6. CONCLUSÃO
Assim, diante de tudo o que foi exposto, não se pode chegar a outra conclusão senão da completa impropriedade e incongruência do limite objetivo de 4 horas como sendo aquele aplicável incontestemente ao caso dos atrasos aéreos.
A história da aviação demonstra fartamente que tal limite já deveria há muito ser superado, posto que contraditório com os princípios basilares da Carta Superior e da proteção ao passageiro/consumidor, ao tempo em que regula com base em critérios já ultrapassados e vencidos uma realidade que vem mudando com o advento da evolução tecnológica e jurídica.
Não se pode desvincular a análise do tema das razões históricas que sofreu a aviação civil no país e no mundo.
O Direito Aeronáutico passou por diversas atualizações, sendo que sua última codificação específica do tema tem sua vigência a partir de meados da década de 80, tempo em que se temia o chamado "risco do ar", que diante do fator imprevisibilidade, regia o direito obrigacional das empresas de aviação.
Demonstramos neste trabalho que de acordo com a legislação atualmente vigente no País, três são as codificações que versam sobre Direito Aeronáutico, e mais precisamente sobre o atraso aéreo, sendo o CBA permissivo até o limite de 4 horas, enquanto que o CDC e o CC atribuem a noção de obrigatoriedade aos termos contratados.
A elaboração do Código Brasileiro de Aeronáutica se deu, assim, em uma época em que se exigia um tratamento diferenciado em manifesta proteção ao fornecedor de serviços, que passava por uma séria instabilidade diante da ainda precária infra-estrutura do setor aéreo no País.
Mas tal como tudo em Direito, o dinamismo é situação inerente ao caso, tendo de fato as relações de direito aeronáutico evoluído intensamente na história moderna. O grau de tecnologia e segurança alcançados, não obstante a recente questão dos desastres aéreos, não mais se coaduna com um limite permissivo que em muito destoa das exigências da população brasileira.
A princípio, o estudo do tema levaria a crer que o CBA, por se tratar de uma codificação supostamente mais específica, deveria prevalecer sobre as demais, fazendo com que ao transportador, fosse permitido incondicionalmente o atraso injustificável até o limite de 4 horas.
Por sua vez, o CC e o CDC, modernos e atuais, atuam de forma a compelir o abuso perante o passageiro/consumidor. O CC, com base nos novos ditames do direito obrigacional, impõe que o transportador deve estar adstrito aos termos do bilhete contratado, sob pena de responsabilização pelas respectivas perdas e danos; Já o CDC, dispõe sobre a eficiência e segurança dos serviços públicos.
Verificada a existência de normas contraditórias versando sobre o mesmo tema e com mesmo âmbito de validade, nasce o fenômeno da Antinomia de Normas, devendo o aplicador do direito atuar positivamente na sua resolução em busca da unidade e coesão do sistema jurídico.
Assim, a nosso ver, com base na mais conceituada teoria de Norberto Bobbio, seguida por Tércio Sampaio Ferraz, Maria Helena Diniz, dentre outros, a aplicação das regras de solução de controvérsias geradas por antinomias leva a crer que a disposição relativa ao atraso aéreo inserida no CBA deve deixar de ser aplicada quando referente ao atraso aéreo em vôos domésticos de passageiros na legislação brasileira.
E tal conclusão somente se faz possível quando realizada uma análise histórico-sistemática da legislação vigente, onde se percebe que o espírito do legislador de 86 não mais é aceito pelos padrões atuais.
O CBA, frise-se, no que se refere ao atraso aéreo, é uma norma antiga, ultrapassada e, sobretudo, retrógrada. Não pode o Direito permitir a sua aplicação com base em valores ultrapassados e já vencidos.
Como dito, permitir a aplicação do art. 230, CBA é engessar o ordenamento jurídico, agindo em completo disparate a princípios já consagrados.
A sociedade brasileira não mais pode suportar a permanência de tal situação. Os abusos cometidos e os atrasos injustificados são manchete todos os dias perante os noticiários brasileiros, sem que, contudo sejam tomadas medidas efetivas para sua solução.
O dispositivo debatido do CBA é, assim, injusto, e como tal, não pode perdurar surtindo seus efeitos negativos para quem tem a legítima expectativa de um serviço de qualidade.
Alie-se ao fato de que o serviço de transporte aéreo é caro e de resultado, não podendo, pois, ser mantido da forma em que se encontra.
O objetivo deste trabalho é, portanto, fornecer subsídios fundamentais para que o aplicador do direito possa desempenhar seu papel em prol da sociedade, interferindo diretamente na realidade para promoção de uma maior qualidade do serviço prestado.
Contudo, não se está aqui a tentar estabelecer a intolerância ao atraso aéreo, ou muito menos incentivar a punição às empresas aéreas através de multas ou processos judiciais para cada atraso. O que se objetiva é trazer à realidade o fato de que uma lei erigida à luz de princípios que hoje se revelam injustos e ilegais, não deve prevalecer no âmbito da sociedade brasileira.
Desta forma, temos como imperiosa a reformulação do entendimento acerca do atraso aéreo em prol da prevalência das normas insculpidas no CC e CDC em face da regra permissiva do CBA, como único meio de promover o bem da sociedade em geral.
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