2. Incidência Sobre Áreas "Non Aedificandi"

Conceito de área "NON AEDIFICANDI": "Área gravada por restrições legais ou contratuais do loteamento, desde que devidamente averbadas junto ao Registro de Imóveis, onde não é permitido construir". 20

Inobstante à conceituação acima,

[...] entendem-se por "áreas non-aedificandi" as áreas não edificáveis, isto é, áreas onde é impedida por questão de segurança (faixas de domínio de rodovias e ferrovias, por exemplo) ou para facilitar a operação de redes de equipamentos urbanos (como a rede pública de coleta passando em fundos de lotes, por exemplo), ou, ainda, por questões ambientais (margens de águas correntes e dormentes, por exemplo), podendo tais áreas estar inseridas nas áreas privadas (lotes) ou nas áreas pública (sistema público de lazer ou área pública institucional). 21 (grifo do autor)

É mister trazer um aprofundamento, acerca da natureza da limitação às edificações, sobre o prisma destas poderem ser obrigatórias ou facultativas. Para tanto, colacionamos alguns trechos da APELAÇÃO CÍVEL N° 1.0672.04.131016-6/001, Sétima Câmara Cível, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais, Rel. Desª. Heloisa Combat, DJ.:12/02/08, a saber:

[...] Pertinente traçar, sobre as faixas non aedificandi, a distinção entre a prevista no artigo 4º, III, da Lei 6766/79, da constante do artigo 5º do mesmo diploma legislativo.

A faixa de domínio público prevista no artigo 4º, III, da Lei 6766/79, tem caráter obrigatório, devendo ser respeitada por todos os proprietários de imóveis que se encontrem na situação prevista naquele dispositivo, independentemente da vontade da Administração Pública. A observância dessa área independe de ato administrativo emanado pelo Poder Público, sendo dispensável a existência de Decreto de Utilidade Pública que a reconheça como área non aedificandi, tendo em vista que sobre ela não pode a Administração dispor.

Quanto à faixa prevista no artigo 5º da mencionada lei, trata-se de faculdade do Poder Público exigi-la em determinados loteamentos, quando necessária, tratando-se de complementação à faixa de domínio de quinze metros prevista em lei.

A respeito do tema, leciona Sérgio A. Frazão do Couto:

"O primeiro tipo de faixa "non aedificandi" (art. 4º, item III) tem obedecimento obrigatório, em razão das disposições da própria Lei. Não se trata, como no segundo caso, de uma faculdade que tem o poder público de estabelecer outras faixas non aedificandi. Trata-se de uma obrigação imposta pela Lei, que não pode ser desatendida pelo loteador, sob pena de incorreção do projeto. Essas faixas, de caráter obrigatório (com o objetivo de proteger as proximidades das águas correntes e dormentes ou reservar espaços de segurança nas rodovias públicas, ferrovias e dutos), não podem ser olvidadas no projeto de loteamento ou desmembramento urbano.

O mínimo dessas faixas non aedificandi preservativas e obrigatórias é de 15 metros de cada lado dos acidentes naturais e artificiais indicados, se maiores exigências não forem feitas pela legislação específica emanada da União, dos Estados ou do próprio Município.

Distinguem-se esses dois tipos de faixas non aedificandi, a primeira por ser considerada facultativa, no artigo 5º, ao passo que a do inciso III do art. 4º é obrigatória, afora só poder ser aquela estabelecida em Lei Especial (tornando-se, nessa eventualidade, obrigatória, da mesma forma que a segunda)." (Manual Teórico e Prático do Parcelamento Urbano, Ed. Forense, 1ª edição, 1981, pág. 87)

Portanto a faixa non aedificandi, que deve ser respeitada nas rodovias, decorre de previsão legal, prescindindo da existência de Decreto de Utilidade Pública que declare se tratar de área de faixa de domínio público.

Também desnecessária a desapropriação da área, já que o proprietário do imóvel não perde a propriedade da faixa non aedificandi, apenas sofre limitação administrativa que, segundo José dos Santos Carvalho Filho consiste em "determinações de caráter geral, através das quais o Poder Público impõe a proprietários indeterminados obrigações positivas negativas ou permissivas, para o fim de condicionar as propriedades ao atendimento da função social" (Manual de Direito Administrativo, Ed. Lumen Juris, 16ª ed., 2006, pág.658).

A limitação administrativa não impede a utilização da área pelo proprietário, apenas impõe-lhe obrigações, a fim de viabilizar que a propriedade atenda à sua verdadeira função social, ajustando-a aos interesses da sociedade, ainda que em detrimento dos direitos do proprietário do imóvel.

Marco Aurélio S. Viana nos ensina que:

"Examinando a limitação administrativa aos terrenos marginais das estradas de rodagem, ensina Hely Lopes Meirelles que a legislação rodoviária geralmente impõe esse tipo de limitação, que consiste na proibição de construir a menos de quinze metros da rodovia, "contado o recuo da divisa do domínio público com o particular".

O autor lembra que, como simples limitação administrativa, tal restrição não obriga a qualquer indenização, nem impede o proprietário de utilizar essa faixa para fins agrícolas ou pastoris; o que não se pode é nela edificar. A limitação se justifica como medida de segurança e higiene das edificações, pois que se levantadas muito próximos do leito carroçável ficariam expostas aos perigos do trânsito, à poeira e à fumaça dos veículos, além de prejudicar a visibilidade e a estética, não desprezíveis nas modernas vias de circulação." (Comentários à Lei sobre parcelamento do solo urbano, Ed. Saraiva, 2ª ed., 1984, pág. 22)

Logo, os imóveis situados à beira de rodovias devem observar a área non aedificandi prevista na Lei 6766/79, independentemente de haver ato administrativo por parte do Poder Público que assim a declare.

Nesse sentido, confira-se a jurisprudência deste TJMG:

"AÇÃO DEMARCATÓRIA - ÁREA NON AEDIFICANDI. A área non aedificandi, situada à margem de rodovias, decorre, apenas, de limitação administrativa ao direito de propriedade estabelecida por lei ou regulamento, não afetando o domínio do proprietário."

(Apelação Cível n. 1.0324.04.018598-9/001, Primeira Câmara Cível, Rel. Des. Corrêa de Marins, DJ 02.06.06)

"MANUTENÇÃO DE POSSE - CONSTRUÇÃO DE ESTRADA - TERRENOS MARGINAIS - LIMITAÇÃO ADMINISTRATIVA. Os terrenos marginais de estradas de rodagem constituem limitação administrativa imposta ao particular, sendo que sua existência não significa que o domínio pertença à autarquia, nem que a posse de área particular, passe, pela só incidência da limitação, para a autarquia.

(Apelação Cível n. 2.0000.00.365292-2/001, Quarta Câmara Cível, Rel. Des. Paulo Cézar Dias, DJ 21.09.02).

Por certo que as faixas "non aedificandi", tidas como obrigatórias, ou seja, decorrentes de lei, não ensejam qualquer tipo de indenização. No entanto, quando nos deparamos com faixas "non aedificandi" que podem ser consideradas como facultativas, estas sim poderão, em alguns casos, ser alvo de indenização.

Vejamos, pois, o caso de instituição de servidão administrativa para passagem de linhas de transmissão de energia elétrica.

Para o prof. Hely Lopes Meirelles,

[...] a servidão administrativa é ônus real do Poder Público sobre a propriedade particular, com finalidade de serventia pública – publicae utilitatis.[...] a servidão administrativa é um ônus real de uso, imposto especificamente pela Administração a determinados imóveis particulares, para possibilitar a realização de obras e serviços públicos. [...] Também não se confunde a servidão administrativa com a desapropriação, porque esta retira a propriedade do particular, ao passo que aquela conserva a propriedade com o particular, mas lhe impõe o ônus de suportar o uso público. 22

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É possível verificar que, neste caso, trata-se de uma limitação facultativa, pois, muito embora a declaração de utilidade pública decorra de um ato normativo, fica evidente a vontade da Administração Pública para tal fato.

No caso que ora utilizamos como exemplo – passagem de linhas de transmissão de energia elétrica – o ato normativo que declara de utilidade pública determinada área, é emanado pela ANEEL - Agência Nacional de Energia Elétrica, responsável pela regulação do setor elétrico, atendidos os requisitos estabelecidos na Resolução nº 279, de 11 de setembro de 2007.

Entretanto, as concessionárias de energia elétrica, titulares que são do direito à servidão administrativa, fundamentadas na NBR-5422, da ABNT – Associação Brasileira de Normas Técnicas, vinculando-se à preservação de adequadas condições operacionais, de manutenção, de segurança de suas linhas de transmissão, bem como a segurança de seus colaboradores e de terceiros, vedam expressamente quaisquer tipos de construções de moradias, não obstante, trazem grandes restrições às construções outras (depósitos de ferramentas, abrigo para animais, etc). 23

Em não sendo suficiente tal limitação pelas concessionárias, existem municípios que na sua lei de uso e ocupação do solo urbano, prevêem tal limitação, v.g., a Lei Complementar nº 049/2006, do Município de Curitibanos/SC, in verbis:

Art. 19 - Será proibida a edificação nas faixas de domínio da Br 470, SC 457, das redes de transmissão da, CELESC e TELESC, para assegurar a ampliação e manutenção das mesmas.

Parágrafo Único - As faixas de proteção às linhas de transmissão são as seguintes:

a) Da CELESC – faixas de 25,00 m ao longo da linha de transmissão;

b) Da TELESC – faixa de proteção ao feixe de micro-ondas. A altura da edificação nesta faixa será fixada de forma a não prejudicar o feixe de micro-ondas, por ser este nocivo à saúde.

c) Da BR 470 – faixa de proteção de 40,00 m e faixa de domínio de 15,00 m non edificandi.

d) SC 457 – Faixa de proteção de 20,00 m e faixa de domínio de 15,00 m non edificandi.

Retomando à questão dos casos de servidão administrativa em favor das concessionárias de serviço público de energia elétrica, na atualidade, temos que esta limitação à utilização da propriedade, garante aos seus respectivos donos uma indenização justa, prévia e em dinheiro, em estrito respeito à Constituição da República (Art. 5º, XXII, XXII ).

Portanto, o "quantum" indenizatório deve ser apurado seguindo os mesmos critérios determinados pela NBR-14.653-2 - Avaliação de Imóveis Urbanos da ABNT - Associação Brasileira de Normas Técnicas, bem como pela Norma Básica para Perícias de Engenharia e Avaliação de Imóveis Urbanos do IBAPE – Instituto Brasileiro de Avaliações e Perícias de Engenharia.

A doutrina pertinente à engenharia de avaliações tem entendido que nos casos de servidão administrativa sobre imóveis urbanos o percentual a ser aplicado sobre o valor de mercado apurado é de 0,6667%, em média, conforme o Método das Taxas de Renda desenvolvido pelo Eng. José Carlos Pellegrino. 24

A jurisprudência assim também tem entendido, conforme o Acórdão abaixo:

SERVIDÃO ADMINISTRATIVA DE PASSAGEM AEREA. ATENDE AO PRINCIPIO DO JUSTO PREÇO A FIXAÇÃO DE PERCENTUAL INDENIZATORIO EM 2/3 (DOIS TERÇOS) SOBRE O VALOR PLENO DA AREA DE TERRENO SE URBANA, FACE AS RESTRIÇÕES QUE ACARRETA. APELO PARCIALMENTE PROVIDO.

(TRF 3, Apelação Cível nº 89.03.033319-5, Segunda Turma, Rel. Juiz Fauzi Achoa, D.J.: 21/05/91)

Daí se conclui que o imóvel objeto da servidão administrativa permanece com o seu titular que, por conseguinte, é o contribuinte do IPTU.

Imperioso abordar os pontos acima, de forma a ratificar o fato de que os imóveis que suportam tais restrições, certamente têm valor econômico inferior ao demais imóveis que se encontram livres e desembaraçados de quaisquer ônus, muito em embora estejam situados numa mesma zona fiscal.

Vislumbra-se, portanto, que ao se tratar da questão da base cálculo do IPTU, qual seja, o valor venal do imóvel, observada a amplitude da sua utilização, é de fácil conclusão que esta base de cálculo irá variar segundo as características próprias de cada imóvel. No entanto, para se viabilizar o trabalho do Fisco na apuração do valor total do imposto, são utilizados valores genéricos, provenientes de uma avaliação em massa. Certamente que a forma utilizada prejudica alguns contribuintes.

Não obstante, a legislação vigente alberga o direito do contribuinte se insurgir contra eventuais irregularidades do procedimento de avaliação do seu bem imóvel, seja pela via administrativa ou judicial.

É igualmente razoável perceber que em muitos casos os valores objeto de discussão não justificam tamanho envidamento de esforços na busca da justiça fiscal, se observadas as providências que implicam em constituição de advogado, bem como os valores despendidos com custas e despesas judiciais, inclusive o pagamento de perícia, o que faz com que se perpetue no tempo tal injustiça.

Uma forma de não se deixar esvair o direito de "contribuinte", utilizando-se, para tanto, das ferramentas legais constantes do ordenamento jurídico brasileiro, seria deixar acumular os exercícios fiscais, pagando-se os impostos e, posteriormente, e tempestivamente, requerer a repetição do que foi pago a maior.

Ao nosso ver, como medida da mais lídima justiça fiscal, especialmente nos casos que ora abordamos – área "non aedificandi", quando da criação da planta genérica de valores, dever-se-ia adotar fatores de depreciação do valor inicialmente apurado, da ordem de 60 a 70%, especificamente sobre a área com limitações de utilização.

Respeitados posicionamentos outros, entendemos que o Município dispõe de mecanismos suficientes para se apurar de forma justa e correta o "quantum debeatur", sem onerar sobremaneira aquele responsável pelo recolhimento do IPTU.

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Sobre o autor
Carlos Henrique Lourenço

Especialista em Direito Tributário, Advogado e Analista de Patrimônio do Grupo EDP - Energias do Brasil S/A

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LOURENÇO, Carlos Henrique. IPTU: incidência sobre áreas "non aedificandi". Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1933, 16 out. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11855. Acesso em: 24 abr. 2024.

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