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O novo Direito do Trabalho

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VII- Direito do Trabalho Mínimo

Nenhum ordenamento jurídico consegue acompanhar os avanços sociais, vez que a lei, por sua natureza, é rígida no tempo. Qualquer proposta de melhoria no Direito do Trabalho, quanto mais a fomentação de endurecimento e multiplicação das leis e sua execução, não passará de exploração do desespero inconsciente da sociedade e forma de ocultar os verdadeiros problemas a serem enfrentados.

Pesquisas revelam que o Direito do Trabalho somente intervém num reduzidíssimo número de casos, sendo impossível determinar-se estatisticamente o número de trabalhadores que deixam de ingressar no sistema por diversos motivos. Argüi-se que se tiver em conta os números de trabalhadores que labutam à margem dos direitos assegurados na legislação trabalhista, ou seja a soma dos chamados informais que passam ao largo do conhecimento ou da atuação da justiça laboral- quer porque desconhecida, quer porque não identificados os trabalhadores, quer porque alcançados pela prescrição, quer porque objeto de composição extrajudicial, quer porque não provados, etc..., verificar-se-á que o trabalho registrado de carteira assinada é no mínimo insatisfatório.

Como achar normal um sistema que só intervém na vida social de maneira tão insatisfatória estatisticamente ? Todos os princípios ou valores sobre as quais tal sistema se apoia (a igualdade dos cidadãos, o direito a justiça, princípio protetor, etc..) são radicalmente deturpados, na medida em que só se aplicam àquele pequeno número de casos que são os trabalhadores de carteira assinada ou os que venham reclamar perante a justiça do Trabalho com sucesso. O enfoque tradicional se mostra, de alguma forma às avessas.

O Direito do Trabalho, portanto, deveria ter um papel secundário no controle dos conflitos sociais. Destarte, o Direito do Trabalho que se vislumbra no horizonte, é o da intervenção mínima, onde o Estado deve reduzir o quanto possível sua ação na solução dos conflitos. Neste contexto, propõe-se, em suma, a flexibilização, desregulamentação e a desistitucionalização dos conflitos trabalhistas, restando ao Estado aquilo que seja efetivamente importante a nível de controle.

Frente a esta realidade, o ideal desta nova tendência é buscar a minimização da utilização do Direito do Trabalho imposto pelo Estado, através de quatro proposições básicas: a) impedir novas regulamentações na área trabalhista - significa evitar a criação de novos direitos, pelo Estado, mormente para regular conflitos de abrangência social não tão acentuada, donde possa haver solução do conflito noutra esfera; b) promover a desregulamentação - na mesma esteira do tópico anterior, visa reduzir a quantidade de direitos, abolindo da legislação trabalhista direitos donde as partes envolvidas possam resolver per si, sem que isso ofenda o real interesse da coletividade; c) flexibilização - cujo fundamento cinge segundo Arturo Hoyos pelo uso dos instrumentos jurídicos que permitam o ajustamento da produção, emprego e condições de trabalho à celeridade e permanência das flutuações econômicas, às inovações tecnológicas e outros elementos que requerem rápida adequação; d) desinstitucionalização - desvincular do âmbito do Direito do Trabalho e, até mesmo da esfera estatal, a solução de pequenos conflitos, quando atingir somente a esfera dos envolvidos aos quais seria reservado outras formas de satisfação de seus interesses.


VIII- Propostas para combater o desemprego

O debate acerca do desemprego envolve posições muito divergentes: liberais, social-democratas, revolucionárias etc. Apresentar propostas consensuais para um problema complexo constitui tarefa árdua. Considerações ideológicas à parte, serão listadas a seguir apenas algumas primeiras indicações do que parecem ser pontos de convergência:

a. Revisão da legislação. Facilmente se constata a necessidade de reformulação da CLT, extremamente paternalista, criada em uma época de economia fechada (1943). A CLT se encontra obsoleta em certos tópicos, além de confusa, imprecisa e assistemática. Mais além, conviria ao Poder Legislativo verificar a possibilidade e discutir, com muita cautela, a conveniência de se admitir expressa disposição constitucional que consagre a flexibilização absoluta (de todos os direitos sociais) como mecanismo capaz de modernizar as relações trabalhistas - sempre com o cuidado de se garantir a proteção do trabalhador. Assim, por exemplo, poder-se-ia implementar o horário flexível de trabalho ou a redução da jornada de modo universal e gradual, com redução concomitante de impostos e encargos, mas sem redução de salários, de conformidade com o lema dos sindicatos franceses de "traba7lhar menos para que trabalhem todos". Conviria, entretanto, que eventual redução da jornada não viesse acompanhada de previsão de horas-extras, pois poderia, nesse caso, ser ainda mais oneroso para o empregador, podendo promover desemprego. A questão não é simples.

b. Criação de mecanismos para estimular a negociação coletiva. No Brasil, a tutela do trabalhador é fundamentalmente regida pela legislação. Em outros países, como, e.g., os EUA, predomina a vertente negocial, em que a proteção do hipossuficiente é estabelecida por acordos conduzidos pelos sindicatos. No caso brasileiro, poderia ser conveniente ampliar os mecanismos de negociação coletiva, a exemplo do que sucede nos EUA, onde existe um eficiente sistema de queixas e arbitragem dentro da própria empresa, o qual deve ser esgotado antes de se recorrer à Justiça do Trabalho. A propósito, os princípios da flexibilização e da autonomia privada consagrados pela Lei Maior já "conferem aos sindicatos maior liberdade para negociar, valorizando a atuação dos segmentos econômicos e profissionais na elaboração das normas que regerão as respectivas relações...".(16) O resultado natural de uma maior liberdade negocial será o fortalecimento dos próprios sindicatos.

c. Qualificação da mão-de-obra. A educação profissional se tornou prioridade absoluta diante da crescente competitividade, donde a necessidade de aumento de recursos para reciclagem de mão-de-obra, para tornar o trabalhador capaz de lidar com novas tecnologias. Não parece caber ao Estado a função de agenciador de empregos. Cabe, isso sim, criar mecanismos, por meio de políticas públicas , para permitir um melhor aproveitamento da mão-de-obra desqualificada e/ou ociosa.

d. Revisão dos programas governamentais existentes. Não parece conveniente a criação pura e simples de outros programas – o que implicaria maiores gastos do governo federal. Conviria apenas reavaliar os já existentes: o Programa de Geração de Emprego e Renda (PROGER), de eficácia limitada; o Programa Nacional de Qualificação do Trabalhador (PLANFOR); o Programa de Expansão do Emprego e Melhoria da Qualidade de Vida do Trabalhador (PROEMPREGO); além do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI) e o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC).

e. Criação de empregos no setor de serviços. Pode-se entender, em grau otimista, que , no Brasil, ainda há muitos setores que necessitam de mão-de-obra, notadamente o setor de serviços (turismo, e.g., é uma área muito citada pelos analistas econômicos como a que mais deve crescer nos próximos anos). Assim, a médio prazo, novas oportunidades de trabalho podem ser criadas em outros setores, que não no industrial. Lembre-se que o setor industrial já não é mais o grande criador de empregos.

f. Redefinição da parceria entre Estado e indústria. Consoante reza o art. 174 da Constituição Federal de 88, "agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado". Assim, a princípio, caberia ao Poder público reger a economia nacional. Como observa Manoel Gonçalves Ferreira Filho, "ao contrário da Constituição anterior, cuja inspiração era neoliberal, embora na prática não o tenha sido, a Constituição vigente é nitidamente estatista no plano econômico".(17) De qualquer sorte, sabe-se que é antigo o debate entre defensores do liberalismo econômico e do intervencionismo estatal. A interferência mínima do Estado na economia pode garantir maior prosperidade econômica, mas não se deve esquecer que, historicamente, a intervenção estatal - sob a forma de regras protecionistas – pôde estimular o desenvolvimento do mercado interno. Além disso, se o livre mercado pode melhorar a produção, por meio da livre concorrência, apenas a presença do Estado pode assegurar uma melhor distribuição de renda. Assim, não parece ser impertinente afirmar que a conveniência ou não da intervenção do Estado na economia depende das conjunturas do país e do mundo. A parceria entre o Estado e a indústria no Brasil foi efetivada nos anos 50, começou a se desfazer nos anos 70 - com o esgotamento do modelo de industrialização por substituição de importações - , aumentou na década de 80 e foi praticamente desfeita na de 90. Precisaria ela ser reconstruída com a participação conjunta e equilibrada dos trabalhadores, partidos políticos, Governo federal e empresários do setor.

g. Crescimento econômico. A principal razão do desemprego, no âmbito nacional, está na desaceleração do nível de atividade da economia, provocada pela desestabilização das contas externas, que, por sua vez, é resultado das altas taxas de juros. Considerando que se trata de fenômeno de caráter nitidamente estrutural, parece claro que respostas eficientes e definitivas ao problema do desemprego pressupõem, de início, estabilidade da economia nacional, controle do déficit público, reforma tributária, aumento da produtividade interna e da competitividade. Na verdade, só o crescimento econômico – decorrente de investimentos - gera empregos. Recorde-se que durante o período de 1968-72 ("milagre econômico"), quando a taxa de crescimento econômico chegou a 10% a.a., a taxa de investimentos era de 25% do PIB; hoje, está em cerca de 17% do PIB. Daí a necessidade de bem engendradas políticas para aumentar a taxa de investimentos, culminando no desenvolvimento econômico. A solução, pois, não será encontrada a curto prazo. O assunto precisa ser debatido em profundidade e não pode ser encarado, no caso do Brasil, como mera oportunidade pré-eleitoral.


IX- Conclusão

Este final de século apresenta sérios desafios para a humanidade. As questões mais do que nunca apresentam-se em nível global, e a solução dos graves problemas que ameaçam a estabilidade do planeta necessitam da construção de um novo modelo de Estado, de sociedade e de economia. Nesta fase da história torna-se fundamental que o tema "Direito do Trabalho Mínimo" seja amplamente discutido, a fim de que os valores já conquistados pela nossa civilização não comecem a ser relegados pela rigidez de idéias que muita das vezes ampliaram o estado crítico em que encontram-se as instituições.

O atual Direito do Trabalho surge pela idéia e pelos mecanismos de concertação social. Fenômeno dos nosso dias, potenciado pela evolução das crises econômicas, a progressiva intervenção tripartida dos parceiros sociais (sindicatos, associações patronais e Governo) para consensualmente definirem e executarem a política econômica e social. Este fenômeno corresponde a um novo espírito do Estado, menos centralizado, mais aberto aos grupos naturais e mais preocupado com a eficácia de seus atos. É a este propósito que se referem constantemente as idéias de flexibilização, desregulamentação, Direito do Trabalho mínimo, de concertação e de busca de consensos, que expressam um método de administrar e legislar em que o Estado se preocupa:

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O Direito do Trabalho enfrenta, neste momento histórico, desafios importantes. O novo Direito do Trabalho para sobreviver como meio regularizador da relações laborais deverá beneficiar-se, cada vez mais, do protagonismo dos grupos organizados e que buscam consensos trilaterais (Estado, organizações de empregadores e organizações de trabalhadores), que se exprimem em convenções ou pactos sociais. O sindicalismo tem perdido a força e militância, mas ganha poder de intervenção nas decisões políticas, econômicas e sociais.

Vale ressaltar, por fim, que é fundamental, acima de tudo, a conscientização para uma nova postura frente aos fatos relacionados as relações laborais, com a pujança de um ideal perene de justiça social, pois não se combate as mazelas sociais referentes ao conflitos laborais sem antes erradicar suas raízes, há muito tempo encrostadas nos desmandos políticos dos governantes e na mentalidade anacrônica da minoria privilegiada que se recusa suprir as necessidades elementares da pessoa humana e a distribuir os louros do desenvolvimento econômico.


NOTAS

1 MARUANI, Margaret et alii. La flexibilité en Italie / Débats sur l’emploi. Paris, Syros/Alternative, 1989, p.25.

2 Cf. BRUNO, Sergio. "La flexibilité : un concept contingent". In: MARUANI, op. cit, p.39.

3 Cf. As seguintes decisões do TST proferidas em Recursos Ordinários em Dissídio Coletivo: Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 1373, de 03.11.97, publicado no DJ de 12.12.97, à p. 65847; Acórdão n. 923, de 04.08.97, publicado no DJ de 05.09.97, à p. 42134; Acórdão n. 448, de 15.04.97, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22142; Acórdão n. 354 de 31.03.97, publicado no DJ de 02.05.97, à p. 16821; Acórdão n.166, de 24.02.97, publicado no DJ de 04.04.97, à p. 10777; Acórdão n. 704, de 24.06.96, publicado no DJ de 04.10.96, à p.37363; bem como decisões proferidas em Recursos de Revista : Acórdão n.6876, de 23.10.96, publicado no DJ de 23.05.97, à p. 22244; Acórdão n.7451, de 11.12.96, publicado no DJ de 07.03.97, à p.05809; Acórdão n. 4310, de 08.09.97, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817.

4 Cf. Acórdão n. 6876, de 23.10.96, proferido pela Segunda Turma do TST em Recurso de Revista. Redator Min. José Luciano da Castilho Pereira. Recorrente: Fertisul S/A. Recorrido: Morency Goulart Gonçalves.

5 Acórdão n. 1434, de 17.11.97 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado no DJ de 12.12.97, à p.65850. Recorrente: Ministério Público do Trabalho da 4ª Região. Recorridos: Sindicato das Indústrias Químicas no Estado do RS e Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Químicas e Plásticas de Estância Velha.

6 Cf. reportagem da revista Isto É, de 17.12.97, à p. 108 : "Tudo pelo emprego".

7 Decisão proferida pela Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST em 15.04.97, Acórdão n. 448, Relator Min. Antônio Ribeiro.

8 Apud: BUENO DE CARVALHO, Amílton. "Flexibilização x Direito Alternativo". In: SOUZA JÚNIOR, José Geraldo e AGUIAR, Roberto (org.).Introdução crítica ao direito do trabalho. Brasília, UnB, 1993, p.97-102.

9 BUENO DE CARVALHO, Amílton, op.cit, p.101.

10 Cf. Acórdão n. 4310 da Subseção I Especializada em Dissídios Individuais do TST, publicado no DJ de 19.09.97, à p. 45817. Embargo em Recurso de Revista. Embargante: Mineração Morro Velho Ltda. Embargados: Valdir Margarido dos Santos e outros. Relator: Min.Rider Nogueira de Brito.

11 RISOLIA, M.A.: "Soberania e Crise do Contrato ", Bs.As. 1955.

12 BORDA, G.: "l-a reforma de 1968 ao Código Civil ", Bs. Ás. 1971.

13 SARDEGNA, M.A.: Regime de Contrato de Trabalho e Lei Nacional de Emprego Bs. Ás. 1993, pág. 30.

14 BIDART CAMPOS, G.J.: "O supermecado e a liberdade econômica absoluta", jornal A Imprensa 20.7.93.

15 Aqui concluíram nossas reflexões no Relatório que se difundiram por aquele Avanço de Investigação apresentado no Instituto Gioja para aquela referência que foi feito na primeira nota.

16 Cf. Acórdão n. 448 da Seção Especializada em Dissídios Coletivos do TST, publicado à p. 22142 do DJ de 23.05.97. Relator : Min. Antônio Fábio Ribeiro.

17 FERREIRA FILHO. Op. cit., p. 306.

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Sobre os autores
Ancelmo César Lins de Góis

diplomata de carreira em Brasília (DF), bacharel em Direito e em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília (UnB), professor de Ciência Política na Faculdade de Direito do UniCEUB

Miguel Angel Sardegna

professor titular de Direito do Trabalho e da Seguridade Social da Faculdade de Direito da Universidade de Buenos Aires

Mario Antonio Lobato de Paiva

Sou advogado há mais de 20 anos e trabalho com uma equipe de 10 advogados aptos a prestar serviços jurídicos em todas as áreas do Direito em Belém, Brasília e Portugal. Advogado militante em Belém, foi Conselheiro e Presidente da Comissão em Direito da Informática da OAB/PA, Ex-Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Pará, especialista em Direito da Informática; Assessor da OMDI- Organização Mundial de Direito e Informática; Membro do IBDI- Instituto Brasileiro de Direito da Informática; Instituto Brasileiro de Direito Eletrônico -IBDE ; Colaborador de várias revistas e jornais da área jurídica nacionais e estrangeiros tendo mais de 400 (quatrocentos) artigos publicados; autor e co-autor de livros jurídicos; palestrante a nível nacional e internacional. Site: www.mariopaiva.adv.br email: [email protected]

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GÓIS, Ancelmo César Lins ; SARDEGNA, Miguel Angel et al. O novo Direito do Trabalho. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 49, 1 fev. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1222. Acesso em: 19 abr. 2024.

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