CONCLUSÃO
Pelo exposto, chega-se a conclusão que é inadequada a expressão relativização da coisa julgada, uma vez que há previsão legal de hipóteses de rescisão do instituto. Na realidade, o que os estudiosos vêm debatendo é a possibilidade de se ampliar as hipóteses de rescisão já previstas em lei.
Conclui-se, ainda, que a discussão sobre o tema não pode restringir-se às questões jurídicas, mas deve também envolver um debate filosófico.
Assim, diante da interpretação das teses favoráveis e desfavoráveis à relativização, ou melhor, desconsideração da coisa julgada material para além dos casos já previstos em lei, verifica-se que são mais consistentes os argumentos apresentados – ao menos até a presente data – pela corrente que não admite essa possibilidade.
Tal entendimento respalda-se no fato de ter sido constatado que o principal argumento da doutrina pró-relativização é a preponderância do valor justiça sobre a segurança jurídica, sem, contudo, ser oferecida uma explicação plausível sobre qual o significado do termo justiça.
Identificou-se, ainda, que o conceito de justiça, embora consista em um valor fundamental, almejado em qualquer tempo e lugar, é relativo e impossível de ser definido cientificamente.
Portanto, não há como acatar o argumento de que a decisão proferida, em processo resguardado de todas as garantias legais, deve ser rescindida porque, simplesmente, "injusta".
Como observa Marinoni (2004, p.31), os teóricos que defendem a relativização contrapõem a coisa julgada material ao valor justiça, mas não embasam a tese, ao menos, em uma das modernas contribuições da filosofia do direito sobre o tema e conclui que "é equivocado, em qualquer lugar, destruir alicerces quando não se pode propor uma base melhor ou mais sólida".
De outra banda, não há como deixar de observar que o direito é criação humana e, como tal, está sujeito às transformações históricas. Desse modo, vem ganhando força a idéia – bastante sensata, por sinal – de uma interpretação das normas jurídicas mais adequadas à realidade e aos valores de uma determinada sociedade.
Nesse diapasão, até concorda-se com a preocupação de alguns estudiosos em buscar rediscutir a autoridade da coisa julgada material no que diz respeito à ampliação do prazo de interposição da ação rescisória e de novas hipóteses de cabimento (ou novas interpretações sobre as já previstas)
Não é compreensível, no entanto, a forma como os defensores da tese da desconsideração vêm abordando o assunto, com base em argumentos frágeis, ou tentando estigmatizar o instituto, como se este não fosse necessário (ainda que um mal necessário) para uma ordem jurídica e social segura e, por que não, justa!
Não há como negar que no atual estágio de desenvolvimento da sociedade, é imprescindível a interferência do Estado, através da Jurisdição, para administrar (ou tentar) racionalmente os conflitos de interesses.
Deve-se compreender que a coisa julgada é instrumento de índole constitucional, previsto no título que trata dos direitos e garantias fundamentais, assumindo um papel fundamental na manutenção do Estado Democrático de Direito, sobre o qual está assentada a república federativa brasileira.
Entende-se que a decisão justa que se procura alcançar ao fim de uma demanda judicial é aquela que tenha sido produzida após um processo com ampla participação das partes, conduzido dentro dos trâmites legais e amparado em preceitos constitucionais.
Quando assim não ocorrer, e a decisão já tiver sido alcançada pela coisa julgada material, os interessados devem buscar a rescisão, apoiados em argumentos lógicos, em uma injustiça claramente identificada quando aquelas garantias processuais ou constitucionais foram desconsideradas.
Ao prever um instituto que objetivasse por fim aos litígios definitivamente, garantindo segurança e paz social, o sistema jurídico também idealizou uma forma de fazer justiça (como já dito, uma justiça possível).
Por outro, a previsão das hipóteses de rescisão da coisa julgada material comprovam que houve uma preocupação do legislador, em um primeiro momento, com a justiça da decisão, mas também com o restabelecimento da tranqüilidade das partes litigantes, e, por conseguinte, com segurança jurídica e social.
Desse modo, entende-se que qualquer corrente que pretenda questionar a autoridade da coisa julgada material, devia levar em consideração que o ideal é que os valores da segurança e da justiça sejam conciliados em uma decisão judicial e em todos os institutos a ela relacionados.
Nesse cenário, a coisa julgada material não poder ser interpretada como um obstáculo à realização da justiça, mas como um mecanismo estabelecido pelo sistema para conferir segurança às relações jurídicas e sociais, na falta de um outro modo de viver em sociedade (utópico, ideal) que permitisse aos homens resolver seus conflitos de forma pacífica e razoável, sem a intervenção estatal.
REFERÊNCIAS
ARAÚJO, José Henrique Mouta. Reflexões sobre as reformas do CPC. Salvador: JusPODIVM, 2007.
BARBOSA MOREIRA, José Carlos. Temas de direito processual. Nona Série. São Paulo: Saraiva, 2007.
BARBOSA, Júlio César Tadeu. O que é justiça? São Paulo: Brasiliense, 1985.
BARROSO, Luís Roberto. Temas de direito constitucional. 2.ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.
CHERMONT, Michelle. Relativização da coisa julgada: análise crítica. Revista Dialética de Direito Processual. São Paulo: [s.n.], n. 44, p. 53-73, nov. 2006.
CONRADO, Paulo César. Introdução à teoria geral do processo civil. São Paulo: Max Limonad, 2003.
CRUZ E TUCCI, José Rogério. Limites subjetivos da eficácia da sentença e da coisa julgada civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, vol. III.
__________________ Relativizar a coisa julgada material. Revista da Procuradoria Geral do Estado do Pará. Belém: Imprensa Oficial do Estado, n. 5, p. 137-169, jul. 2001.
GUIMARÃES, Pollyana Silva. Análise constitucional do instituto da súmula vinculante sob o parâmetro do Estado Democrático de Direito, da segurança jurídica e da celeridade processual. Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT, ano 15, n. 61, p. 247-267, out.-dez. 2007.
MARINONI, Luiz Guilherme. O princípio da segurança dos atos jurisdicionais (A questão da relativização da coisa julgada material). Revista Jurídica. Porto Alegre: Notadez, ano 52, n. 317, mar. 2004.
NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. 8. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004.
OTERO, Paulo. Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional. Lisboa: Lex, 1993.
PORTO, Sérgio Gilberto. Coisa julgada civil. 3. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
SIQUEIRA, Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de. A coisa julgada inconstitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.
VELOSO, Zeno. Comentários à Lei de Introdução ao Código Civil. Belém: UNAMA, 2005.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. O dogma da coisa julgada: hipóteses de relativização. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
NOTAS
- § 1º Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal.
- Paulo Otero (1993, p.42) ensina que o caso julgado comporta dois elementos: a) Primeiro, o caso julgado é uma decisão judicial; b) Segundo, o caso julgado é uma decisão que se consolidou na ordem jurídica.
- Sérgio Porto (2006, p.50) enfatiza que Liebman, "ao perquirir sobre as razões do instituto da coisa julgada, não vislumbrou a autoridade deste como mais um efeito da sentença, mas, sim, como uma qualidade que aos efeitos se somava, para torná-los imutáveis".
- Dispõe o referido dispositivo que a sentença de mérito, após
ocorrido o trânsito em julgado, poderá ser rescindida nos seguintes casos:
I - se verificar que foi dada por prevaricação, concussão ou corrupção do juiz;
II - proferida por juiz impedido ou absolutamente incompetente;
III - resultar de dolo da parte vencedora em detrimento da parte vencida, ou de colusão entre as partes, a fim de fraudar a lei;
IV - ofender a coisa julgada;
V - violar literal disposição de lei;
VI - se fundar em prova, cuja falsidade tenha sido apurada em processo criminal ou seja provada na própria ação rescisória;
VII - depois da sentença, o autor obtiver documento novo, cuja existência ignorava, ou de que não pôde fazer uso, capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável;
VIII - houver fundamento para invalidar confissão, desistência ou transação, em que se baseou a sentença;
IX - fundada em erro de fato, resultante de atos ou de documentos da causa.
- Art. 5º, XXXV, CF/88 - A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito.
- Júlio César Tadeu Barbosa (1985, p. 54), discorrendo sobre a Justiça, esclarece que "as leis são feitas pelo Estado, tendo ele o seu monopólio, o que lhes dá um caráter público. Esta idéia historicamente é recente e surge com o Estado Moderno, o Estado-Nação. O sociólogo Max Weber (1864-1920) denominou a isto de ‘monopólio da violência física legítima’. Neste sentido, retirou o Estado aos senhores feudais o direito de reprimir, aboliu o duelo e todas as formas de dominação física do homem sobre o homem, sobre os escravos, os servos, as mulheres e as crianças"
- O art. 472 do CPC determina que "a sentença faz coisa julgada às partes entre as quais é dada. .."
- José Rogério Cruz e Tucci (2006, p.26), citando Willis Santiago Guerra Filho, afirma que "A coisa julgada aparece como artifício ou mecanismo para implementar o convencimento e a certeza sobre a existência ou não de um direito ou qualquer outra situação jurídica, exercendo assim o papel ideológico de legitimação desse mesmo ordenamento e de garantia da sua manutenção, pois evita o confronto dos indivíduos entre si e com o próprio ordenamento, ao tornar incontrovertido, em princípio, o resultado da função cognitiva do processo, que leva à atuação do direito em um caso concreto. Trata-se, portanto, de um conceito operativo, indissociável daquele outro a que se reporta, o de sentença.".
- Luís Roberto Barroso (2002, p. 68), explica que "a ponderação de valores é técnica pela qual o intérprete procura lidar com valores constitucionais que se encontrem em linha de colisão. Como não existe um critério abstrato que imponha a supremacia de um sobre o outro, deve-se, à vista do caso concreto, fazer concessões recíprocas, de modo a produzir-se um resultado socialmente desejável, sacrificando o mínimo de cada um dos princípios ou direitos fundamentais em oposição".
- Júlio César Tadeu Barbosa (1985, p. 18) assevera que "a discussão sobre justiça e seus fundamentos constitui-se em um dos capítulos fundamentais do pensamento humano e seus diversos níveis, quer no campo da Teoria e Filosofia Política, da Filosofia do Direito, da Moral etc." e que não há consenso, dentro dessas áreas, quanto a definição do termo justiça.
- Pedro Eduardo Pinheiro Antunes de Siqueira (2006, p.43), citando J.J. Canotilho.
- Pollyana Guimarães (2007, p. 262 e 259) observa que "nessa perspectiva, com o ideal de se garantir essa segurança e estabilidade quanto às expectativas sociais de comportamento necessárias ao homem, tem-se o princípio da segurança jurídica, elemento constitutivo do Estado de Direito, que consiste, pois, na segurança que o direito deve produzir para seus autores e respectivos destinatários de que poderão eles calcular as conseqüências do comportamento próprio e alheio". A autora apresenta, ainda, a solução dada por Jürgen Habermas para o conflito entre a segurança e a pretensão de tomar decisões corretas, que consiste, em suma, em proporcionar às partes, ao longo do processo judicial, todas as garantias de uma discussão dialética, participativa, que se estabeleça o diálogo entre as partes, advogados e juízes, para que desse modo a decisão final seja aceita, reconhecida e não mais questionada pelos partícipes, pois originada de um processo racional.
- Observa Barbosa Moreira (2007, p. 246) que na atualidade não se pode entender "o direito de ação como direito a uma sentença favorável; nem, por conseguinte, se há de conceber o dever de prestar jurisdição como o dever de dar ganho de causa a quem a requeira".
- Nelson Nery Jr. (2004, p. 47) afirma que "desconsiderar a coisa julgada é eufemismo para esconder-se a instalação da ditadura, de esquerda ou de direita, que faria desaparecer a democracia que deve ser respeitada, buscada e praticada pelo processo".