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Atuação do magistrado trabalhista no Brasil

29/12/1996 às 00:00
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"O bom juiz põe o mesmo escrúpulo no julgamento de todas as causas,
por mais humildes que sejam.
É que sabe que não há grandes e pequenas causas, visto a injustiça não ser como aqueles venenos a respeito dos quais certa medicina afirma que, tomadas em grandes doses, matam, mas tomadas em doses pequenas, curam.
A injustiça envenena, mesmo em doses homeopáticas"
(Piero Calamandrei)


Na atual conjuntura brasileira, a Magistratura Nacional passa por intensos debates, onde se questiona a sua atuação e sua presteza na prestação da tutela jurisdicional. Portanto, urge necessária ampla discussão sobre esses aspectos, especialmente daqueles que participam do cotidiano desta Justiça, como meio eficaz de derrubar conceitos arraigados na população e nos operadores do direito.

Neste sentido, tenta-se neste modesto trabalho, continuar viva tal discussão, visando subsidiar novas pesquisas sobre o assunto, como meio real de transformação.

A história do Direito do Trabalho no Brasil (Gomes, Orlando e Elson Gottschalk. Curso de Direito do Trabalho - RJ: Forense, 1995) toma impulso com a Revolução de 30, caracterizada pela intensificação da legislação ordinária e a adoção dos regulamentos internacionais do trabalho elaborados pela Organização Internacional do Trabalho, surgido diferentemente do resto do planeta, pois a nível nacional nosso Direito tem sido uma benção da lei, não sendo assim, fruto de anseios populares, pois a origem histórica do Direito do Trabalho está nitidamente vinculada a Revolução Francesa, face o desenvolvimento técnico das maquinarias industriais por volta da segunda metade do século XVIII, que gerou um rápido e devastador processo de industrialização, acarretando, assim viscerais mudanças econômicas e sentidas transformações na camada social, gerando em torno da máquina concentração maciça de operários nos grandes centros industriais emergentes.

Face essas transformações, o proletariado reunido em centros atuantes econômica e socialmente, gerou a exploração de um capitalismo desenfreado, calcado no individualismo, na liberdade do comércio, da indústria e do trabalho, sendo que a nível jurídico na propalada liberdade de contratar, logo visando dotar esses parques fabris de incrementação produtiva, passou-se a utilizar com afinco o trabalho de mulheres e de crianças.

Desenvolvendo esta sistemática de produção, este grupo social oprimido, devido a implantação definitiva das associações operárias, que a princípio era clandestina até desaguar em seu reconhecimento, formou entre os mesmos uma consciência de classe, já no curso do século XIX.

Apesar de todo o arcabouço legal existente à época contra as associações proletárias, as mesmas tomaram força com a tese de se combater a miséria, com a adoção de movimentos grevistas, com a prática de sabotagem ou com o boicote das atividades empresariais, citando-se para este fim os operários franceses e ingleses.

Verifica-se, portanto, que o Direito do Trabalho foi obra do próprio operário, não benefício da casta patronal ou do Estado, culminando, assim na primeira Revolução Industrial, marco histórico determinante da surgimento do Direito do Trabalho, inicialmente sobre o prisma da coletividade, posteriormente voltou-se ao indivíduo.

Ao apontar nos fins do século XVIII tais conceitos, Marx e Engels no "Manifesto Comunista" sustentam a ineficácia do Estado Liberal, que quase em nada regulamentava as relações sociais, calcado no princípio da liberdade dos contratantes, "pois antes viu-se o surgimento de normas protecionistas do ser humano, como a regulamentação francesa do trabalho em tipografias (1796); a estipulação francesa em 1802 de proibir o trabalho de crianças por mais de doze horas diárias, vedando o labor noturno, sendo que matéria similar foi tratada por lei francesa em 1841. Por fim, como marco definitivo, como apontam os renomados autores supra mencionados, em 1826 a Inglaterra meio século antes dos trabalhadores franceses, permitiu à classe operária a associação.

O passo intermediário nessa construção social do Direito do Trabalho, inicia-se em 1891 com a publicação da primeira Encíclica Papal (Rerum Novarum) de Leão XIII, coincidente com a Conferência de Berlim, onde Bismarck, solidifica os Seguros Sociais, fazendo extensas concessões à esquerda reformista.

Por último, com o fim da I Grande Guerra Mundial, que alterou as forças políticas e por conseqüência econômicas do mundo, até o surgimento do Tratado de Versalhes, que dispunha diversos princípios gerais acerca da regulamentação do trabalho, inclusive recomendava à adoção dos mesmos pelos países signatários, vislumbra-se que a atividade legislativa dos Estados passam a observar os anseios dos trabalhadores, incorporando-se a nível constitucional medidas sociais, intensificando-se a criação de legislação ordinária regulamentadoras do trabalho, surgindo a OIT, que com a Encíclica Mater et Magistra alça a inestimável e incomparável atuação da mesma no Mundo.

Ao contrário, em nosso país, dada a imensa área territorial, com porções consideráveis de miséria absoluta e ínfima parte em médio desenvolvimento, não conseguiu absorver as conquistas obtidas nas Revoluções Industriais, pois continua-se as práticas do tradicional sistema colonial, com aberta dependência do mercado externo, sem nenhuma infraestrutura industrial.

Resumidamente, pela evolução histórica apresentada acima, claramente se observa que a construção do nosso Direito do Trabalho deu-se por via diversa da sentida a nível mundial, onde a classe operária reunida e consciente, forçaram a adoção de regulamentação social, sob pena de desfalecimento da atividade capitalista, porém no Brasil, ante a escassa mobilização social, a influência paternalista do Estado, impõe-se a normatização legal, baseada em vontade própria e destituída de legitimidade social.

Trancando-se, pois os conflitos na mão do Estado, a classe operária não determina seus próprios rumos, ao contrário, direciona-se a expectativa da mesma ao anseio estatal, isto é, aos interesses da classe dominante, pois "a regulação das relações de trabalho baseava-se na crença de que elas representam uma manifestação da luta de classes e no temor de que as repercussões dessa luta afetassem o conjunto da sociedade. A intervenção do Estado foi concebida como um meio de elaborar uma regulação detalhada das condições, a fim de tornar desnecessária a atuação sindical, e, por outro lado, de condicionar as partes a buscar no Estado a solução dos conflitos" (Romita, Arion Sayão. A Terciarização e o Direito do Trabalho - SP: Rev. Ltr, ano 56, 1992).

Como a função jurisdicional despolitiza e individualiza os conflitos, esta barreira repercute direta e definitivamente sobre o sistema organizacional da sociedade, face o desinteresse dos demais acerca do problema dos outros, tendo em vista o desgaste financeiro e a falta de interesse para enfrentar uma demanda judicial complicada, a solução seria a conexão de processos, pois coletivizaria o conflito, diluiria os custos, gerando um comprometimento material e psicológico entre os litigantes, antes isolados social e processualmente. Pois, a confiança na máquina governamental nem sempre é aconselhável para se proteger os interesses públicos e dos grupos, tendo em vista a desmotivação política, sendo necessária a mobilização privada para superar a fraqueza e debilidade do sistema governamental, pois historicamente o Direito é utilizado como forma de domínio social, entretanto este mesmo ordenamento jurídico pode ser utilizado como forma garantidora do efetivo exercício da cidadania, que passa necessária e obrigatoriamente pelo acesso à justiça, sem o qual não se pode conceber modernamente um Estado de Direito, soberano e democrático. Feitas estas breves considerações, concluímos que a função jurisdicional esvazia-se na medida que barreiras são erguidas referentes ao acesso a mesma, e para a superação de tais impedimentos faz-se importante adotar as seguintes medidas.

Conclui-se, então, inicialmente que a criação da Justiça do Trabalho no Brasil, foi formulada com o intuito de aprisionar as lutas de classe a nível estatal, em total desacordo com os movimentos mundiais, abstraindo-se o coletivo para que as questões fossem dirimidas exclusivamente a nível particular, sugando-se os conflitos coletivos postos nessa sociedade desigual e calcada nos privilégios de poucos em detrimento de muitos, despolitizando-se, assim as discussões laborais, com a incrementação da técnica em desfavor do real (Ver trabalho do autor. A função jurisdicional: o Juiz em face do acesso à Justiça e o novo estatuto da OAB - PA: Rev. TRT 8ª Região, Vol. 27, nº 53, 1994).

Concebida por este aspecto, a Justiça do Trabalho atua em casos de conflitos ocorridos nos setores da produção nacional, retirando-se o confronto ideológico entre as classes diametralmente antagônicas (capital-trabalho), para serem "digeridas" com base em argumentos técnicos-substantivos macroeconomicamente, desprezando-se a construção de interesses coletivos, bem como desprezando-se os trabalhadores que ficam à margem da legislação trabalhista, em total descompasso na ambientação da noção de cidadania, sendo que por outro lado a categoria jurídica dos trabalhadores inseridos na "pós-modernidade", de igual forma não ingressam no aparelho estatal, pois negociam livremente com seus empregadores, que modernamente são denominados de "parceiros", adotando, portanto, soluções a nível da empresa sem qualquer interferência judicial e quando as mesmas não são observados, buscam formas extrajurisdicionais para a resolução de seus conflitos (Faria, José Eduardo. Dilemas e desafios do Direito do Trabalho - PA: Rev. TRT 8ª Região, Vol. 27, nº 53, 1994).

Portanto, conceitualmente, os Magistrados pensam e formulam o Direito do Trabalho em concepções estreitas e direcionadas exclusivamente a atuação dos "conflitantes dos autos", demovidos, assim de uma análise ampla dos conflitos postos e dilacerados na sociedade, abstraindo do sentido real da justiça em clara aplicação da verdade formal, atuando como paradigma o arcabouço legal ao invés do direito.

O Prof. José Eduardo Faria da USP, aponta como duas as crises mais notórias que o Judiciário brasileiro atualmente vem enfrentando: a crise da eficiência e a de identidade, a primeira baseada no descompasso entre a procura e o resultado dos serviços judiciais, tanto a nível da qualidade, quanto da quantidade, pois o aparelho estatal judicial está há muito superado, já que organizados sobre os pilares da autoridade e da burocracia, sendo que tais matérias são bem mais evidentes na Justiça comum, sendo elucidativo o quadro abaixo:

Processos Entrados e Julgados na Justiça comum de 1º grau no ano de 1990
(Banco Nacional de dados do Poder Judiciário):


Região Processos Entrados Processos Julgados Resíduo
Norte 79.880 50.173 29.707
Nordeste 785.164 150.061 653.103
Centro-Oeste 184.231 123.747 60.484
Sudeste 2.610.605 1.629.894 980.711
Sul 549.743 480.967 68.776
Brasil 4.209.623 2.434.842 1.774.781

Na Justiça do Trabalho, apesar da exclusão de parcela significativa da população em busca da tutela jurisdicional, têm-se verificado que anualmente cresce assustadoramente a demanda, especialmente após o advento da nova Carta Política, que reconheceu diversos direitos, tendo-se verificado um aumento substancial de ações ajuizadas perante a primeira instância:

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Número de reclamações ajuizadas nas JCJ nos anos de 1988 a 1992
(da Costa, Orlando Teixeira. A Justiça do Trabalho e o desafio no nosso tempo
PA: Rev. TRT 8ª Região, Vol. 27, nº 52, 1994)

ANO PROCESSOS AJUIZADOS
88 922.879
89 1.131.556
90 1.233.410
91 1.496.829
92 1.517.916

Contudo, apesar de se chegar a esta conclusão primária, pela leitura isolada das estatísticas, entendemos que o aumento verificado não condiz com a realidade brasileira, quer pelo distanciamento do cidadão com o Judiciário, quer pela complexidade da prestação tutelar. Tal análise, deflui do fato de que a crise de identidade de nossas instituições judiciais, gera incerteza e desesperança ao usuário de tais serviços, que buscam cada vez mais a resolução das pendências fora da esfera judicial, pois as ações demoram muito para estabelecerem as obrigações, bem como pela defasagem das leis básicas, que não foram modernizadas, o que obriga o Juiz a aplicar as normas em via de regra já ultrapassadas, no caso concreto.

Que atitude devemos tomar diante deste caos social? Como operadores do direito, devemos de todas as formas lutar pelo aprimoramento democrático, pelo alicerce definitivo das instituições nacionais e por fim um engajamento eficaz nas lutas justas e legítimas da sociedade, é este o papel do cidadão, e é este por primazia o papel do Juiz, que deve ter seu olhar direcionada à rua, pois como monopolizador da função jurisdicional necessita ser dotado de espírito social, isto é, preocupado sociologicamente com o resultado de suas decisões, a máxima da dura lei, não pode ser posta ao "povo duro".

O Juiz - apregoa Cappelletti - deve adaptar os instrumentos hermenêuticos com a finalidade de operar uma dinâmica interpretação evolutiva e decisivamente construtiva e criativa, o fim social deve ser o bem maior do direito, que não pode ser traduzido única e exclusivamente na lei, carregada de fatores dominadores da sociedade, há de existir um maior anseio libertador aos juízes, que em muitas das vezes, por vícios adquiridos ao longo da vida, e reforçados nos bancos universitários, esquecem do seu verdadeiro mister: de distribuidor de Justiça, não de leis.

O que ameaça o juiz, numa democracia, é o perigo do hábito, da indiferença burocrática, a irresponsabilidade anônima. Nós queremos - pedia Calamandrei - juízes com almas, engagés, e que saibam levar com humano e vigilante desempenho o grande peso que implica a enorme responsabilidade de fazer justiça, neste sentido, é imenso o desafio da Justiça do Trabalho, pois como o juiz deve enfrentar a questão da função social da Justiça do Trabalho nesse país dividido, contraditório e explosivo? José Eduardo Faria aponta algumas soluções: um amplo processo de renovação hermenêutica e de oxigenação doutrinaria; o espancamento definitivo da "pseudo" neutralidade do juiz e por fim uma justiça não exclusivamente técnica, assim estes são os nossos desafios como juízes, já que assumimos a defesa intransigente da Justiça, dar ao justo o que lhe é justo, sem receio do opressor, para ir contra o mesmo opressor, pois, conforme Hegel: o que é dado por sabido, exatamente porque é sabido, não é efetivamente conhecido." (Discurso proferido pelo autor, por ocasião da posse no cargo de Juiz do Trabalho Substituto do Egrégio TRT da 8ª Região em 09.12.93, in Rev. TRT 8º Reg, Vol. 27, nº 52, 1994).

Por outro lado, encontramos referências legais atuais, como por exemplo a Convenção nº 158 da OIT, leis 8.950, 8.952 3 8.953 de 13.12.94, bem como a lei nº 8.984, de 07.02.95, em regra a magistratura trabalhista é baseada numa cultura que exarceba o individualismo e o formalismo, pois a parte antecede o coletivo, pois o direito do indivíduo se sobrepõe ao direito da coletividade, padecendo, assim de um entendimento das estruturas socioeconômicas, apegando a ritos e procedimentos impregnados de burocracia, tratando as pessoas de forma "impessoal", tudo em nome de se preservar a "segurança do processo".

Esquecemos a construção teórica da formulação legal, para nos atermos ao paradigma normativista, valorizando, por via de conseqüência os aspectos técnicos e procedimentais dos códigos, redundando em se considerar a estrutura de forma homogênea, disciplinadora do comportamento das pessoas e referente ao funcionamento do Estado.

Este distanciamento do magistrado com a população, é fruto da supremacia da técnica e da enchente de reclamações, de regra repetitivas e inócuas no plano do direito social, apontando-se as seguintes vertentes do caso (Tribunal Superior do Trabalho. Academia Nacional de Direito do Trabalho. CLT em debate: anais do Congresso comemorativo do cinqüentenário da Consolidação das Leis do Trabalho - SP: Ltr, 1994):

1. Dada a crise econômica, utiliza-se o processo como meio de conciliar demanda em baixo custo, pois liquida-se o débito trabalhista em cerca de 60% do valor devido, face a demora da lide e o desespero financeiro do obreiro, que se vê obrigado em não discutir a lide, mas sim encontrar meio mais rápido de obter o valor almejado.

2. A vaidade dos juízes e dos advogados, faz com que utilize-se a erudição, utilizando-se o processo civil como dominante, não como suplemento, criando ritos complexos e de difícil solução, tornando a demanda infindável, em total desacordo com o esculpido no art. 769 consolidado, pois exarceba-se a utilização de cautelares, liminares, rescisórias, reconvenções, atentado, consignatórias, recurso adesivo, decisões interlocutórias, enfim diversos institutos eruditos que alongam o processo trabalhista.

3. O restabelecimento da audiência una, tomando-se o depoimento pessoal das partes e com a prolação de sentença em audiência ou em curto prazo de tempo, evitando-se o fracionamento da prova, mas para isso propõe que a defesa seja protocolada, após cinco dias da notificação, sendo que os documentos só poderiam ser juntados com a exordial e com a contestação, impossibilitando o aditamento.

4. A restrição da utilização do recurso ordinário e do recurso de revista, utilizando-se o aumento do depósito recursal, bem como conferir ao primeiro grau jurisdição parcial juízo de admissibilidade, como por exemplo trancar a subida do apelo em caso de matéria decidida em consonância obrigatória com decisão proferida em Ação Direta de Inconstitucionalidade (Apesar do Supremo Tribunal Federal ter decidido em Ação Direta a constitucionalidade dos chamados Planos "Bresser", "Verão" e "Collor:", as decisões das Juntas neste sentido ainda são objeto de apelo ordinário, o que torna a lide ser discutida em vão, bem como desvia a atenção pelo volume de trabalho dos Tribunais Regionais, em matéria com efeito erga omnes).

Estanque na visão de que o Estado é a única fonte originadora das leis, que servem para realizar a harmonia do homem em sociedade, para fins de convivência social e que o Poder Legislativo é o meio pelo qual se legitima o Direito, os magistrados acorrentam-se na delimitação de comandos gerais genéricos, impessoais, hierarquizados e obrigatórios, baseado nos ideais de justiça, ordem e segurança, tanto é assim, que a lei é a primeira e mais importante fonte do Direito em nosso país, estruturando a ordem jurídica, com a finalidade de trazer segurança e paz social, na premissa da imparcialidade do Juiz, alicerça-se o Estado de Direito e a Função Jurisdicional.

Dada a sistematização rigorosa da organização estatal, o Juiz é "obrigado" cientificamente em não substituir o Legislativo, tampouco o Judiciário, sendo precioso de destacar as seguintes interpretações jurisprudenciais:

"Desincumbe ao juiz assumir posição e querer impor ao poder executivo, este apto a eleger suas políticas econômicas, desde que legais. Não há o Juízo do Governo. Não deve haver o Governo dos Juízes".
(Apelação Cível nº 1.90.117.937. 4ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul).

Mas uma vez vislumbra-se a pseudo certeza da segurança jurídica, pois a técnica legislativa não é lógica, pois eminentemente ideológica, que apesar de alguns teimarem em não ver, Platão já observava: "E ao estabelecer estas leis, mostram os que mandam que é justo para os governos o que a eles convém e aos que delas se afastam castigam como violadores das leis e da justiça".

Roberto Aguiar, observa que o legislador pertence ao aparelho do Estado e é oriundo dos grupos mais fortes, que por isto mesmo empalmam o Estado. Assim nunca legislará contra a sua ideologia, que será, por extensão, a ideologia do próprio Estado. Ninguém legisla contra si próprio: "Nenhum legislador é suicida", logo a classe dominante dita as regras do jogo, instituindo seu ordenamento legal impregnado de ideologia e privilégios gozados somente pelos próprios que integram a classe que domina, numa espécie de formadores de opinião individuais, assim a lei está a serviço da ordem capitalista, que necessita para garantir segurança das expectativas, o cálculo econômico e o jogo do mercado, mediante o reconhecimento, a definição e a regulação da propriedade privada, da livre disposição contratual, dos direitos adquiridos e do princípio do pacta sunt servanda.

Optando por esta estrutura tradicional, o magistrado fica reduzido a uma espécie de porta-voz do sistema, já que a idéia de neutralidade judicial apresenta fator político determinante, pois a Revolução Francesa tinha interesse na neutralização de uma jurisprudência, a fim de isolar o juiz da arena política, já que calcada na magistratura do rei, significando, todavia, a recusa de poder ao juiz: pouvoir neutre, pouvoir nulle.

Apesar do juiz ter sido chamado freqüentemente a desempenhar papel mais abrangente e complexo, vê-se que há a continuidade da operacionalidade do modelo tradicional, que distancia o operador jurídico da realidade social, ausente, portanto, das conjecturas onde as mudanças estruturais são impostas, gerando decepções, que deságuam na descrença. Com acentua Cândido Rangel Dinamarco, o magistrado é desacreditado no seio da sociedade, enfraquecido na sua missão e questionado em sua legitimidade, assim decai sua admiração e confiança junto a população, perdendo vulto entre os credenda (coisas a serem acreditadas) e os miranda (coisas a serem admiradas), como falam os sociólogos.

Portanto, o Judiciário como poder estatal está vinculado à lei em nome da neutralidade, logo não tem dado conta do uso político do Direito, porém o juiz não e neutro, já que os cientistas políticos observam que nos tribunais há um subsistema do sistema político global, pois ao aduzir que não tem valores, aludindo que seu julgamento é neutro, em verdade assumi valores de conservação do sistema vigente, devendo-se como observa Herkenhoff, que "O juiz tem que ter a sinceridade de reconhecer a impossibilidade de sentença neutra". Assim, ou se está do lado da conservação, do opressor, da dominação ou se está ao lado da mudança, do oprimido, do dominado (Aguiar, Roberto. Direito, poder e opressão. 2ª ed. - SP: Alfa-Omega, 1984).

Realizada, então tal sistematização propomos as seguintes alternativas para o resgate da confiabilidade do magistrado.

- O ensino jurídico deve ser crítico e observador da dominação ideológica, desmitificando a noção da técnica e da imparcialidade.

- Internamente, as organizações judiciárias devem ser democratizadas, quer na escolha de seus dirigentes, que devem ser eleitos pelo conjunto de magistrados, quer pela aprovação dos mesmos das diretrizes e aplicações administrativas, bem como a utilização dos recursos públicos, elegendo-se as prioridades, após consulta aos juízes, com exceção das dotações orçamentarias vinculadas.

- Reformulação da fórmula de acesso a magistratura, onde se prima pelo tecnicismo e pelo massacre das questões legais, em detrimento da análise do real conteúdo do candidato, para tanto propõe-se o seguinte: Escolha da banca julgadora do concurso, por meio de consulta dos magistrados, após manifestação dos interessados, devendo ser composta dos seguintes membros: um Juiz do Tribunal, um Juiz de 1ª instância, representante da OAB e representante do Ministério Público, sendo que a prova inicial consistiria de uma dissertação sobre um tema de relevância nacional e/ou regional, após a aprovação o estágio de seis meses, monitorado, com percepção de metade da remuneração do cargo de Juiz Substituto e após este prazo a mesma comissão avaliará os relatórios e o desemprenho do mesmo, e estando habilitado nesta fase, haveria a realização de prova dissertativa, com uma questão sobre as seguintes disciplinas: Direito Constitucional; Direito do Trabalho; Direito Processual do Trabalho; Direito Civil; Direito Processual Civil; Direito Previdenciário; Direito Administrativo; Direito Comercial; Sociologia e Filosofia do Direito.

- Reformulação da avaliação do período de aquisição da vitaliciedade, onde o Juiz deve remeter uma sentença por mês a uma comissão formada pelo Presidente do Tribunal, pelo Juiz Corregedor, por um membro do Tribunal (com exceção dos representantes Classistas, da OAB e do MP, pois não submeteram seu ingresso por concurso público, mas sim por indicações políticas) e um membro oriundo das Presidências das Juntas, já vitalício, ambos escolhidos pelo conjunto dos magistrados em igual situação. Mantém o rito do procedimento previsto na Lomam. Sendo o mesmo critério estabelecido em relação a promoção de Juízes Substitutos.

- Extinção dos cargos de Juízes Classistas temporários, com transformação dos cargos em juízes da carreira, face a atual conjuntura que força a conclusão da inutilidade dos mesmos na esfera judicial, pois primada por valores sociais, que depreendem de conhecimentos doutrinários e interpretativos. De igual sorte aos representantes da OAB e do MP, referente ao quinto constitucional, já que exercem fiscalização direta das atividades judiciais em seu mister próprio, logo o equilíbrio do poder em questão prescinde de suas presenças.

- Nomeação de Juízes do Tribunais pelos próprios, pelo mesmo critério de antigüidade e merecimento, onde se revelará a segurança e presteza da prestação jurisdicional, com critérios objetivos de produtividade, demonstração de interesse pela magistratura, participação ativa em congressos jurídicos, aprimoramento intelectual com a realização de cursos e produção acadêmica. Assim, os Juízes para integrarem os Tribunais Superiores, passariam a contar o mesmo critério e nomeação pelo Tribunal respectivo, retirando, assim do Poder Executivo a intromissão política indesejada na magistratura.

- Nomeação dos Diretores de Secretaria e dos chefes de seção, pelo respectivo Juiz Presidente da Junta, evitando-se a utilização dessas nomeações em fortalecimento do Presidente do Tribunal, além de melhorar qualitativamente os serviços judiciais, já que o Presidente da Junta, pelo contato, conhece melhor as habilidades de cada servidor, logo é o mais indicado para o provimento de tais cargos.

- Eliminação da possibilidade de se utilizar Recurso de Revista por divergência jurisprudencial, evitando-se que determinada realidade local seja reexaminada por operadores distantes da mesma, bem como por este prima se fortalece os Tribunais Regionais, para tanto há necessidade de criação obrigatória do recurso de Embargos de Divergência nos mesmos, face decisões contrárias entre as Turmas que o compõem, a fim de se uniformizar o entendimento regional.

- Alargamento da competência trabalhista, com a introdução de Varas Especializadas em litígios sindicais, cobrança de contribuições previdenciárias e referente ao PIS, acidente de trabalho e servidores públicos.

- Dotar as Juntas com mais de 1.000 processos por ano, da presença permanente de Juiz Auxiliar, a fim de otimizar o trabalho e acelerar a prestação jurisdicional.

- A criação do plantão judicial, com a permanência de Juízes durante o recesso forense, para decidirem de imediato questões relevantes, como liminares, mandados de segurança, etc.., a serem definidas em lei ordinária.

- Redimensionamento da função corregedora, suprimindo-se a correição parcial, bem como que os atos da Corregedoria sejam aprovados pelos respectivos Tribunais.

Essas são, então, as primeiras propostas visando alçar o magistrado trabalhista no debate dos grandes temas nacionais, esperando-se que esta alavanca inicial encontre receptividade crítica junto aos colegas, com sugestões para o aprimoramento do presente.

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Sobre o autor
Carlos Zahlouth Júnior

juiz do Trabalho em Belém (TRT da 8ª Região), vice-presidente da Amatra VIII, professor de Direito na UFPA e na UNAMA, pós-graduado em Processo Civil pela Universidade de Coimbra (Portugal)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZAHLOUTH JÚNIOR, Carlos. Atuação do magistrado trabalhista no Brasil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 1, n. 4, 29 dez. 1996. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1218. Acesso em: 19 dez. 2024.

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