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Tratados internacionais em matéria tributária e o princípio da hierarquia das leis

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01/02/2009 às 00:00
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5. A APLICAÇÃO DOS TRATADOS INTERNACIONAIS PELOS TRIBUNAIS BRASILEIROS

A jurisprudência brasileira ainda não é unânime com relação à aplicação dos tratados internacionais que versem sobre matéria tributária em face da legislação interna.

Entretanto, vozes há que se avolumam no sentido de garantir ao direito internacional convencional a devida primazia sobre o direito interno, tendo em vista os preceitos permissivos para tanto, sejam eles constitucionais (art. 4º, inc. IX e parágrafo único e art. 5º, parágrafo 2º), legais (art. 98 CTN) ou doutrinários.

Veja-se, por exemplo, decisão prolatada pelo extinto Tribunal de Alçada do Estado do Paraná:

"TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. ISS. IMPLANTAÇÃO GASODUTO BRASIL-BOLÍVIA. ISENÇÃO TRIBUTÁRIA POR ACORDO INTERNACIONAL RATIFICADO PELO CONGRESSO NACIONAL (DEC. Nº 212/97 E 128/96). ACOLHIMENTO PELOS ENTES TRIBUTANTES. LANÇAMENTO NULO. ISENÇÃO – QUESTÃO PREJUDICIAL À ANÁLISE DA CDA. SENTENÇA MANTIDA EM REEXAME NECESSÁRIO. RECURSO VOLUNTÁRIO NÃO CONHECIDO.

1) No sistema do direito tributário brasileiro cabe ao Presidente da República celebrar contratos, convenções e atos internacionais sujeitos ao referendo do Congresso Nacional (art. 84, VIII, c.c. art. 49, I, CF). 2) Diante da ratificação do acordo internacional para a isenção de tributos pela execução do projeto de gasoduto Brasil-Bolívia pelo Congresso Nacional, convolou-se em norma tributária interna, cabendo aos entes políticos editar leis específicas de isenção enquanto vigorar o acordo, dentro da sua própria competência. 3) Não há discricionariedade do poder público municipal em conceder ou não a isenção nos moldes preconizados no acordo tributário internacional firmado entre o governo federal e o governo da Bolívia, pelo que se impõe em reconhecer como nulo o lançamento efetuado em contrariedade ao definido no Decreto nº 2142/97, a rigor do artigo 98 do Código Tributário Nacional." (TA/PR, 7ª Câm. Cív., Rel. Juiz Miguel Pessoa, Ac. 17.387, Ap. Civ. 208+540-5, DJ 6493 de 07.11.03)

No mesmo sentido, decisão prolatada pelo Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL. ICMS. BACALHAU. ISENÇÃO. GATT. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL INEXISTENTE. INAPLICABILIDADE DA SÚMULA Nº 126/STJ.ART. 98 DO CTN

. 1. Não tem incidência a Súmula nº 126 do Superior Tribunal de Justiça, quando o acórdão recorrido está assentado em compreensão de dispositivos infraconstitucionais, não constituindo fundamento do julgado a mera alusão a artigo da Carta Maior.

2. "Quem tributa ou isenta do ICMS são os Estados, mas a União pode, por acordo internacional, garantir que a tributação, quando adotada, não discrimine os produtos nacionais e os estrangeiros, em detrimento destes." (EDcl no REsp nº 146.236/RJ). 3. Continua em vigor a Súmula nº 71 deste Tribunal, onde se assenta que "o bacalhau importado de país signatário do GATT é isento de ICMS." 4. Agravo regimental a que se nega provimento."

(AgRg no Ag 304.962/RJ, Rel. Ministro PAULO GALLOTTI, SEGUNDA TURMA, julgado em 06.03.2001, DJ 13.08.2001 p. 136)

Ainda, no mesmo diapasão, o STJ:

"TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO. REDUÇÃO DE ALÍQUOTA. DERIVADOS DA VITAMINA A-1 - GATT (Lista III) - CTN, ARTIFOS 96 E 98 - DECRETO 78.887/88.

1. A importação da Vitamina A-1 - processa-se beneficiada por específica redução de alíquota decorrente do Acordo Geral sobre Tarifas Aduaneiras e Comércio - GATT. A lista III, aplicável à Vitamina A-1, não excepcionou os derivados: álcool, palmitato ou acetato. 2. Multifários precedentes jurisprudenciais. 3. Recurso sem provimento." (REsp 129.280/SP, Rel. Ministro MILTON LUIZ PEREIRA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 16.11.1999, DJ 27.03.2000 p. 66)

Possível perceber, deste modo, clara tendência da jurisprudência pátria a reconhecer a primazia do direito convencional internacional sobre o direito interno, mormente num contexto político e histórico que tem por objetivo maior a interação entre os povos para o progresso da humanidade.

A adoção destes princípios pelos tribunais brasileiros só leva a entender que a República Federativa do Brasil, passa assim, a gozar de prestígio na ordem jurídica internacional, tendo em vista a ética e respeito dedicados ao direito das gentes, seja quando este se expressa na ordem exclusivamente internacional, ou quando se integra ao ordenamento jurídico pátrio.


6. CONCLUSÃO

Ante a pesquisa realizada, é possível afirmar que o tema em questão requer, ainda, amplo aprofundamento por parte da doutrina e da jurisprudência para que se reconheça, por derradeiro, a aplicabilidade dos tratados internacionais em matéria tributária em face da ordem jurídica interna brasileira.

É de se levar em consideração que, se a Constituição Federal não delineou expressamente o regramento da questão suscitada no presente trabalho, ao menos indicou, por meios principiológicos, o caminho correspondente aos anseios por ela representados. Não obstante, tendo em vista que o atual panorama jurídico mundial tem se inclinado para a primazia do Direito Internacional Público em detrimento das legislações infraconstitucionais dos países, também se mostra importante a inserção do Estado brasileiro na sociedade mundial globalizada, em que, a cada dia, mais e mais barreiras, sejam políticas, econômicas, culturais, tecnológicas e jurídicas são quebradas.

Assim, visando ao progresso dos povos e à formação de uma comunidade de nações, deve-se engendrar esforços no sentido de ajustar a legislação tributária interna às disposições dos tratados internacionais de que o Brasil faça parte, e de se assegurar a devida aplicabilidade em nossa ordem jurídica dos pactos firmados ante demais atores do Direito Internacional Público. Como restou comprovado, estes são os preceitos adotados, muitas das vezes, pelas vozes jurisprudenciais, tanto as mais tradicionais como as mais modernas.

A doutrina, ainda dividida, mas com nomes de peso a sustentar a supremacia dos tratados internacionais sobre a legislação pátria, há de clarear os trilhos a serem percorridos, para que sejam alcançados denominadores comuns acerca da matéria.

Se faz necessário também que os entes da federação soem em uníssono ante as disposições de direito internacional convencional, no intuito de que seja garantida aplicabilidade eficaz do direito dos tratados, imprimindo credibilidade do Brasil na ordem jurídica internacional.

A sociedade internacional contemporânea, cada vez mais interligada, ainda espera por ações estatais que ponham termo às antinomias existentes entre direito internacional e direito interno, no escopo de se alcançar a efetiva integração mundial dos povos.


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., rev. e complem., Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2000.

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Notas

  1. REZEK, José Francisco. Direito Internacional Público. 5ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 1995, p.14
  2. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito Constitucional Internacional. Rio de Janeiro: Renovar, 1994, p.9
  3. ACCIOLY, Hildebrando. Manual de Direito Internacional Público. 15ª ed., rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2002, p.28
  4. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 14ª ed. rev. ampl. e atual., São Paulo: Malheiros, 2000, p.161
  5. FERNANDES, Edison Carlos. Sistema Tributário do Mercosul. 2ª ed. atual., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.30
  6. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.29
  7. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.30
  8. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., p.162
  9. FERNANDES, Edison Carlos. Sistema..., p.36
  10. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito..., p.10
  11. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.34
  12. XAVIER, Alberto. Direito Tributário Internacional do Brasil. 5ª ed., reform. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p.100
  13. XAVIER, Alberto. Direito..., p.100
  14. Ibid, p.101
  15. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito..., p.263
  16. XAVIER, Alberto. Direito..., p.102
  17. MELLO, Celso D. de Albuquerque, Direito..., p.263
  18. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.37
  19. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.37
  20. XAVIER, Alberto. Direito..., p.102
  21. MELLO, Celso D. de Albuquerque. Direito..., p.26
  22. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.38
  23. Ibid, p.25
  24. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.39
  25. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.41
  26. ACCIOLY, Hildebrando. Manual..., p.42
  27. SIDOU, J. M. Othon. Dicionário Jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p.194
  28. XAVIER, Alberto. Direito..., p.106
  29. XAVIER, Alberto. Direito..., p.106
  30. XAVIER, Alberto. Direito..., p.108
  31. Ibid, p.113
  32. XAVIER, Alberto. Direito..., p.113/114
  33. XAVIER, Alberto. Direito..., p.117
  34. XAVIER, Alberto. Direito..., p.117
  35. TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. 16ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2002, p.78
  36. SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24ª ed. rev. e atual., São Paulo: Malheiros, 2005, p.494
  37. MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 9ª ed., atual., São Paulo: Atlas, 2001. p.549
  38. MORAES, Alexandre de. Direito..., p.550
  39. XAVIER, Alberto. Direito..., p.117
  40. MORAES, Alexandre de. Direito..., p.551
  41. XAVIER, Alberto. Direito..., p.117
  42. SIDOU, J. M. Othon. Dicionário..., p.276
  43. SILVA, José Afonso da. Curso..., p.45
  44. CASELLA, Paulo Borba. Direito Internacional Tributário Brasileiro. São Paulo: LTr, 1995, p.25
  45. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., p.164
  46. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Direito Tributário Contemporâneo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p.166
  47. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Direito..., p.166
  48. BALEEIRO, Aliomar. Direito Tributário Brasileiro. 7ª ed., rev. e complem., Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.639
  49. Ibid, p.167
  50. XAVIER, Alberto. Direito..., p.119
  51. XAVIER, Alberto. Direito..., p.119
  52. CASELLA, Paulo Borba. Direito..., p.24
  53. XAVIER, Alberto. Direito..., p.93
  54. MELO, José Eduardo Soares de. Curso de Direito Tributário, 2ª ed., São Paulo: Dialética, 2001, p.130
  55. XAVIER, Alberto. Direito..., p.134
  56. CORRÊA, Sergio Feltrin. Código Tributário Nacional Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p.430
  57. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., p.292
  58. Ibid, p.293
  59. XAVIER, Alberto. Direito..., p.124
  60. CASELLA, Paulo Borba. Direito..., p.27
  61. AMARAL, Antonio Carlos Rodrigues do. Comentários ao Código Tributário Nacional. São Paulo: Saraiva, 1998, p.36
  62. CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 16ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.153
  63. MELO, José Eduardo Soares de. Curso..., p. 100
  64. Ibid, p.265
  65. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., p.331
  66. CARRAZZA, Roque Antonio. Curso..., p.337
  67. XAVIER, Alberto. Direito..., p.136
  68. XAVIER, Alberto. Direito..., p.137
  69. AMARO, Luciano. Direito Tributário Brasileiro. 11ª ed., rev. e atual., São Paulo: Ed. Saraiva, 2005, p.188
  70. BEUX, Carla. Direito Tributário Atual. Curitiba: Juruá, 2000, p.203
  71. AMARO, Luciano. Direito..., p.180
  72. Ibid, p.180
  73. RIBEIRO, Maria de Fátima. Comentários ao Código Tributário Nacional. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.204
  74. Ibid, p.211
  75. PAULSEN, Leandro. Direito Tributário. Porto Alegre: Malheiros, 2000, p.94
  76. BALEEIRO, Aliomar. Direito..., p.639
  77. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 24ª ed. rev. atual. e ampl., São Paulo: Malheiros, 2004, p.91
  78. AMARO, Luciano. Direito..., p.181

79.MACHADO, Hugo de Brito. Revista Dialética de Direito Tributário n.º 93. São Paulo: Dialética, 2003, p.25

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Sobre o autor
Alexsandro Gomes de Oliveira

Bacharel em Direito pela PUC/PR. Advogado. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela PUC/PR

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

OLIVEIRA, Alexsandro Gomes. Tratados internacionais em matéria tributária e o princípio da hierarquia das leis. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2041, 1 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12284. Acesso em: 27 abr. 2024.

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