Resumo
Pretende-se, neste artigo, sustentar a relevância do Jus Postulandi para o jurisdicionado hipossuficiente, em especial no processo do trabalho, como maneira de ter preservada a garantia fundamental de acesso à justiça, princípio basilar do Estado Democrático de Direito insculpido em nossa Constituição Federal de 1988. Em destaque, as razões pelas quais entende-se que o instituto deve permanecer em nosso ordenamento jurídico, por seus fundamentos constitucionais e infra-constitucionais, como demonstram dados estatísticos e experiências práticas quanto à sua aplicação. Ainda demonstrar-se-a que o Jus Postulandi proporciona ao cidadão acesso mais simplificado ao órgão do Judiciário e que, tal iniciativa, é tendência universal.
Palavras-Chave: Jus Postulandi. Justiça do Trabalho. Garantia fundamental. Acesso à Justiça.
1 INTRODUÇÃO
O Jus Postulandi é a capacidade postulatória da própria parte, ou seja, a capacidade de demandar ou defender-se em juízo sem a necessidade de advogado.
O referido instituto é alvo de severas críticas por parte de alguns operadores do direito, especialmente por profissionais da advocacia, que defendem sua extinção do ordenamento jurídico brasileiro.
Algumas são as razões alegadas para tanto, mas o ponto alto da argumentação seria que o exercício dessa faculdade processual retira da parte, de certa forma, o direito de usufruir efetivamente a ampla defesa e o contraditório, vetores trazidos pela Constituição Federal de 1988, já que, a partir da promulgação desta, o profissional da advocacia passou a ser "indispensável para a administração da justiça".
Todavia, existem situações em que o cidadão carente, mesmo desejando ter sua demanda assistida por um advogado, não encontra profissional que aceite o patrocínio por ser o valor do crédito buscado no Judiciário pequeno, o que influencia diretamente no percentual a ser percebido como verba honorária. Em tais casos, imprescindível o mencionado instituto, como maneira de preservar o direito do cidadão de ver seu processo apreciado pela Justiça do Trabalho.
2 CONCEITUAÇÃO
De acordo com o renomado juslaboralista Délio Maranhão, "o Jus Postulandi é o direito de praticar todos os atos processuais necessários ao início e ao andamento do processo: é a capacidade de requerer em juízo".[1]
Em nosso ordenamento jurídico, o Jus Postulandi está presente em algumas situações, proporcionando à parte demandar em juízo sem advogado, haja vista ser ela própria detentora de capacidade postulatória, pressuposto de existência da relação processual.
Exemplo a ser citado é o processo penal, com referência aos institutos da revisão criminal e do habeas corpus (arts. 623 e 654 do CPP), em que é possível que o sentenciado e o paciente deduzam, por si sós, sua pretensão em juízo.
De igual modo, perante os Juizados Especiais dos Estados, regidos pela Lei nº 9.099/95, e os Juizados Especiais Federais, criados pela Lei nº 10.259/01, pode o jurisdicionado fazer uso do Jus Postulandi, in verbis:
Art. 9º Nas causas de valor até vinte salários mínimos, as partes comparecerão pessoalmente, podendo ser assistidas por advogado; nas de valor superior, a assistência é obrigatória. (LEI nº 9.099/95).
[...]
Art. 10. As partes poderão designar, por escrito, representantes para a causa, advogado ou não. (LEI 10.259/01).
3 JUS POSTULANDI NA JUSTIÇA DO TRABALHO: BREVE HISTÓRICO E PREVISÃO LEGAL
Considerado pela maioria da doutrina princípio do Direito Processual do Trabalho, o Jus Postulandi surgiu como elemento facilitador do acesso do trabalhador ao órgão estatal responsável pela proteção de seus direitos trabalhistas, visto que sempre foi a parte mais frágil na relação jurídica laboral.
Ao assumir o poder, dada sua política de características populistas e paternalistas voltadas ao trabalhador, Getúlio Vargas, no início da década de 30, criou o Ministério do Trabalho. Na tentativa de buscar solução para os conflitos trabalhistas, o governo provisório de Vargas instituiu as Comissões Mistas de Conciliação para os conflitos coletivos e as Juntas de Conciliação e Julgamento (JCJ) para os individuais.
As Comissões Mistas eram somente órgãos conciliadores, sem poder impositivo. Já as JCJs eram órgãos administrativos, sem caráter jurisdicional, mas que podiam impor a solução do conflito sobre os litigantes, sendo compostas de representantes indicados pelos sindicatos. Não tinham, contudo, atribuição para executar suas decisões, o que ficava a cargo dos Procuradores do Departamento Nacional do Trabalho (DNT), que iniciavam a execução junto à Justiça Comum.
Aos empregados sindicalizados era possível fazer uso do Jus Postulandi perante as Juntas. Isso para fomentar a sindicalização dos trabalhadores. Os demais deveriam levar a suas demandas à apreciação da Justiça Comum, procedimento mais complexo.
Ainda na Era Vargas, instituiu-se a Legislação Trabalhista de Base, que, em 1943, foi unificada, sendo daí concebida a Consolidação das Leis do Trabalho(CLT).
O Jus Postulandi, como faculdade do processo do Trabalho, foco principal deste artigo de opinião, está previsto na CLT, em seu art. 791, in verbis: "Art. 791 - Os empregados e os empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas reclamações até o final".
Também no art. 839 do texto consolidado, observa-se a faculdade ao jurisdicionado, SENÃO, VEJA-se:
Art. 839 - A reclamação poderá ser apresentada: a) pelos empregados e empregadores, pessoalmente, ou por seus representantes, e pelos sindicatos de classe omissis [...].
4 JUS POSTULANDI EM OUTROS PAÍSES: SIMPLICIDADE DO PROCESSO COMO TENDÊNCIA UNIVERSAL
A título de curiosidade, buscou-se saber sobre a presença do Jus Postulandi em ordens jurídicas de outras nações. Em interessante artigo em defesa do instituto, de autoria do Desembargador Antônio Álvares da Silva, Ouvidor do TRT da 3ª Região, encontra-se amplo material a respeito, do qual pede-se vênia para reproduzir alguns trechos:
O parágrafo 11 da Lei Alemã de Processo do Trabalho permite a condução pessoal do processo pela própria parte, facultando-lhe ainda a representação por sindicato de empregado e empregador ou por instituições formadas da junção delas, mediante previsão em estatuto ou procuração específica para esse fim.
O Código de Processo do Trabalho Português, nos artigos 2 e 3, também permite a reclamação pessoal.
Do mesmo modo, a Ley de Procedimiento Laboral da Espanha:
[...]
CAPITULO II
De la representación y defensa procesales
Artículo 18.
1. Las partes podrán comparecer por sí mismas o conferir su representación a Procurador, Graduado Social colegiado o a cualquier persona que se encuentre en el pleno ejercicio de sus derechos civiles. La representación podrá conferirse mediante poder otorgado por comparecencia ante Secretario judicial o por escritura pública.
2. En el caso de otorgarse la representación a Abogado deberán seguirse los trámites previstos en el artículo 21.3 de esta Ley.
Na França, perante a jurisdição dos Conseil dês Prud''hommes, as partes podem
fazer-se representar por empregados ou empregadores da mesma categoria profissional ou econômica, por delegados das organizações sindicais e, ainda, voluntariamente por advogado.
No livro European Labour Courts: Current Issues, em que se examinam aspectos processuais e técnicos das ações sobre dispensa de empregados em sete países (Dinamarca, Finlândia, Alemanha, Israel, Noruega, Espanha, Suécia e Reino Unidos), vê-se que as partes reclamam pessoalmente ou são representadas por organizações sindicais. Em nenhuma se menciona a necessidade obrigatória do advogado.
A Ley Federal do Trabajo mexicana diz, em seu artigo 375, que:
Los sindicatos representan a sus miembros en la defensa los derechos individuales que les correspondan, sin perjuicio del derecho de los trabajadores para obrar o intervenir directamente, cesando entonces, a petición del trabajador, la intervención del sindicato..
No mesmo sentido o art. 470 do Código de Trabalho da República Dominicana também assegura o Jus Postuland pela parte. A Lei 18.345, da Argentina, legitima o exercício do direito de postular sozinho, no art. 35, impondo aos empregadores que, sendo pessoas jurídicas, sejam representados por diretores, sócios, gerentes e altos empregados.
Nota-se que o interesse de tornar o processo procedimento menos formal, mais célere, acessível diretamente às partes, é tendência moderna e universal.
Ensina o professor Bebber(1997,p.131):
Os antigos não sentiam necessidade de simplificar o processo porque entendiam como antagônicos o conceito de justiça e ausência de ritualismos processuais.
Contudo, sendo o direito uma ciência social que assimila o próprio tecido social, torna-se imperioso que evolua no tempo e no espaço, acompanhando a evolução da própria sociedade. Tudo o que acontece quotidianamente entre os homens em sociedade interessa ao direito e se reflete em princípios e regras de observância obrigatória.
O passar dos tempos e a evolução das relações sociais, sobretudo na presente era da informática (computador, fac-símile, internet, telefonia celular), obriga o direito a evoluir, não mais sendo compreensível tramitação processual com certos ritualismos desnecessários. O ritmo de vida atual não admite mais o direito intocável, endeusado, sacralizado, reverente a ritualismos que lhe imprimem velocidade reduzida, formalismos paralisantes e asfixiantes burocracias. [2]
Exemplo são os Juizados Especiais, que foram criados no Brasil, há poucos anos, a partir de tais premissas e contando com procedimentos bem mais simplificados.
Atente-se ainda para a inserção, no rol de Direitos e Garantias Fundamentais, do inciso LXXVIII do art. 5º da Carta da República, comando este introduzido pela emenda constitucional nº 45/2004, que ficou conhecida como Reforma do Judiciário. Não foi sem razão que surgiu a preocupação do legislador de garantir meios para tornar menos moroso o tramitar do processo:
"Art. 5º: [...] LXXVIII a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação"(grifo nosso).
De forma sábia, O processo do trabalho, em nosso país, sempre perquiriu esse objetivo, desde a introdução da CLT, na década de 40, sendo o princípio da simplicidade uma de suas bases de sustentação.
5 JUS POSTULANDI E O ART. 133 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
A partir da promulgação da Constituição Federal de 1988, no art. 133, o profissional da advocacia foi reconhecido pelo legislador constituinte como figura indispensável à administração da justiça, nos termos a seguir:
"Art. 133. O advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".
Desde então, veio à tona polêmica entre os operadores do Direito, quanto à continuidade da vigência do Jus Postulandi em nosso ordenamento jurídico.
Sobre a celeuma, o constitucionalista José Afonso da Silva, na época, asseverou: "[...] o princípio da essencialidade do advogado na administração da Justiça é agora mais rígido, parecendo, pois, não mais se admitir postulação judicial por leigos, mesmo em causa própria, salvo falta de advogado que o faça". [3]
Não demorou muito e o debate sobre a sobrevivência do Jus Postulandi foi levado, em 1990, até o Supremo Tribunal Federal, que deu, incidentalmente, interpretação constitucional ao instituto, ao rejeitar, por unanimidade, a preliminar de ilegitimidade de parte argüida contra o reclamante, por postular em juízo sem advogado (Habeas Corpus nº 67.390-2, dj 06.04.1990).
Embora tivesse se instaurado discrepância quanto ao tema, a doutrina e a jurisprudência trabalhista sempre se posicionaram favoráveis à vigência do Jus Postulandi, em face do art. 133 da CF, conforme se verifica pela ementa a seguir transcrita:
Honorários advocatícios. A Constituição Federal, em seu artigo 133, apesar de mencionar que o advogado é indispensável à administração da Justiça, não quis acabar com o Jus Postulandi admitido pela Consolidação das Leis do Trabalho. Este, para ser revogado, necessita de lei específica que aborde a questão, sob a proteção dos princípios trabalhistas (Acórdão unânime) TST 1a T. (RR 65.070/92.7), REL. MIN. URSULINO SANTOS, DJU 19.11.1993, p. 24.753).
6 Estatuto da Advocacia em face do Jus Postulandi
A controversa sobre a possível revogação tácita do Jus Postulandi intensificou-se com a entrada em vigor do atual Estatuto da Advocacia e da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, Lei n° 8.906/94, que dispõe:
"Art. 1º São atividades privativas de advocacia:
I - a postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário e aos juizados especiais; omissis [...]" (grifo nosso).
Carrion (1998, p.601), comentando o tema, fez importante defesa do Jus Postulandi, ao passo que teceu ainda duras críticas ao referido diploma:
O Estatuto da Advocacia pretendeu tornar privativa dos causídicos a postulação perante qualquer órgão do Poder Judiciário, inclusive os Juizados Especiais.
O texto estarreceu o país, corporativista, atraiu contra si a opinião pública e proporcionou a prevalência da interpretação contrária: o Jus Postulandi permanece; o Estatuto quis atingir até o que há de mais moderno, inovador e social na administração de Justiça do Brasil, os Juizados de Pequenas Causas [...]. [4]
O Excelso Supremo Tribunal Federal, apreciando a ADIN 1127-8, inicialmente em medida liminar, suspendeu a eficácia, dentre outros dispositivos, do inciso I do art. 1º da lei em comento. Veja-se, pois, trecho da ementa relativa à liminar:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ESTATUTO DA ADVOCACIA E DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - Lei 8906 /94. Suspensão da eficácia de dispositivos que especifica.
[...]
MEDIDA LIMINAR. Interpretação conforme a suspensão da eficácia até final decisão dos dispositivos impugnados, nos termos seguintes : Art. 1º, inciso 00I - postulações judiciais privativas de advogado perante os juizados especiais. Inaplicabilidade aos Juizados de Pequenas Causas, à Justiça do Trabalho e à Justiça de Paz. (ACÓRDÃO, DJ 29.06.2001).
Mais recentemente, em maio de 2006, ao julgar o mérito dessa ADIN, a Suprema Corte, em decisão final constante de acórdão pendente de publicação até este momento, por maioria de votos, julgou procedente a ação quanto à expressão "qualquer", constante do inciso I do art. 1º do Estatuto da Advocacia e da OAB, concluindo pela prescindibilidade de advogados nos Juizados Especiais e na Justiça do Trabalho.
7 DEFENSORIA PÚBLICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO
É importante ressaltar que a Carta Magna de 1988 também elevou a Defensoria Pública a instituição essencial à função jurisdicional do Estado, in verbis:
"Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV.)"
Em outras palavras: é dever da Defensoria Pública prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos, como forma de atender preceito constitucional ( LXXI, art. 5º).
Ao se examinar o que dispõe a Lei Complementar nº 80/94, que organiza a Defensoria Pública da União, tem-se que há competência para atuação perante a Justiça Laboral, veja-se: "Art. 14. A Defensoria Pública da União atuará nos Estados, no Distrito Federal e nos Territórios, junto às Justiças Federal, do Trabalho, Eleitoral, Militar, Tribunais Superiores e instâncias administrativas da União (grifo nosso)".
Entretanto, mesmo havendo expressa previsão de atuação da Defensoria Pública da União junto ao Judiciário Trabalhista, reconhecida, inclusive, em sua lei orgânica, isso não ocorre de fato, o que traduz-se num grave desrespeito à Constituição Federal.
Ora, é justamente neste ramo do Judiciário que se deveria dar prioridade à implementação de uma Defensoria Pública atuante, uma vez que na Justiça do Trabalho são colocados à apreciação créditos de natureza alimentar, resultado de força de trabalho já despendida pelo empregado, via de regra hipossuficiente, mas que ainda se encontra sem contraprestação da parte do empregador.
8 Percalços do jurisdicionado hipossuficiente na JT
Em razão de não haver atuação da Defensoria Pública junto à Justiça do Trabalho, nos casos em que o cidadão não reúne recursos financeiros suficientes para a contratação de um profissional (realidade da grande maioria), deveria o Estado suprir essa deficiência, custeando o pagamento de advogados particulares como forma de assegurar aos cidadãos amplo acesso à Justiça.
No entanto, se o jurisdicionado, tipicamente hipossuficiente no âmbito jurídico e econômico, fizer a opção de lançar mão dos serviços de um advogado para patrocinar sua causa na Justiça do Trabalho, terá, em regra, que dispor de parte do seu crédito para custear seu patrono, o que é deveras injusto.
Noutros termos, vê-se na prática a aplicação da máxima muito utilizada pela doutrina: o capital se sobressai ante o trabalho. O empregador apodera-se da força de trabalho, transformando-a em lucro, enquanto ao empregado resta o sacrificante caminho de ingressar no Judiciário e dispor de parcela do seu crédito para arcar com a contratação de advogado, objetivando o recebimento por um serviço que já realizou.
Isso acaba sendo necessário, principalmente por conta da inexistência de previsão legal para condenação em verba honorária advocatícia pelo sucumbente naquela Justiça Especializada. Exceção existe, todavia, no que diz respeito aos reclamantes assistidos pelos sindicatos, na forma da lei nº 5.584/70. Nestas circunstâncias, está prevista a condenação, in verbis:
"Art 16. Os honorários do advogado, pagos pelo vencido, reverter-se-ão em favor do Sindicato assistente".
No mesmo sentido é o entendimento sumulado pelo Egrégio Tribunal Superior do Trabalho:
Súmula nº 219- HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. HIPÓTESE DE CABIMENTO (Incorporada a Orientação Jurisprudencial nº 27 da SBDI-2) - Res. 137/05 - DJ 22, 23 e 24.08.2005).
I - Na Justiça do Trabalho, a condenação ao pagamento de honorários advocatícios, nunca superiores a 15% (quinze por cento), não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do salário mínimo, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família (ex-Súmula nº 219 - Res. 14/1985, DJ 19/09/1985).
Há pouco tempo, surgiu outra hipótese em que se vislumbra possível a condenação em honorários advocatícios ao litigante sucumbente. Tal situação veio com a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, trazida pela emenda constitucional nº 45/2004. É que, com a nova redação conferida ao art. 114 da Constituição Federal, os conflitos oriundos das relações de trabalho lato sensu, antes afetos à Justiça Comum, passaram a ser dirimidos pelo Judiciário Trabalhista e passíveis de aplicação do disposto no art. 20 do Código de Processo Civil, que trata da condenação do sucumbente nos honorários advocatícios.
O próprio Tribunal Superior do Trabalho, por meio da Instrução Normativa 27/2005, que dispõe sobre normas procedimentais aplicáveis aos processos, em virtude da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, tratou de regulamentar o tema, nos termos a seguir: "Art. 5º Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência".
Por conseqüência da referida normatização, chega-se à conclusão de que, nas lides resultantes da ampliação da competência da Justiça Laboral, não se aplica o Jus Postulandi, exatamente pela possibilidade da condenação do vencido nos honorários advocatícios.
Ratificando tal entendimento, o Procurador do Trabalho e Professor Renato Saraiva, citado por Sarro e Malfatti(2007,s/p), assevera:
[...] após a EC 45/2004[...] o Jus Postulandi da parte é restrito às ações que abrangem relação de emprego, não se aplicando às demandas que envolvem relação de trabalho distintas da relação empregatícia. Logo, em caso de ação trabalhista que se refira à relação de trabalho não subordinado, as partes deverão estar representadas por advogados, a elas não se aplicando o art. 791 da CLT, restrito a empregados e empregadores. [5]
Como solução jurídica para a ausência de base legal que suporte a condenação na verba honorária advocatícia na Justiça do Trabalho, via de regra e não apenas excepcionalmente, há quem defenda a aplicação do art. 389, c/c 404 do Código Civil [11], com a finalidade de que o causador do dano não deixe de ser responsabilizado quanto ao ressarcimento da parte contrária pelos gastos despendidos na contratação de advogado à defesa técnica de seus interesses. Do contrário, seria continuar corroborando com o enriquecimento sem causa por parte de quem gerou o ato danoso. Esse direito não decorre da sucumbência, mas sim do adimplemento em tempo e modo devidos da obrigação pelo devedor.
Algumas cortes trabalhistas já encampam a tese. Veja-se:
O reclamado, segundo o princípio revitalizado pelo Novo Código Civil, deve ressarcir todas as despesas que a autora teve para o ingresso da presente ação, e essas despesas não podem representar redução das verbas trabalhistas a que o trabalhador faz jus. Entendo, por isso, que a recorrente deve pagar à recorrida os honorários advocatícios. Por isso, dou provimento ao recurso, nesse tópico, para acrescer à condenação o pagamento de honorários advocatícios de 15% sobre o valor total da condenação". (TRT da 12ª Região) RO n. 00393-2003-011-12-00-0, 2ª T, Relator: Juiz Roberto Basilone Leite.
HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – DEVIDOS – INADIMPLEMENTO DE OBRIGAÇÃO TRABALHISTA – LIDE DE RELAÇÃO DE EMPREGO OU DE TRABALHO.
I - Hodiernamente, na Justiça do Trabalho, também são devidos honorários advocatícios pelo inadimplemento de obrigação trabalhista, por aplicação subsidiária dos arts. 389 e 404 do novo CC/02, cuja inovação deve ser prestigiada, como forma de reparação dos prejuízos sofridos pelo trabalhador, que, para receber o crédito trabalhista, necessitou contratar advogado às suas expensas, causando-lhe perdas.
II - Reforça esse entendimento o fato de que, com o advento da EC 45/2004, a competência da Justiça do Trabalho alcança as ações de mera relação de trabalho, donde, além dos honorários advocatícios por inadimplemento obrigacional (material), cabem também os honorários advocatícios sucumbenciais (processual), a teor da IN-47/2005 do C. TST.
III - A concessão de honorários advocatícios por descumprimento de obrigação trabalhista vem ao encontro do novo paradigma da Justiça do Trabalho, que abriu a sua Casa para atender a todos os trabalhadores, empregados ou não, independentemente de se tratar de uma lide de relação de emprego ou de mera relação de trabalho. IV - De sorte que a reclamada deve responder pelos honorários advocatícios a fim de que a reparação do inadimplemento da obrigação trabalhista seja completa, isto é, a reparação deve incluir juros, atualização monetária e ainda os honorários advocatícios, cujo ideal está em perfeita sintonia com o princípio fundamental da proteção ao trabalhador. Honorários advocatícios de inadimplemento devidos a favor do trabalhador (não se trata de honorários de sucumbência). Sentença mantida (TRT 15ª Região. – RO 00924-2004-028-15-00-1 – (53184/2005) – 6ª T. – Rel. Juiz Edison dos Santos Pelegrini – DOESP 04.11.2005)
Pois bem. O calvário do obreiro que necessita bater às portas da Justiça Laboral não termina por aí. Se não bastasse a injustiça de ter de abrir mão de percentual de seus direitos para contratar um advogado, em razão da omissão do Poder Executivo Federal, que descumpre a Constituição do País ao não estruturar a Defensoria Pública na Justiça do Trabalho, em algumas ocasiões, ainda é surpreendido com a recusa de certos profissionais da advocacia em patrocinar a sua causa.
Isso ocorre pelo simples fato de o objeto da demanda, nestes casos, tratar-se de crédito de pequeno valor, o que, por conseqüência, resultará num percentual também considerado baixo a título de honorários, visto que é o valor da causa base de cálculo para a verba do profissional.