7 A Ressolidarização Estrutural-reticular das Relações Coletivas de Trabalho
A ‘subordinação jurídica’ sempre compreendeu um leque mais amplo de trabalhadores, pois engloba tanto aqueles referentes ao trabalho ‘produtivo’, como também aqueles do trabalho dito ‘improdutivo’ Dessa forma era um conceito mais abrangente do que o conceito de mera dependência (técnica, econômica, social). Na produção contemporânea, contudo, a empresa-rede, por diversos instrumentos jurídicos e políticos, coordena, precifica e controla a produção, mas deixa de fora da proteção da CLT os trabalhadores ditos autônomos-dependentes.
Contudo, discordamos dos que entendem não haver subordinação nas hipóteses de trabalho "autônomos-dependentes. A ‘subordinação’ neste contexto subsiste, ainda que difusa, latente e diferida, justificando, dessa forma, a extensão a eles dos direitos celetistas. O trabalhador supostamente autônomo, mas habitualmente inserido na atividade produtiva alheia, a despeito de ter controle relativo sobre o próprio trabalho, não detém nenhum controle sobre a atividade econômica. Exemplo disso, podemos citar a hipótese do motorista agregado, que é proprietário do caminhão em que trabalha (meio de produção) e ainda que tenha liberdade relativa sobre a execução do trabalho, nada delibera sobre os dois fatores determinantes da legítima autonomia, como, por exemplo, para quem e quando será prestado o serviço.
Portanto, acreditamos que a lei 11.442/2007 regulou o problema com menos eficácia do que nos permite a atividade hermenêutica a partir dos elementos já existentes no sistema jurídico. Trata-se, pois, do reconhecimento do conceito de subordinação estrutural e reticular, pois se a prestação desse trabalho ingressa na empresa através de um contrato de prestação de trabalho autônomo, mas adere às atividades da empresa ou de uma das unidades da rede empresarial, a disposição do trabalho subsiste pelo tomador ou tomadores, já que a impessoalidade da disposição do trabalho não afasta a circunstância de ter sido contratado para desenvolver atividade e não resultado.
A força ressolidarizadora da idéiade subordinação estrutural-reticular vai além da perspectiva do contrato individual de trabalho. A própria jurisprudência vem se debatendo com casos complexos acerca da autonomia privada coletiva. Com efeito, se uma empresa supermercadista, por exemplo, atrai para suas hiperlojas a venda de combustíveis, deverá ou não aplicar aos frentistas dessa unidade as regras oriundas da pactuação coletiva que regula as empresas que atuam no comércio varejista de combustíveis? Ou ao reverso poderá circunscrever-se a aplicar o contrato coletivo do comércio em geral?
A abordagem estrutural e reticularacerca do conceito de subordinação permite novas soluções também neste campo do direito do trabalho, relativizando, sem desprezar, a idéia de atividade preponderante do empregador, já que os grandes conglomerados industriais, comerciais, financeiros, mistosou de qualquer outro serviço possuem múltiplas atividades econômicas e todas elas têm o mesmo e único objetivo: auferir rendas dessas atividades.
Nestas circunstâncias, há inclusive lesão potencial às próprias regras de concorrência intercapitalista, pois ao abster-se de aplicar as regras da contratação coletiva específica acaba por obter uma vantagem comparativa em relação aos seus concorrentes. Aqui ainda "não estamos fora do locus tradicional do exercício do poder jurídico-político sobre o trabalho. Mas nos permite ampliar a significação da subordinação jurídica e da força vinculante dos contratos coletivos que o empregador deve assimilar como próprios de suas atividades econômicas, principalmente quando elas são múltiplas, pois múltiplos serão os instrumentos coletivos aplicáveis à mesma pessoa jurídica que desenvolve diversas atividades econômicas.
Afinal, se o supermercado resolve usar sua frota de caminhões para concorrer no mercado de transportes e logística, não se podeemprestar o mesmo tratamento aos motoristas envolvidos nesta atividade econômica daquele preconizado pela jurisprudência quando o motorista apenas transporta mercadorias entre as unidades da mesma rede varejista. Neste último caso há certa legitimidade em condicionar a aplicação da regra à prévia participação ou tentativa de participação nas atividades negociais. No primeiro, não.
Com isso, o conceito de subordinação estrutural-reticular abre a possibilidadedesancionarmos concretamente o "dumping social", violador das regras de concorrência intercapitalista através da eliminação de direitos sociais erigidos pela contratação coletiva entre as entidades sindicais do capital e do trabalho. Como se vê, a idéia de rede empresta à subordinação jurídica um efeito reticular, portador da idéia de proteção e promoção do trabalho e da dignidade da pessoa humana, e ao mesmo tempo chancelador da idéia de "fair trade", sancionando a concorrência desleal fundada numa das espécies de "dumping".
8. Produção e Proteção em Rede. Convergência dos Fluxos da Especialização do trabalho. O "Empregado por Interpretação Constitucional".
Com a externalização e o seccionamento das atividades transfere-se, ainda que parcialmente, o risco econômico da atividade ao trabalho, com repercussões tanto econômicas quanto políticas.
O conceito de ‘empregado por interpretação constitucional’ permite reduzir a "zona gris" de aplicação do Direito do Trabalho, sem interditar a legítima atividade de especialização do trabalho e terciarização das atividades econômicas e, ao mesmo tempo, ressolidarizar o trabalho (quando a rede de empresas se configurar em verdadeira rede de em-pre-ga-dores).
Ora, se há semelhança entre o trabalho dito "autônomo-dependente" e os empregado clássico, manda a boa regra de hermenêutica não reduzir o potencial expansivo e protetivo do direito do trabalho. A isonomia dos trabalhadores decorre da própria dicção constitucional, tanto dirigida aos trabalhadores habituais, (caput do Art. 7º) como aos avulsos (inciso XXXIV), não submetidos ao trato sucessivo.
Trata-se, pois, de ressignificar ou plurissignificar o conceito de subordinação jurídica, para compreendê-lo de modo dinâmico. Parafraseando o senso comum, a subordinação jurídica emerge não apenas do uso da voz do empregador, do supervisor, oudo capataz. Ela pode se formar na retina dos múltiplos agentes econômicos coordenados pela unidade central, de modo silencioso e aparentemente incolor e até indolor. A subordinação jurídica pode ser então "reticular", também nesse sentido e através de instrumentos jurídicos de associação empresária, onde nenhuma atividade econômica especializada é desenvolvida pelo suposto empregador, que se envolve na produção de um determinado resultado pactuado com a unidade central. Suposto, não porque em verdade não o seja. mas por não ser o único empregador.
Arede econômica montada pelas empresas, quer no modelo hierarquizado, como ocorre emempresas desegurança, call centers, quer assuma as múltiplas formas jurídicas de cooperação empresarial são uma realidade. Partindo desta premissa, faz-se necessário enredar o conceito de subordinação jurídica, emprestando-lhe um caráter estrutural e reticular.
Nesse sentido, sempre que reconhecida a atividade econômica em rede, é necessário imputar a condição de empregador a todos os integrantes da rede econômica, atraindo assim a incidência do princípio da proteção e seus aspectos consequentes: a aplicação da regra ou da condição mais benéfica.
Isso torna secundária a investigação de quem seja "o empregador" para efeitos da declaração de nulidade absoluta da pactuação contratual originária, pois o mais relevante é assegurar a efetividade do direito material do trabalho e não a imputação da fraude, afinal inexistente se todos são empregadores.
9. À Guisa de Conclusões
Este trabalho é uma pesquisa em desenvolvimento. As sínteses abaixo declinadas não pretendem esgotar todas as feições da subordinação estrutural-reticular, pois muitas contribuições e ressalvas às idéias aqui alinhavadas serão adicionadas com ouso e o desenvolvimento desse conceito, que se pretende público, democrático e dinâmico. Esse conceito, favorecido inclusive pela articulação das idéias de «alienidade» e segurança jurídica, já permite,contudo, dimensionar algumas das repercussões de sua admissão nainterpretação e aplicação doDireito do Trabalho e doDireito Processual do Trabalho. Vamos a elas:
1.Resgatar o conceito de «alienidade» no Direito do Trabalho contribui para uma extensão civilizatória e isonômica dos direitos sociais, ensejando a agregação das novas realidades decorrentes da reorganização produtiva.
2.Assumir o caráter central da idéia de «alienidade» no conceito de subordinação e, por conseqüência, no próprio Direito do Trabalho, torna esse ramo da ciência jurídica mais sistemático e estável.
3.Com o conceito de subordinação estrutural-reticular apreende-se o fenômeno das coalizões de empresas e de empregadores, quer assumam formas jurídicas explícitas e reguladas pelo direito empresarial, quer sejam coalizões factuais, reconhecendo a possibilidade de que tais empresas ou empregadores assumam cada um parte das funções diretivas que o artigo 2º da clt estabelece como necessárias e suficientes ao reconhecimento do(s) sujeito(s) de deveres jurídicos do tomador.
4.O conceito, ao mesmo tempo, absorve como próprio da subordinação as múltiplas formas de controle e mando, tais como, regulamentos, contratos, manuais de uso de máquinas e equipamentos ou de processos produtivos, GPS, celulares, tacógrafos, softwares de vigilância e registro, palm tops, câmeras de vídeo, relatórios de atividade e desempenho, tanto analógicos quanto os digitais.
5.Espraiar segurança jurídica nas relações laborais, diminuindo o uso instrumental e, frequentemente, predatório da legislação do trabalho,reconhecendo a condição de empregadores das unidades econômicas que atuam em rede, no mesmo espaço geográfico ou em locais distintos,para assegurar que o risco econômico da atividade não seja transferindo ao trabalho e, via de consequência, para os sistemas sociais e estatais de amparo do trabalho.
6.Flagrar a relação dinâmica entre direito, economia e, sobretudo, o caracter expectacional da segurança jurídica, que pode e deve ser um compromisso do sistema jurídico, mas num contexto espraiado e universal, onde a mutabilidade da vida social não se traduza em simples refúgio da irresponsabilidade jurídica e social dos agentes sociais, mormente os agentes econômicos.
7.Reconhecer a condição de "empregado por intepretação constitucional"dos trabalhadores que ingressam na estrutura da empresa ou da rede de empresas, ainda quesuas contratações estejam amparadas por contratos de trabalho autônomos.Trata-se de atrair para a proteção dos direitos fundamentais sócio-econômicosaqueles que têm semelhanças com o empregado e que em outros sistemas jurídicos recebem tratamento distinto, com proteçãojurídica e social inferior ao do empregado.
8.Assegurar a aplicação das normas coletivas relacionadas com a atividade econômica desenvolvida pelos empregados da rede de unidades econômicas, quando estas têm múltiplas atividades com o escopo de auferir faturamento, com a duplafinalidade de assegurar a aplicação do princípio da proteção em relação aos empregados envolvidosem cada uma das atividadeseconômicas da rede, e ao mesmo tempo disciplinar a concorrência intercapitalista, atraindo para o campo do direitocoletivo do trabalho e do direito individual do trabalho o conceito de dumping social.
9.Permitir a legítima atividade de especialização do trabalho, como ocorre com setores em que a prevalência do trabalho imaterial aumenta a capacidade de resistência política e de inovação do trabalho, seja para gerar novos setores de atividade econômica, seja para permitir a otimização da sua ação coletiva.
10.Distinguir a fraude relacionada com a criação de interposta pessoa ou empresa, por uma das unidades econômicas da rede, tenha ou não idoneidade econômico-financeira, da existência de uma unidade econômica dotada de especialização técnica capaz de reconhecer nela mais um dos empregadores da rede.
11.Distinguir, também, da fraude a emergência – rectius: ressurgimento – de figuras de trabalhador não jungidos à subsunção material do capital, que não podem ser tratados pelo regime de regulação trabalhista como tertius, não só por imposição dos princípios de isonomia do trabalho humano e de expansão tuitiva dos direitos sociais, bem assim para o próprio equilíbrio do sistema de competição capitalista.
12.Compreender a possibilidade de que em certas atividades econômicas o presente abraça-se ao passado e o capital pode dar-se ao luxo de abrir mão da subsunção material do trabalho. O trabalhador, eventualmente, pode ser excepcionado do rol dos não-proprietários de meios de produção, já que a propriedade desses meios não é mais estratégica para todas as formas e etapas da produção.
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