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O Direito do Consumidor no Mercosul

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4. A proteção do consumidor no Mercosul

Uma vez que o Mercosul envolve venda de mercadorias e serviços entre pessoas físicas e/ou jurídicas nacionais dos países membros, é evidente que surgirão relações albergadas pelo Direito do Consumidor. E, desde o Protocolo de Ouro Preto, de 1994, o tema ocupa espaço nas discussões setoriais. Por exemplo, em 1994 foi criada a Comissão de Comércio de Mercosul – CCM, completada pelo Protocolo de Santa Maria em 1996.

Essa Comissão tem competência de velar pela aplicação dos instrumentos de política comercial comum em que acordaram os Estados-Membros. Também é sua atribuição dar seguimento e revisão dos temas relacionados com as políticas comerciais comuns dentro do bloco e com terceiros fora do eixo do Mercosul.

A CCM criou, em 1995, o Comitê Técnico de Defesa do Consumidor, cuja tarefa é harmonizar as legislações nacionais dos Estados - Membros do Mercosul e estabelecer tratados com standards mínimos de legislação consumerista. O Brasil é representado pelo Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor do Ministério da Justiça.

Em 15 de dezembro de 2000 houve a "Declaração Presidencial dos Direitos Fundamentais dos Consumidores do Mercosul", contemplando as seguintes regras matrizes:

a) à proteção eficaz da vida, da saúde e da segurança do consumidor e do meio ambiente contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços;

b) ao equilíbrio nas relações de consumo, assegurado o respeito aos valores de dignidade e lealdade, com fundamento na boa fé, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte;

c) ao fornecimento de serviços – tanto públicos como privados – e produtos em condições adequadas e seguras;

d) de acesso ao consumo com liberdade de escolha, sem discriminações e arbitrariedades;

e) à efetiva prevenção e reparação por danos patrimoniais e extra-patrimoniais causados ao consumidor e à sanção dos responsáveis;

f) à educação para o consumo e ao fomento no MERCOSUL do desenvolvimento de entidades que tenham por objetivo a defesa do consumidor;

g) à informação suficiente, clara e veraz;

h) à proteção contra a publicidade não permitida, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte, de produtos e serviços;

i) à proteção contra práticas abusivas e métodos coercitivos ou desleais;

j) à proteção contra cláusulas contratuais abusivas, conforme a legislação vigente em cada Estado Parte;

k) à facilitação do acesso aos órgãos judiciais e administrativos e a meios alternativos de solução de conflitos, mediante procedimentos ágeis e eficazes, para a proteção dos interesses individuais e difusos dos consumidores.

Antes desta, a Resolução 123/96 aprovara os conceitos das relações de consumo e a Resolução 124/96 preocupara-se pela proteção do consumidor contra a publicidade, fazendo coro à Resolução 45/06 [16].

A Resolução 125/96 dispusera sobre a Proteção à Saúde e Segurança do Consumidor. Dentre outros, estabelecera que:

São Direitos Básicos do Consumidor :

I - a proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos;

II - a educação e divulgação sobre o consumo adequado dos produtos e serviços, asseguradas a liberdade de escolha e o tratamento igualitário nas contratações;

III - a informação suficiente e veraz sobre os distintos produtos e serviços;

IV - a proteção contra a publicidade enganosa, métodos comerciais coercitivos ou desleais, no fornecimento de produtos e serviços, conforme os conceitos que se estabeleçam nos capítulos correspondentes do Regulamento Comum sobre Defesa do Consumidor;

V - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, relativos a direitos individuais e coletivos ou a interesses difusos;

VI - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, relativos aos direitos individuais e coletivos ou aos interesses difusos, mediante procedimentos ágeis e eficazes, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;

VII - a associação em organizações cujo objetivo específico seja a defesa do consumidor e a ser representado por elas;

VIII - a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral, por fornecedores públicos ou privados;

Na Resolução 126/96, no seu art. 1º., deferiu-se "instruir a Comissão de Defesa do Consumidor a prosseguir em seus trabalhos destinados à elaboração de um regulamento comum para a defesa do consumidor no MERCOSUL e apresentar um projeto de regulamento ao GMC, em sua XVIII reunião ordinária, em meados do ano de 1995". A Resolução 127/96 preocupou-se em estabelecer as garantias contratuais nas relações do Mercosul.

Há, outrossim, a Resolução 21/04 [17], que trata da proteção do consumidor no âmbito da internet.

Afora estas resoluções, existem algumas setoriais, como o Regulamento Técnico Mercosul sobre Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados (Resolução 46/03), Rotulagem Nutricional de Alimentos Embalados (Resolução 31/06), Regulamento Técnico Mercosul Para Determinação do Peso Líquido em Pescados, Moluscos e Crustáceos Glaciados (Resolução 08/02), Resolução sobre Segurança de Brinquedos (Resolução 54/92), o Decreto 13/97, sobre a prestação de serviços dentre outros tantos.

Porém, chama atenção a regra instituída no Art. 3º., da Resolução 125/96, ao dispor que "esta Resolução somente seria incorporada aos ordenamentos jurídicos nacionais e entraria em vigor após a conclusão do Regulamento Comum sobre Defesa do Consumidor e de seu respectivo Glossário."

E a Resolução 126/96, no seu art. 2º., prescreve que "até que seja aprovado um regulamento comum para a defesa do consumidor no MERCOSUL cada Estado Parte aplicará sua legislação de defesa do consumidor e regulamentos técnicos pertinentes aos produtos e serviços comercializados em seu território. Em nenhum caso, essas legislações e regulamentos técnicos poderão resultar na imposição de exigências aos produtos e serviços oriundos dos demais Estados Partes superiores àquelas vigentes para os produtos e serviços nacionais ou oriundos de terceiros países."

É bem verdade, houve o projeto de elaboração de um Código comum, proposto pela Resolução 126/94, que, no entanto, foi rejeitado em 1997 em razão do seu caráter restritivo.

Portanto, fica claro que enquanto não sobrevier um regulamento comum para a defesa do consumidor no Mercosul, a legislação caseira será a aplicável aos casos ocorrentes em seu território, não se admitindo que as imposições domésticas vinculem os produtos e serviços de outros Estados membros.

E, claro, cabe a ressalva: se a proposta do Mercosul é ser, de fato, um bloco econômico com vistas a um mercado comum, é emergencial a adoção de critérios unitários para proteção dos consumidores. Porém, isto ainda não se deu. Deste modo, é de rigor a análise das legislações dos países membros para verificar-se a extensão da proteção do consumidor.

4.1. As legislações nacionais no Mercosul

O Brasil tem o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078), do ano de 1990; a Argentina regula a questão pela Lei nº 24.240/93; o Paraguai, pela Lei nº 1.334/98; no Uruguai, vigora, desde o ano de 2000, a Lei nº 17.250/00.

Neste passo, vê-se que cada país membro tem sua legislação específica. E, claro, com regras diferentes, que, contudo, vem ao encontro das próprias regras do Mercosul, eis que no Tratado de Assunção, Art. 6º., reconheceu-se "diferenças pontuais de ritmo para a República do Paraguai e para a República Oriental do Uruguai, que constam no Programa de Liberação Comercial".

Vale a análise de cada uma destas leis:

4.1.1. Argentina: Lei 24.240/93

A Lei argentina 24.240, de 22 de setembro de 1993, estabelece "Normas de Protección y Defensa de los Consumidores. Autoridad de Aplicación. Procedimiento y Sanciones. Disposiciones Finales."

Prescreve, de plano, que se trata de uma norma que visa proteger o consumidor, definindo-o como "destinatario final, en beneficio propio o de su grupo familiar o social. Queda comprendida la adquisición de derechos en tiempos compartidos, clubes de campo, cementerios privados y figuras afines. E Se considera asimismo consumidor o usuario a quien, sin ser parte de una relación de consumo, como consecuencia o en ocasión de ella adquiere o utiliza bienes o servicios como destinatario final, en beneficio propio o de su grupo familiar o social, y a quien de cualquier manera está expuesto a una relación de consumo" (art. 1º.)

O fornecedor é denominado de proveedor, definido, assim, no art. 2º.:

Es la persona física o jurídica de naturaleza pública o privada, que desarrolla de manera profesional, aun ocasionalmente, actividades de producción, montaje, creación, construcción, transformación, importación, concesión de marca, distribución y comercialización de bienes y servicios, destinados a consumidores o usuarios. Todo proveedor está obligado al cumplimiento de la presente ley.

No entanto, os profissionais liberais estão fora da aplicação desta lei, ficando a mercê, apenas, de seus colégios profissionais.

Há clara preocupação com a saúde e a vida do consumidor, determinando-se ao "proveedor" que traga informações claras e precisas sobre a nocividade dos produtos que coloca no mercado

Quanto às "condiciones de la oferta y venta", adotou-se a regra de que a oferta e qualquer meio publicitário vinculam, garantindo aos consumidores "trato digno e eqüitativo", sendo vedadas "conductas que coloquen a los consumidores en situaciones vergonzantes, vejatorias o intimidatorias." (art. 8º.)

Interessante, no entanto, que os "proveedores" "no podrán ejercer sobre los consumidores extranjeros diferenciación alguna sobre precios, calidades técnicas o comerciales o cualquier otro aspecto relevante sobre los bienes y servicios que comercialice" (art. 8º.)

Permite-se a venda de produtos defeituosos, desde que se indiquem as circunstâncias de forma clara e precisa (art; 9º.)

Exige-se do fornecedor que, no ato da venda, outorgue documento comprobatório da transação, contendo regras mínimas em benefício do consumidor. [18]

Em caso de descumprimento da proposta por parte do fornecedor, o consumidor poderá

a) Exigir el cumplimiento forzado de la obligación, siempre que ello fuera posible;

b) Aceptar otro producto o prestación de servicio equivalente;

c) Rescindir el contrato con derecho a la restitución de lo pagado, sin perjuicio de los efectos producidos, considerando la integridad del contrato.

Todo ello sin perjuicio de las acciones de daños y perjuicios que correspondan.

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Estabeleceu-se prazo de garantia por vícios em 03 (três) meses para coisas móveis e 06 (seis) meses para imóveis, com obrigação solidária estendida aos fabricantes, importadores e vendedores destes produtos.

Uma vez realizada a reparação do dano, o consumidor tem direito de um documento que comprove o conserto efetuado, pois, se a reparação não for satisfatória, caberá (art. 17):

a) Pedir la sustitución de la cosa adquirida por otra de idénticas características. En tal caso el plazo de la garantía legal se computa a partir de la fecha de la entrega de la nueva cosa;

b) Devolver la cosa en el estado en que se encuentre a cambio de recibir el importe equivalente a las sumas pagadas, conforme el precio actual en plaza de la cosa, al momento de abonarse dicha suma o parte proporcional, si hubiere efectuado pagos parciales;

c) Obtener una quita proporcional del precio.

En todos los casos, la opción por parte del consumidor no impide la reclamación de los eventuales daños y perjuicios que pudieren corresponder

Há, igualmente, regra de proteção ao consumidor que toma serviços, exigindo-se do fornecedor que respeite prazos e preços, bem como empregue materiais de qualidade. No entanto, o prazo de garantia é de meros 30 (trinta) dias.

Criou-se um capítulo específico para proteção do consumidor tomador de serviços públicos [19].

Há regras bastante tênues de venda a crédito e de vendas fora do estabelecimento comercial, sobretudo por meios eletrônicos.

Também muito tímida é a proteção do consumidor quanto às cláusulas contratuais abusivas. Dispôs-se, apenas, regras gerais (art. 37):

ARTICULO 37. — Interpretación. Sin perjuicio de la validez del contrato, se tendrán por no convenidas:

a) Las cláusulas que desnaturalicen las obligaciones o limiten la responsabilidad por daños;

b) Las cláusulas que importen renuncia o restricción de los derechos del consumidor o amplíen los derechos de la otra parte;

c) Las cláusulas que contengan cualquier precepto que imponga la inversión de la carga de la prueba en perjuicio del consumidor.

La interpretación del contrato se hará en el sentido más favorable para el consumidor. Cuando existan dudas sobre los alcances de su obligación, se estará a la que sea menos gravosa.

Não há, por exemplo, especificação de cláusulas tidas por abusivas.

Quanto aos danos causados ao consumidor, "responderán el productor, el fabricante, el importador, el distribuidor, el proveedor, el vendedor y quien haya puesto su marca en la cosa o servicio. El transportista responderá por los daños ocasionados a la cosa con motivo o en ocasión del servicio." (art. 40)

Interessante é a perspectiva de que ocorrido danos diretos suscetíveis de apreciação econômica, uma autoridade poderá impor ao causador do dano um ressarcimento de "hasta un valor máximo de CINCO (5) Canastas Básicas Total para el Hogar, que publica el Instituto Nacional de Estadística y Censos de la República Argentina (INDEC)." (art. 40, bis). E, "Las sumas que el proveedor pague al consumidor en concepto de daño directo determinado en sede administrativa serán deducibles de otras indemnizaciones que por el mismo concepto pudieren corresponderle a éste por acciones eventualmente incoadas en sede judicial."

No capítulo XII firmou-se regras administrativas de aplicações de sanções aos fornecedores infratores das disciplinas, ao encargo da Secretaria do Comércio Interior.

A partir do artigo 52, a Lei argentina preocupou-se com as ações judiciais. Há as ações individuais e as "Acciones de incidencia colectiva", com legitimidade conferida a "Las asociaciones de consumidores y usuarios constituidas como personas jurídicas reconocidas por la autoridad de aplicación, están legitimadas para accionar cuando resulten objetivamente afectados o amenazados intereses de los consumidores o usuarios, sin perjuicio de la intervención de éstos prevista en el segundo párrafo del artículo 58 de esta ley." (art. 55)

Como regras dirigentes, fixou-se a existência de planos orientativos ao consumidor, ao encargo do Estado.

E, nas disposições finais, lançou-se expressamente que a lei estaria fora do alcance dos transportes aéreos, pois a estes se aplicariam o código aeronáutico e os tratados internacionais.

4.1.2. O Paraguai e a Lei nº 1.334/98

De plano, a lei paraguaia assentou que a perspectiva é proteger a dignidade, saúde, segurança e o interesse econômico dos consumidores e usuários, cujas regras são impassíveis de renúncia, transação ou limitação convencional, sobrepondo-se a todas as outras leis.

Nos moldes da legislação argentina, porém com maior cuidado quanto às definições, o art. 5º. ocupou-se em definir quem é consumidor, fornecedor, produtos, serviços, anunciantes, atos de consumo, consumo sustentável, contratos de adesão e interesse coletivo.

E, tal como a legislação argentina, excluiu da incidência da lei os profissionais liberais.

Merece destaque a definição de consumo sustentável, tido como ato humano destinado a satisfazer as necessidades humanas, realizadas sem prejudicar a qualidade do meio ambiente e a capacidade de satisfazer as necessidades das gerações futuras.

Os artigos 6º. e 7º. são bastante semelhantes ao do Código brasileiro, regulando os direitos básicos dos consumidores e determinando que os tratados internacionais podem ampliar esse rol.

Após, abriu-se capítulo sobre as informações a serem dadas ao consumidor. Não há nada de inovador se comparado às demais legislações, sendo certo que as regras são as mesmas daquelas previstas na Argentina e no Brasil.

Outrossim, há capítulo específico para disciplinar os serviços públicos (arts. 17 a 23)

A partir do art. 24 houve regramento quanto às cláusulas abusivas. Neste sentido, o código paraguaio é mais amplo que o argentino, dispondo de cláusulas expressamente havidas por nulas, porém, inferiores às dispostas na lei brasileira.

Obrigou-se ao fornecedor, nas operações de crédito, a estipular os preços, prazos e demais verbas incidentes, sobretudo aquela de juros.

No artigo 35 e seguintes, previu-se normativas sobre a publicidade, muito semelhante às regras brasileiras.

Quanto à defesa em juízo, permitiu-se as ações individuais e coletivas, estas últimas ao encargo de associações de consumidores.

Como traço característico, no art. 51 criou-se uma série de sanções que poderão ser aplicáveis aos infratores das relações de consumo, a serem impostas em ações judiciais, sem prejuízo de outras cabíveis.

4.1.3. Uruguai: Lei 17.250/2000

A "ley de defensa del consumidor" uruguaia data de 17 de agosto de 2000. É, portanto, a mais recente das leis consumeristas dos países componentes do Mercosul.

Estabelece, de plano, tratar-se de norma de ordem pública, cujos casos omissos serão regulados pelo Código Civil uruguaio.

A definição de consumidor, tal como as demais legislações do bloco, parte da premissa que consumidor é todo destinatário final de produtos ou serviços.

No art. 3º. define o fornecedor como o desenvolvedor de atividade profissional, física ou jurídica, nacional ou estrangeira, privada ou estatal. E, por conseguinte, relação de consumo seria a relação jurídica entre um consumidor e um fornecedor.

No art. 6º. consta um rol de direitos básicos do consumidor, seguindo-se artigos que visam a salvaguarda da saúde e incolumidade física.

Desde o art. 12 criou-se as regras sobre a oferta em geral, sob o mesmo argumento jurídico da vinculação da proposta.

Interessante é a regra do art. 22, que estabelece expressamente as praticas consideradas abusivas nas ofertas, um sensível avanço em relação às regras argentinas e paraguaias.

Nos artigos 23 e seguintes têm-se a garantia contratual de produtos e serviços. Fala-se do certificado, no entanto não se traz prazos destas garantias. Logo, a lei uruguaia deixa ao critério das partes estabelecerem garantias contratuais. No entanto, no art. 37 está a previsão da caducidade da reclamação por vícios aparentes, concedendo-se prazo fatal de 30 (trinta) dias para produtos não-duráveis, e 90 (noventa) dias para produtos duráveis, seguindo-se à risca a disciplina do Código brasileiro.

Porém, a lei uruguaia é ainda mais feliz, pois, diferentemente da disciplina brasileira que não trouxe o prazo inicial quanto aos vícios ocultos, ensejando grande celeuma na doutrina sobre a contagem deste prazo, a lei uruguaia estabeleceu que os vícios ocultos devem evidenciar-se em 06 (seis) meses, a partir da onde inicia-se a contagem do prazo do art. 37.

Debaixo de boa técnica, a lei uruguaia também diferenciou a prescrição e decadência, prevendo como prazo prescricional para reclamação de danos 04 (quatro) anos.

O contrato de adesão está previsto no art. 28, sendo que o art. 30 trouxe o rol das cláusulas abusivas destes contratos. Porém, da forma como lançado no texto legal, parece fazer crer que as cláusulas abusivas são apenas aquelas dos contratos de adesão, não se estendendo aos demais tipos de contrato.

A responsabilidade civil por danos não está disciplinada no Código do Consumidor, pois a lei remete a solução do problema, de maneira expressa, ao Código Civil uruguaio.

Como parte final, tratou-se da organização administrativa da defesa do consumidor

4.1.4. A lei brasileira (lei 8078/90) como paradigma das demais legislações do Mercosul

A defesa do consumidor ocupa real destaque no ordenamento jurídico brasileiro. Tanto é assim que a própria Constituição Federal erigiu como direito fundamental do cidadão sua proteção, enquanto consumidor, por parte do Estado (CF, art. 5º., XXXII).

Outrossim, a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros, o princípio da defesa do consumidor (CF, art. 170, V). Neste passo, estabeleceu o constituinte, no artigo 48, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias – ADCT, o prazo de cento e vinte dias para que o Congresso Nacional elaborasse o Código de Defesa do Consumidor, a contar da promulgação da Constituição, que se deu em 1988. E, por conta disto, sobreveio a Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990, que dispôs sobre a proteção do consumidor e deu outras providências.

A lei brasileira de defesa do consumidor, verdadeiro microssistema [20], adota, indisfarçavelmente, um "modelo intervencionista estatal" [21], cujas principais inovações são:

Formulação de um conceito amplo de fornecedor, incluindo, a um só tempo, todos os agentes econômicos que atuam, direta ou indiretament, o mercado de consumo, abrangendo inclusive as operações de crédito e securitárias; um elenco de direitos básicos dos consumidores e instrumentos de implementação; proteção contra todos os desvios de quantidade e qualidade (vícios de qualidade por insegurança e vícios por inadequação); melhoria do regime jurídico dos prazos prescricionais e decadenciais; ampliação da hipótese de desconsideração da personalidade jurídica das sociedades; regramento do marketing; controle das práticas e cláusulas abusivas, bancos de dados e cobrança de dívidas de consumo; introdução de um sistema sancionatório administrativo e penal; facilitação do acesso á justiça para o consumidor; incentivo à composição privada entre consumidores e fornecedores, notadamento com a previsão das convenções coletivas de consumo.

E, se comparada com as demais legislações dos países membros do Mercosul, mostra-se muito mais avançada. Pois veja-se:

O conceito de consumidor é muito mais amplo. Pela lei brasileira, é consumidor o destinatário final do produto, mas, também, uma coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis (art. 2, parágrafo único), bem como todas as vítimas do evento (art. 17), e, inclusive, aquelas que ficaram meramente expostas ao evento danoso (art. 29).

O conceito de fornecedor também é mais alargado, embora as legislações argentinas e paraguaias tenham capítulo específico para tratar dos fornecedores públicos. No entanto, somente a legislação brasileira inclui o profissional liberal como "proveedor" de serviços típicos de uma relação de consumo (Art. 14, § 4º).

Ademais, é a única legislação que de maneira expressa contempla as instituições financeiras e securitárias como típicos serviços.

A sistematização da legislação brasileira também é melhor. Após cuidar de definir o consumidor, fornecedor, serviços e produtos, traz um vasto rol de direitos básicos do consumidor, com ênfase à proteção contra produtos potencialmente nocivos (arts 6º., 8º. ao 10).

Cuidou os artigos 12 a 19 da responsabilidade civil. Num primeiro momento, pelo fato (dano) da relação consumerista, e num segundo momento, pelo vício (defeito). Enquanto a legislação uruguaia, por exemplo, remete a solução do problema ao seu Código Civil, a brasileira estabeleceu a responsabilidade objetiva e estendeu a solidariedade aos vários tipos de fornecedores, como o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador, e no caso dos vícios, ao próprio comerciante.

Outrossim, o Código brasileiro é muito feliz quando diferencia os prazos decadenciais de reclamação e os prescricionais de propositura de ações válidas em relação aos danos. De certa forma copiado pela lei uruguaia, esta tem o mérito de solucionar melhor a questão dos vícios ocultos, enquanto a brasileira tem o merecimento de dispor de um prazo prescricional maior, de 05 (cinco) anos, contra 04 (quatro) anos da lei uruguaia.

Ademais, a lei brasileira é a única a prever expressamente a "desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica". Deste modo, o patrimônio dos sócios poderá responder pelas dívidas das sociedades que causaram danos ao consumidor, caso o patrimônio da pessoa jurídica não seja suficiente.

Todas as legislações dos países do bloco do Mercosul tratam da oferta como vinculante, incluindo a publicidade. No entanto, a legislação brasileira foi além, não só dispondo sobre isso, como também das cobranças de dívidas e dos órgãos de proteção ao crédito, no capítulo "práticas comerciais".

No tocante à proteção contratual, a lei brasileira é a mais extensa. Traz normas principiológicas e, após, um rol não exaustivo de cláusulas consideradas abusivas. A título de comparação, a lei argentina traça apenas normas principiológicas, e muito tênues; a legislação paraguaia é, neste passo, um pouco mais avançada, mas ainda muito distante da brasileira; e a legislação uruguaia deixa muito a desejar, estabelecendo cláusulas abusivas espcíficas para os contratos de adesão.

Respeitante à defesa do consumidor em juízo, o Código brasileiro é, ainda, muito mais avançado. Previu as ações individuais, com a possibilidade da inversão do ônus da prova em favor do consumidor. Porém, o que mais chama a atenção são as ações coletivas, que podem ser propostas por associações de proteção ao consumidor (como, de resto, previsto nas legislações paraguaia e argentina), mas também por entes estatais e, sobretudo, pelo Ministério Público.

Mais que isso, definiu os interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, criando a coisa julgada secundum eventus litis de acordo com cada um destes interesses. Talvez essa seja a mais avançada e destacada norma do Código brasileiro.

Há, também, um significativo rol de providências administrativas em relação aos fornecedores descumpridores das regras.

E, exclusivo da lei brasileira, estão inseridas regras de ordem criminal, inclusive com a criação de tipos penais específicos.

A lei brasileira, entretanto, poderia acrescentar algumas regras dispostas pelos seus vizinhos. Por exemplo, é extremamente interessante a possibilidade prevista na lei argentina de uma autoridade competente fixar uma multa em caso de danos causados ao consumidor, cujos valores poderão, posteriormente, ser abatidos da indenização efetiva.

Ademais, seria de bom tom albergar o princípio do consumo sustentável, de clara preocupação ambiental, tal como previsto na lei paraguaia.

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Sobre o autor
Jesualdo Eduardo de Almeida Júnior

advogado sócio do escritório Zanoti e Almeida Advogados Associados; doutorando pela Universidade Del Museo Social, de Buenos Aires; mestre em Sistema Constitucional de Garantia de Direitos; pós-graduado em Direito Contratual;pós-graduado em Direito das Relações Sociais; professor de Direito Civil e coordenador da pós-graduação da Associação Educacional Toledo (Presidente Prudente/SP), professor da FEMA/IMESA (Assis/SP), do curso de pós-graduação da Universidade Estadual de Londrina – UEL, da PUC/PR, da Escola Superior da Advocacia, da Escola da Magistratura do Trabalho do Paraná.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALMEIDA JÚNIOR, Jesualdo Eduardo. O Direito do Consumidor no Mercosul. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1956, 8 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11941. Acesso em: 26 abr. 2024.

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