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Acesso social à Justiça do Trabalho.

Um estudo sobre a necessidade de reforma da Justiça do Trabalho

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16/11/2008 às 00:00
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5. CONCLUSÃO

Do exposto, fica evidente que o movimento de acesso à justiça busca romper com os padrões tradicionais caracterizados pela indiferença positivista e pelo excesso de formalismos que criam obstáculos de naturezas diversas e, muitas vezes intransponíveis pela maioria dos jurisdicionados. Com efeito, o projeto de Florença, capitaneado por Mauro Cappelletti, demonstrou que muito se falava em justiça e jurisdição, mas pouca era a preocupação sobre a importância social do processo e sua efetividade.

Dessa constatação, após décadas de pesquisas e investigações, procurou-se enumerar as barreiras que impediam o acesso à justiça de modo a procurar soluções que pudessem afastar e minimizar, não somente a angústia do cidadão que teve o seu direito desrespeitado, mas também as desigualdades econômicas que o impediam acessar a justiça, por meio de um processo justo, barato (ou de graça) e célere.

A importância das obras desse projeto é inquestionável, visto que citada pelos principais processualistas brasileiros e que é percebível em pelo menos três diplomas legislativos de suma importância no que se refere aos interesses metaindividuais, aos juizados especiais e ao direito dos consumidores.

Também, a Reforma do Judiciário iniciada pelo pacto firmado pelos Presidentes dos três Poderes da República, que vem sendo cumprido por meio de mini-reformas do CPC, tem como eixo central a questão do acesso social à justiça, procurando simplificar procedimentos, criar juizados especiais e outras vias alternativas.

Em relação ao processo do trabalho o legislador brasileiro também se curvou a este movimento e, no ano de 2000 entraram em vigor duas leis: a de Nº. 9.9957/00 que adotou o procedimento sumaríssimo para causa cujo valor monetário não ultrapasse 40 salários mínimos e a de Nº 9.958/00 que criou as Comissões de Conciliação Prévia e instituiu definitivamente a possibilidade de execução por título extrajudicial na justiça do trabalho

A primeira, muito criticada no início, embora tenha sofrido o veto do Executivo naquela que seria a grande inovação no sistema recursal do processo do trabalho, qual seja, a restrição ao cabimento do recurso ordinário às hipóteses de violação literal de lei, contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho ou violação da Constituição da República, tem demonstrado que, sem ela, seria muito pior.

A segunda, também muito criticada quando de sua edição, não decolou e, assim como a possibilidade do uso da arbitragem regulamentada pela Lei 9.307/1996, parece que fadada a cair no esquecimento.

No ano de 2003, por meio do Decreto Nº 4.769/03, o Governo instituiu o Fórum Nacional do Trabalho (FNT) com composição tripartite e que, segundo consta no portal do Ministério do Trabalho e Emprego, conta atualmente com participação de 600 (seiscentos) representantes de trabalhadores, empregadores e governo, cuja finalidade é coordenar a negociação entre os representantes dos trabalhadores, empregadores e governo federal sobre a reforma sindical e trabalhista no Brasil e apresentar projetos de lei e de emendas à Constituição.

Passados cinco anos, a reforma sindical não saiu do papel e a reforma trabalhista nem no papel foi apresentada.

A necessidade desta introdução na parte conclusiva da pesquisa é essencial para comprovar que a necessidade de reforma no âmbito trabalhista não tem recebido, por parte do Congresso Nacional, a mesma receptividade que o processo civil tem recebido nos últimos anos. Os motivos, ao que tudo indica, é que a maioria das cadeiras do legislativo brasileiro ainda é ocupada por representantes da política liberal guiada pelo capitalismo.

Foi visto também que as mudanças necessárias na justiça do trabalho se devem ao aumento da demanda em virtude de aumento de competência e de razões exteriores. Aliás, é oportuno salientar que, somam-se a essas questões, o fato de que o cidadão brasileiro está sedento de justiça, e cada vez mais consciente de seu poder dentro da sociedade. Isso é importante para construção de uma ordem verdadeiramente democrática, visto que é imprescindível que o cidadão confie no direito e nas instituições. Assim, o Estado tem que estar sempre adiantado para dar conta de atender a tão grande demanda.

O primeiro passo para atendimento dessa demanda de forma que se mantenha a estabilidade do ordenamento democrático é, necessariamente, a existência de um Poder Judiciário aparelhado e com recursos financeiros que possam assegurar seu funcionamento pleno e suficiente.

Caminhando ao lado de um Poder Judiciário forte e independente, os órgãos de fiscalização e o Ministério Público do Trabalho, também fortes e estruturados, são essenciais para fazer com que o empregador respeite os direitos dos empregados, visto que trão certeza da punição em caso de descumprimento da lei. Assim, como ensina Renault (2008), quanto mais cumprimento da lei, menos processo; quanto menos processo, maior possibilidade de redução do seu prazo.

Também, não se pode deixar de ampliar e valorizar as questões a serem dirimidas coletivamente, seja reformando a legislação no que se refere ao modo de ser dos sindicatos dando-lhes, como ensinamento de Viana (2007), condições de, como o novo modo de ser das empresas, fragmentar e procurar em cada nicho do mercado os novos segmentos de trabalhadores, mas conservando-se inteiro.

Os passos seguintes ficam por conta do legislador que tem o dever Constitucional de, por meio de apresentação de projetos, votação e promulgação de leis, viabilizarem os instrumentos necessários a fim de que todos tenham acesso à justiça.

Portanto, a elaboração e adoção do código de processo do trabalho com regras e procedimentos claros, institutos próprios e eficientes é, ao lado da criação de Juizados Trabalhistas o modo mais dinâmico e plausível de se atender a esse anseio do jurisdicionado.

Ademais, a legislação trabalhista deve retomar o seu lugar de vanguarda e continuar a servir de modelo para as outras áreas de direito e não o contrário, como vem ocorrendo. Deve-se, pois, segundo Viana (2007), na esfera da justiça, lutar por estruturas ágeis, simples e democráticas que viabilizem de fato a efetivação do direito material e, no terreno do processo, defender fórmulas também ágeis, democráticas e simples, que valorizem, sobretudo, o acesso real do trabalhador à sentença do juiz.

Ultrapassadas essas questões, o trabalhador tem o direito de, individualmente, encontrar um poder judiciário simples e de participar de um processo justo, visto que, sendo a parte mais fraca, é indiscutível que necessita de proteção jurídica.

Aliás, no que se refere à proteção jurídica do trabalhador, a reforma trabalhista não pode deixar de enfrentar a questão de uma das características marcantes do Direito do Trabalho que é o "jus postulandi", ou seja, a capacidade postulatória da própria parte que pode agir no processo sem a assistência de um advogado, conforme preceitua o art. 791 da CLT. A classe dos advogados reivindica a extinção deste instituto sob a forte alegação de que é indubitável a importância da assistência jurídica para fins de equilíbrio da relação entre capital e trabalho. Com efeito, a mesma lei que reconhece a capacidade postulatória das partes, admite que o empregador se faça representar por um preposto que, na maioria das vezes, é uma pessoa preparada e especializada, enquanto que o trabalhador é obrigado a comparecer pessoalmente.

Entretanto, para resolver esta questão não se pode simplesmente revogar referido dispositivo legal sem uma contrapartida, sob pena de impedir o acesso à justiça daqueles trabalhadores que residem em locais que nem sequer possuem advogados, bem como daqueles cujas ações tenham baixo valor pecuniário para fins de percepção de honorários advocatícios, mas que é de vital importância para o obreiro. Também há causas cujo pedido não tem valor pecuniário em discussão, mas tão somente obrigações de fazer ou de não fazer e que não despertam interesses aos causídicos.

Assim, para a extinção do jus postulandi na justiça do trabalho cabe ao Estado e à sociedade colocarem à disposição do empregado meios de acesso gratuito à assistência jurídica de forma pluralista, por meio de Defensorias Públicas, ONG’s, assistências jurídicas de Universidades, sindicatos, convênios com a Ordem dos Advogados do Brasil, etc.

Ademais, os Juizados Especiais Cíveis e Criminais adotam referido instituto e, ao que tudo indica, está dando certo. Portanto outra hipótese a ser considerada é a adoção do jus postulandi apenas nas causas de competência exclusiva dos Juizados Especiais Trabalhistas.

Considerando a dificuldade de se aprovar uma emenda à Constituição para criação de Juizados Especiais Trabalhistas em razão de resistência de grupos corporativistas, volta-se, pois, à questão da autonomia do processo do trabalho, por meio de um código ou inserção de dispositivos ágeis e eficientes ao texto da CLT, como vem sendo realizado no código de processo civil.

Da teoria para a prática e resumindo para concluir, elencam-se as seguintes hipóteses de alterações na legislação processual do trabalho, para os fins pretendidos por meio desta pesquisa:

-Ficam submetidos ao procedimento sumaríssimo, os dissídios individuais cujo valor da causa não exceda a cem vezes o salário mínimo vigente na data do ajuizamento da ação, ou, conforme propõe o professor Luiz Otávio Linhares Renault, independente do valor, todos os dissídios que envolvam verbas referentes às relações de emprego.

-Emenda Constitucional autorizando a criação de Juizados Especiais Trabalhistas e de Câmara Recursais.

-Lei ordinária criando os Juizados e as Câmaras Recursais, para julgamento de causas relativas a verbas decorrentes de relação de emprego, cujo valor não exceda a trinta salários mínimos.

-Os Juizados Especiais não contarão com juízes leigos, podendo ser administrado e presidido por "Conciliador" nomeado pelo Presidente do Tribunal Regional entre os servidores do quadro de pessoal, analistas judiciários, ou, por meio de concurso público específico ou, ainda, por juízes substitutos.

-As Câmaras Recursais serão compostas por juízes de primeira instância e serão dividas por regiões, a cargo de cada Tribunal.

-Os embargos declaratórios meramente protelatórios não suspendem o prazo para interposição de recurso ordinário e ensejarão ao embargante multa de 10% sobre o valor da causa que deverá ser depositado à disposição do juízo como pressuposto de admissibilidade do recurso;

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- O recurso ordinário, no rito sumaríssimo, somente será admitido em caso contra sentença que viola texto literal de lei, jurisprudência sumulada dos Tribunais do Trabalho e ou a Constituição Federal;

-Os valores dos depósitos prévios para interposição de recursos, ordinário, de revista e posteriores, serão de, no mínimo o valor da condenação e no máximo sessenta vezes o salário mínimo para recurso ordinário e cem vezes o salário mínimo para recurso de revista ( conforme projeto de lei No No 4.734/0- Câmara dos Deputados);

-Será criado o cargo de Executor Judicial, nomeado pelo Presidente do Tribunal Regional, entre os servidores do quadro, analistas judiciários, com uma vaga em cada vara do trabalho, incumbindo-lhe a competência para, de ofício ou a requerimento das partes, despachar e decidir todas as questões referentes à fase de execução de débitos trabalhistas, bem como de execuções fiscais, incluindo-se às relativas às contribuições previdenciárias.

-Serão criadas duas vagas para assistentes de Executor Judicial, com funções comissionadas, a serem preenchidas por servidores do quadro nomeados pelo juiz titular da vara do trabalho.

-A execução será simplificada e, na forma do processo civil, será abolido o instituto da citação para pagar por meio de mandado. Tratando-se de procedimento do rito sumaríssimo e sendo líquida a sentença, o réu será intimado para ciência e, querendo, interpor recurso no prazo legal, bem como citado para pagar o débito em quinze dias após o trânsito em julgado, sob pena de multa de 10% (dez por cento) do valor da condenação e penhora de bens de sua propriedade. A intimação será na forma do enunciado 197 do TST ou, caso não se aplique, por intermédio do procurador e, não havendo, será por via postal. Sendo ilíquida a sentença, o réu será intimado a pagar somente após a homologação dos cálculos de liquidação.

-O Tribunal Superior do Trabalho instituirá um cadastro nacional de inadimplentes em processos trabalhistas.

-O recurso de revista somente será admitido para os fins de controle de legalidade da decisão ou para unificação da jurisprudência e será processado em autos apartados, de forma que os autos principais retornem à vara de origem para execução definitiva do julgado. Nesse sentido:

" A idéia geral consiste em seguir o modelo norte-americano de organização do judiciário: o processo se submeteria a duas instâncias. O recurso para os tribunais de terceiro grau, com o fim de controlar a legalidade ou a unificação da jurisprudência só teria efeito devolutivo, não suspendendo a execução do julgado. O caso concreto se limitaria a duas instâncias. A questão de direito, que surge quando se recorre para os tribunais de terceira instância, recurso de revista para o TST e recurso especial para o STJ, principalmente, com intuito de unificar a jurisprudência e a violação da lei, está fora do caso concreto, não pode paralisar-se. A execução é definitiva a partir do segundo julgamento, esgotando-se aqui a prestação jurisdicional de interesse das partes."

Para finalizar, é importante frisar que as mudanças sugeridas na presente pesquisa são clamadas por todos juslaboralistas, como forma de acompanhar o dinamismo deste tempo chamado de pós-moderno e de manter o processo do trabalho, como deve ser, o mais célere possível.

Entretanto, não é demais repetir, que a Justiça do Trabalho no Brasil tem demonstrado desde a sua criação, em 1945, que se trata de uma instituição séria, responsável, eficiente e produtiva, não obstante as investidas agressivas que tem sofrido, havendo-se, inclusive, quem apregoasse pela sua extinção. Também é importante frisar que, quando se faz referência à Justiça do Trabalho ou a qualquer outra, embora a primeira imagem que vem a mente é a do juiz, deve-se lembrar do quadro de servidores qualificados que a compõe.

Contudo, esta ressalva não tem o intuito de tirar o mérito dos juízes do trabalho. Pelo contrário, serve para reforçar a afirmação de que são responsáveis e competentes. O fato de delegação de algumas atividades se deve ao excesso de demanda de tarefas.

Nesta linha, é oportuno finalizar o presente trabalho com o seguinte trecho de um artigo publicado por dois Juízes do Trabalho da 5ª. Região:

"Não estamos a afirmar ser perfeita a Justiça do Trabalho no Brasil. Com efeit, esta lida com enorme dificuldade para promover e distribuir justiça. Somente para enumerar algumas: a ausência do Código do Trabalho ( a nossa CLT data de 1943), a falta do Código de Processo do Trabalho, a redução sistemática do orçamento a gerar dificuldades materiais e com pessoal e o crescente número de reclamações trabalhistas em face do desemprego que assola o País.

A magistratura trabalhista trabalha muito.[...] No procedimento sumaríssimo, numa única audiência o processo tem início e fim. Com efeito, o juiz recebe a defesa da parte, oportuniza a manifestação dos litigantes sobre documentos, ouve partes e testemunhas, encerra a instrução processual, prolata a sentença ou, pela quantidade de processos em pauta, deixa o processo concluso para julgamento, o que ocorrerá em curtíssimo prazo.´[...]

Concluindo, é preciso destacar que a Justiça do Trabalho representa para o trabalhador brasileiro, e também para o empregador, rara oportunidade de resgatar a Cidadania. Cidadania tantas vezes aviltada por atuação de uma sociedade prenhe de desigualdades, cheia de injustiças e varrida por teorias urdidas para deixar o trabalhador brasileiro ao desabrigo da lei. Quando todos os recursos parecem faltar, é aqui, às portas do Judiciário Trabalhista, que os agentes sociais vão bater. Longe de ser perfeita, a Justiça do Trabalho cumpre o seu relevantíssimo papel social. Se a muitos não agrada, é sinal de que está a atingir a sua finalidade.

E dela muito nos orgulhamos.

São estes os registros que ficam para reflexão do leitor." Grifei (JÚNIOR E STERN, 2001).

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Sobre o autor
Éder Ângelo Braga

Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BRAGA, Éder Ângelo. Acesso social à Justiça do Trabalho.: Um estudo sobre a necessidade de reforma da Justiça do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1964, 16 nov. 2008. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/11977. Acesso em: 23 abr. 2024.

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