12 JUS POSTULANDI NAS INSTÂNCIAS SUPERIORES
Divergências também existem com relação ao cabimento do Jus Postulandi em todas as instâncias da Justiça do Trabalho. Pela interpretação extraída do art. 791 da CLT, vê-se que o texto legal permite que empregados e empregadores acompanhem pessoalmente suas reclamações até o final. Ou seja, até a última instância do Judiciário Trabalhista: o TST.
Entretanto, esse não é o entendimento que prevalece No Colendo Tribunal Superior do Trabalho, pelo menos até então. Veja-se:
JUS POSTULANDI – RECURSO – ATO PRIVATIVO DE ADVOGADO – LEI n.º 8.906/94 – A simples personalidade jurídica ou capacidade de ser parte não são suficientes para autorizar o exercício, por si, de atos processuais próprios e especificados em lei, privativos de advogados. O disposto no art. 791 da CLT, Jus Postulandi, concede, apenas o direito de as partes terem o acesso e acompanharem suas reclamações trabalhistas pessoalmente, nada mais. Uma vez ocorrido o acesso, o juiz fica obrigado por lei (art. 14 a 19 da Lei n.º 5.584/70) a regularizar a representação processual. Nos termos do art. 1º da Lei n.º 8.906/94, o ato de recorrer é privativo de advogado" (TST – AG-E-RR 292.840/1996-1 – SBDI1 – Rel. Min. Francisco Fausto – DJU 12.03.1999).
Porém, verifica-se que o principal suporte legal do aresto acima é o art 1º da Lei nº 8906/94, julgado inconstitucional pelo STF, quanto ao fato de prever a postulação em juízo como ato privativo de advogados (ADIN 1127-8, mencionada no item 6). Após o julgamento da ação (liminar jun. 01 e mérito mai. 06), não se tem conhecimento de nenhum julgado do TST reformulando esse entendimento.
Bebber, até o pronunciamento do STF na referida ADIN, sustentava que o Jus Postulandi não mais persistia em nosso ordenamento jurídico. Doravante: "Admitida, então, a postulação pessoal, cumpre assinalar não ser ela restrita ao primeiro grau de jurisdição. Abrange todas as fases recursais, exceto a do recurso extraordinário, por exorbitar da jurisdição trabalhista". [10]
Convém esclarecer que o principal argumento para se asseverar a impossibilidade do Jus Postulandi nas instâncias superiores seria a complexidade processual para praticar o ato. Para os que defendem esta tese, impossível a parte conduzir sozinha o processo até a sentença de mérito, muito menos nas etapas seguintes, especialmente na fase recursal.
O Desembargador Antônio Álvares da Silva traz brilhante solução para o que conceitua "dificuldade aparente" e refuta tal argumento:
Ora, tais aparentes dificuldades podem ser supridas quando não houver advogado. Basta que se cumpra a justa e correta proatividade do juiz, permitida no art. 765 da CLT, que tem o poder de conduzir o processo e velar por seu rápido andamento, determinando, quando a parte pessoalmente não o fizer, todas as providências necessárias ao esclarecimento dos fatos.
Isso, longe de retirar-lhe a imparcialidade, reforça-a, pois uma sentença só pode ser justa se basear em fatos corretamente apurados. Acertar a matéria controversa não significa beneficiar ou prejudicar as partes, mas simplesmente verificar o que concretamente aconteceu. As providências que o juiz toma neste caso não são em favor ou em prejuízo das partes, mas exclusivamente em prol da verdade fática, de que ele precisa para bem sentenciar.
[...]
Se o cidadão vai ao Juiz e lhe relata o fato, tem este a obrigação de dar-lhe forma e conteúdo jurídico, atendendo-o na pretensão de Justiça. Vem desde os romanos a velha parêmia que resistiu ao tempo e foi confirmada pelos séculos: da mihi factum, dabo tibi jus. Isto significa que o fato é da parte, mas o direito a ele correlato é do Juiz. Aliás, é esta sua função primordial".
Como maneira de ilustrar a tese que defende, O nobre Desembargador ainda direciona agudas críticas ao privilégio processual conferido à Fazenda Pública, quanto ao fato de terem automaticamente recorridas as sentenças que lhes são desfavoráveis (recurso ex-ofício/ remessa necessária).
Para ele, trata-se de absurdo inconcebível dentro da moderna técnica processual, pois quebra a igualdade das partes, criando um privilégio injustificável justamente ao Estado, que, por natureza, já é mais forte no processo:
Por que tal privilégio não se estende também ao trabalhador que reclama pessoalmente? Aqui, sim, seria justa a medida porque o ordenamento jurídico estabelece a igualdade entre as pessoas por meio de vantagens jurídicas compensatórias, que reforçam a posição de uma em relação à outra.
E arremata:
Se o legislador fortalece o Estado, desigualam-se as partes. Se fortalece o empregado, promove exatamente a igualdade entre elas. Por meio de desigualdades é que se obtém a igualdade verdadeira. Desiguala-se para igualar.
Se o reclamante sucumbiu, nada mais justo e normal do que submeter ao duplo grau de jurisdição o caso, para que a instância superior o examine novamente. Aqui teria efetivamente sentido o duplo grau obrigatório [16].
13 CONSIDERAÇÕES FINAIS
De tudo o que foi exposto, vê-se que o Jus Postulandi é um princípio de grande relevância social. Faculta ao interessado deduzir sua pretensão sem a assistência de advogado, o que não significa desprestígio, ou que a nobre atuação do profissional da advocacia seja de menos importância.
Cumpre dizer que a busca por um processo menos formal e mais simplificado é tendência universal que resulta em modernidade. O instituto em tela revela-se um veículo que retrata este escopo.
A omissão estatal em estruturar a Defensoria Pública perante a Justiça do Trabalho, aliada ao fato de não haver amparo legal para a condenação em honorários advocatícios ao vencido, como regra, no processo do trabalho, são algumas das dificuldades por que passa o trabalhador menos favorecido financeiramente quando necessita bater às portas do Judiciário.
Ademais, caso faça opção de demandar por intermédio de advogado, precisa, injustamente, extrair do seu próprio crédito alimentar os honorários para custear seu patrono, isso quando não é surpreendido pelo desinteresse de profissionais da advocacia em patrocinar sua causa, haja vista o valor do crédito ser considerado baixo, fato que repercute diretamente na verba honorária.
Para esse cidadão, se não fosse a possibilidade de ajuizar sua reclamatória pelo Jus Postulandi, seria a ele vedada a garantia fundamental de acesso à justiça, consagrada pela Constituição Federal de 1988. Estar-se-ia jogando uma pá de cal no princípio da inafastabilidade da jurisdição e da irrestrita assistência judiciária gratuita. E vale ressaltar o que bem coloca a melhor doutrina: violar um princípio é mais grave que afrontar uma norma, uma vez que compromete todo o sistema jurídico.
A postulação no Judiciário Trabalhista, feita de forma verbal, por meio dos Setores de Atermação, é um mecanismo hábil à disposição do jurisdicionado hipossuficiente. Nossa Justiça do Trabalho conta com quadro de servidores qualificados para orientar a população e formular os pleitos a serem colocados à apreciação do órgão jurisdicional, responsável por dizer o direito.
Por derradeiro, destaca-se que os profissionais da advocacia são sim indispensáveis para a administração da justiça, como bem reconheceu o legislador constituinte, contudo, não estão autorizados a monopolizar o direito de ação, que deve ser incondicionado.
O Jus Postulandi é exemplo concreto de instrumento democrático colocado à disposição do trabalhador brasileiro, e desempenha importante papel em nossa ordem jurídica.
NOTAS
[1] MARANHÃO, Délio; CARVALHO; Luiz Inácio B. Direito do Trabalho, 17. ed.. 1996, Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, p. 430.
[2]BEBBER, Júlio César. Princípios do Processo do Trabalho. São Paulo-SP: Editora LTR, 1997, p. 131.
[3] SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo.9. ed. 4ª tiragem, São Paulo: Malheiros Editores, 1994, p. 510.
[4] CARRION, Valentim. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 23. ed. Saraiva, São Paulo: 1998. p. 601.
[5] SARRO, Luís Antônio Giampaulo; MALFATTI, Marcio Alexandre. O contrato de seguro na Justiça do Trabalho. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1338, 1 mar. 2007. Disponível : <http://jus.com.br/artigos/9549>. Acesso: 24 abr. 2008.
[6] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 18.ed. São Paulo: Malheiros. 2006. p. 373.
[7] HUMBERT, Georges Louis Hage. A Constituição, a garantia fundamental ao acesso à Justiça e a assistência judiciária gratuita. Estudo de caso. In: Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1297, 19 jan. 2007. Disponível: http://jus.com.br/artigos/9401>. Acesso: 11 set. 2007.
[8] GRECO FILHO, Vicente. Direito Processual Civil Brasileiro. 9. ed., São Paulo: Saraiva, 1994, v. 1;
[9] NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do Processo Civil na Constituição Federal. São Paulo, Revista dos Tribunais. 3.ed, 1996, p. 93 e 98.
[10] Bebber, Julio César. Nova Competência da Justiça do Trabalho e regras processuais. Disponível:<http://sisnet.aduaneiras.com.br/lex/doutrinas/arquivos/JusTrabalho.pdf>. Acesso: 16 jan. 2008.
11 Código Civil - Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos e honorários de advogado.
Art. 404. As perdas e danos, nas obrigações de pagamento em dinheiro, serão pagas com atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, abrangendo juros, custas e honorários de advogado, sem prejuízo da pena convencional"(Grifos nossos).
12 A autotutela ocorre quando o próprio sujeito busca afirmar,unilateralmente, seu interesse, impondo-o (e impondo-se) à parte contestante e à própria comunidade que o cerca
13 DELGADO, Maurício Godinho. Arbitragem, mediação e comissão de conciliação prévia no direito do trabalho brasileiro. São Paulo: Revista Ltr, v.66, n. 6, jun. 2002, pág. 663
14 Levantamento realizado entre set. 2007 e fev. 2008, pela Diretoria-Geral de Coordenação Judiciária do TRT da 3ª Região/MG, revelou que dos 24 Tribunais do Trabalho existentes no país, 16 (2/3), possuem setores destinados a reduzir a termo reclamatórias verbais. Apenas 8 TRTs não possuem setores com essa finalidade.
15Segundo informações fornecidas pelo Gabinete de Estatística da Diretoria de Coordenação judiciária do TRT da 24ª Região, no ano de 2007, ingressaram, em Campo Grande, 9.199 reclamações trabalhistas.
16 Art. 765 - Os Juízos e Tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.
ReferÊncias
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