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Assistência judiciária gratuita na Justiça do Trabalho, à luz da Lei nº 1.060/50 e da CF/88 (artigo 5º, XXXV e LXXIV).

A inconstitucionalidade do caput do artigo 14 da Lei nº 5.584/70

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11/02/2009 às 00:00
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5.Direito de assistência por advogado da livre escolha do necessitado

Outro ponto importante, que merece ser salientado, que está contemplado, expressis verbis, no § 4º [13], do art. 5º, da LAJ é o que diz respeito ao direito que é assegurado ao necessitado de ser assistido, em juízo, por advogado da sua livre escolha.

Nesta órbita de entendimento, é pacífica a jurisprudência dos tribunais pátrios, segundo se depreende da ementa do acórdão do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, anotada por Negrão e da ementa do acórdão da 2ª Turma do TRT da 10ª Região, que ostentam as seguintes redações:

Se a parte indicou advogado, nem por isso deixa de ter direito à assistência judiciária, não sendo obrigada para gozar dos benefícios desta (RT 707/119) a recorrer aos serviços da Defensoria Pública [14].

Assistência judiciária gratuita – advogado particular – compatibilidade [15]

Assistência judiciária gratuita – Contratação de advogado particular – Custas/honorários. A contratação de advogado particular não constitui obstáculo à obtenção da gratuidade da justiça. Isso porque a Lei nº 7.510/86, a qual deu nova redação a alguns dispositivos da Lei nº 1.060/50 (Lei de Assistência Judiciária), estabelece que: Art. 4º - A parte gozará dos benefícios da assistência judiciária, mediante simples afirmação, na própria petição inicial, de que não está em condição de pagar as custas do processo e os honorários de advogado, sem prejuízo próprio ou de sua família. § 1º Presume-se pobre, até prova em contrário, quem afirmar essa condição nos termos desta Lei, sob pena de pagamento até o decuplo das custas judiciais... (gn)


6.Dos direitos e garantias constitucionais

Rezam, textualmente, o art. 5º e o inciso XXXV, da Constituição Federal vigente, in verbis:

Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantido-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, a segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(...)

XXXV – A Lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciária lesão ou ameaça a direito [16].

Veja-se que, o preceito constitucional, em epígrafe, ao estabelecer que: "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito", harmonizou-se com o espírito das normas infraconstitucionais, em comento, o que significa que a Constituição Federal, em razão do princípio da inafastabilidade do controle judicial, quer que seja facilitado a todos, sem distinção de qualquer natureza, o acesso à Justiça.

6.2Direito de igualdade

Por outro lado, dispõe o inciso LXXIV, do indigitado artigo e Carta Política, in verbis:

(...)

LXXIV – O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos [17];

Como se vê, a assistência judiciária gratuita aos necessitados, além de prevista nas Leis sob comento, conforme fartamente demonstrado, é, também, assegurada pelo preceito constitucional, nos termos acima, a todos aqueles que comprovarem insuficiência de recursos para arcar com as despesas processuais e honorários de advogado, sem prejuízo do sustento próprio ou da família.

Wolgran Junqueira Ferreira, ao comentar o dispositivo supra, assim se expressou, ipisis verbis:

O escopo da assistência judiciária gratuita aos necessitados busca a aplicação do princípio da igualdade jurídica. Dentro da mesma situação jurídica hão que ser tratados de forma igual, mesmo os que estejam em desigualdade financeira ou econômica. Tanto assim, que a Constituição concede esse direito a todos, sem fazer distinção entre brasileiros e estrangeiros.

E ARREMATA

Não há que se confundir necessidade com miserabilidade. Basta que o interessado não possa prover as custas processuais sem prejuízo do sustento próprio e da família para que invoque o preceito constitucional.


7.Da inconstitucionalidade do caput do artigo 14 da Lei 5.584/70

Vê-se, assim, que o caput do art. 14 da referida Lei é inconstitucional, haja vista que não se coaduna com os princípios da inafastabilidade e da igualdade, que estão agasalhados no art. 5º, XXXV e LXXIV, da Lei Maior. Princípios estes, que asseguram a todos, sem exceção, o direito de acesso à justiça e a assistência judiciária gratuita e integral.

Com efeito, o caput do artigo, sob comento, com o advento da atual Constituição Federal, tornou-se letra morta, haja vista que afronta, não só o direito de acesso à justiça, mas, sobretudo, o direito de igualdade à assistência judiciária gratuita e integral, assegurado a todos aqueles que se enquadrarem no conceito de necessitado, sem distinção de qualquer natureza, posto que o necessitado processual, patrocinado por advogado particular é igual ao necessitado processual, assistido pelo sindicato, pois, como dito, linhas atrás, e não é supérfluo repetir: o art. 14 da Lei 5.584/70, não pode ser interpretado, como vem sendo, no sentido de ter excluído do processo trabalhista a Lei 1.060/50, e o que é pior, a norma constitucional, tornando a assistência judiciária uma exclusividade dos sindicatos dos empregados; "porque o texto não diz (como poderia parecer) que na Justiça do Trabalho a assistência "só será prestada pelo sindicato"; viola ainda os postulados igualitários; significa retrocesso no próprio direito processual comum brasileiro; falta-lhe visão da grandeza da Justiça e da missão do advogado; porque perquirindo-se a finalidade da lei, não há vantagem na discriminação contra o necessitado trabalhista, em cotejo com o necessitado do processo comum; seja o advogado do sindicato, seja o advogado escolhido pelo trabalhador, os honorários serão pagos pelo adversário vencido; porque é inconsistente o argumento de que na Justiça do Trabalho o advogado é desnecessário, mesmo reconhecendo às partes o direito de postular" [18].


8.Um exemplo dará mais força e clareza às explicações

Agora, expendidas estas considerações, torna-se imperioso que se traga à colação um exemplo, que dará mais força e clareza às explicações. Assim, se nos afigura a hipótese de que, numa relação jurídica trabalhista, um Reclamante não disponha, na sua localidade, de um sindicato da sua categoria profissional ou mesmo, na existência deste, não concorde com a orientação adotada pelo sindicato, visando receber um crédito trabalhista, no valor superior a 40 salários mínimos e dispondo dito Reclamante, ora pretendente aos benefícios da assistência judiciária gratuita, de uma renda mensal de R$ 3.000,00 (três mil reais), para fazer face às despesas fixas mensais com: aluguel, água, luz, telefone, despesas escolares com dois filhos, prestação de veículo, alimentação e outras despesas, tenha que pagar custas, para interpor recurso, em razão de a sentença de piso ter julgado improcedente a reclamatória, tudo, conforme discriminado no gráfico abaixo:

Renda Mensal

R$ 3.000,00

Despesas fixas

R$ 3.000.00

Aluguel

R$ 500,00

R$ 500,00

Água

R$ 50,00

R$ 550,00

Luz

R$ 100,00

R$ 650,00

Telefone

R$ 150,00

R$ 800,00

Escola

R$ 600,00

R$ 1.400,00

Prestação de veículo

R$ 500,00

R$ 1.900,00

Alimentação

R$ 800,00

R$ 2.700,00

Outras despesas

R$ 300,00

R$ 3.000,00

Custas recursais

R$ 240,00

R$ 3.240,00

Total das despesas no mês

R$ 3.240,00

Deficit

R$ 240,00 (-)

Como visto acima, é inquestionável que este demandante, na definição das indigitadas Leis, é necessitado processual, bastando para fazer jus à concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, simples afirmação, na petição inicial, de que não tem condições de arcar com as despesas processuais e honorários de advogado, sem prejuízo do próprio sustento ou da família.


9.Considerações finais

Do exame do texto, extraem-se as seguintes ilações:

Sob o ponto de vista do direito, o conceito de necessitado ou pobre não está vinculado a determinado limite de valor de renda mensal percebida pelo beneficiário da assistência judiciária gratuita e, sim, a impossibilidade de pagamento das despesas processuais sem prejuízo do próprio sustento ou da família.

A assistência judiciária gratuita e integral é garantia constitucional que se destina a todos, sem distinção de qualquer natureza, em qualquer ramo do direito, inclusive o laboral, sendo, portanto, flagrante a inconstitucionalidade do caput do art. 14, da limitada Lei 5.584/70, que não deve ser interpretada, ipsis verbis, como vem sendo, por alguns aplicadores da Lei, excluindo do processo trabalhista, não só a Lei 1.060/50, mas, sobretudo, preceitos constitucionais, transformando, assim, a assistência judiciária gratuita uma exclusividade do sindicato da categoria profissional a que pertence o empregado beneficiário da gratuidade da justiça.

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A única exigência legal, inserta em lei para a concessão do benefício da assistência judiciária gratuita, é a afirmação do demandante de que não tem condições de arcar com as despesas processuais, sem prejuízo do próprio sustento ou da família.

Necessitado é todo aquele cuja situação econômica não lhe permita pagar as custas do processo e os honorários de advogado sem prejuízo próprio ou da família e pobre é a pessoa que não poder prover as despesas do processo sem privar-se dos recursos indispensáveis ao próprio sustento ou da família.

Portanto, a necessidade e/ou a pobreza, in casu, é a jurídica e não a denotada dos dicionários.

Oxalá, agora, com o advento da Emenda Constitucional nº 45, de 08.12.2004, que ampliou a competência da Justiça obreira, se amplie, também, a exemplo do que já vem ocorrendo nos tribunais pátrios, o entendimento daqueles que têm se posicionado em sentido contrário à aplicabilidade da Lei 1.060/50 ao Processo Trabalhista. Isto porque, é sobre a lei que recai a maior atividade investigadora do exegeta. E na lição de Carlos MaxiMiliano, "o interprete é o renovador inteligente e cauto, o sociólogo do Direito. O seu trabalho rejuvenesce e fecunda a fórmula prematuramente decrépita, e atua como elemento integrador e complementar da própria lei escrita. Esta é a estética, e a função interpretativa, a dinâmica do Direito".

Em linhas gerais, s.m.j., é o que se tinha para discorrer sobre a temática investigada.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Valentin. Comentários à consolidação das leis do trabalho, 26ª ed. São Paulo : Saraiva, 2001.

CRUZ, Adenor José da. Justiça gratuita aos necessitados à luz da Lei 1.060/50 e suas alterações. Repertório de Jurisprudência IOB, São Paulo, caderno 3, n. 18, p. 473, artigo n. 3/20661, 2. quinzena set. 2003.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário da Língua Portuguesa, 2ª ed. Rio de Janeiro : Editora Nova Fronteira, 1986.

FERREIRA, Wolgran Junqueira. Comentários à Constituição de 1988, 1ª ed. vol. 1, Campinas – São Paulo : JULEX, 1989.

MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 9ª ed. Rio de Janeiro : Forense, 1979.

MICHAELIS – UOL, 2002.

NEGRÃO, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 33ª ed. São Paulo : Saraiva, 2002.

NUNES, Pedro. Dicionário de tecnologia jurídica, 10ª ed. Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1979.


Notas

  1. NUNES, Pedro – Dicionário de Tecnologia Jurídica, 10ª ed., vol II, Rio de Janeiro : Freitas Bastos, 1979.
  2. AURÉLIO, MICHAELIS.
  3. CARRION, Valentim. Comentários a consolidação das leis do trabalho, 26ª ed. p. 576. São Paulo : Saraiva, 2001
  4. Ac. da 1ª T do TST – RR 771.237/01.8 – Rel. Juiz Aloysio Corrêa da Veiga, Convocado – j 04.12.02 – Recte.: Eliene Barbosa dos Santos; Recdo.: Bar e Restaurante Primor de Cubatão Ltda – DJU 1 14.02.03, p 484 – ementa oficial – in Repertório de Jurisprudência IOB
  5. Ac. da 5ª T do TST – RV 459063/03 – Rel. Juíza Rosita de Nazaré Sidrim Nassser – j. 10.12.2003 – Recte.: Rosália das Graças Rosa; recdo.: Foscalma S/A Comercial Exportadora DJ 06.02.2004 – Ementa Oficial. Disponível em http://www.tst.gov.br/bases jurídicas
  6. Ac. un. da 8ª T do TRT da 2ª R – RO 16679200290202004 – Rel. Juíza Maria Luiza Freitas – j. 27.01.03 – Recte.: Gasparina Maria de Jesus Souza; Recdo.: Siemens Vdo Automotive Ltda – DOSP 11.02.03, p. 61 – ementa oficial in Repertório de Jurisprudência IOB
  7. Conforme Cruz, Adenor José da. Justiça gratuita aos necessitados à luz da Lei 1.060/50 e suas alterações. Repertório de Jurisprudência IOB.
  8. Negrão, Theotônio. Código de Processo Civil e legislação processual em vigor, 33ª ed. São Paulo : Saraiva, 2002
  9. 9
  10. Ac. un. da 3ª T do TRT da 5ª R – sob o nº 31.161/04 – RO nº 00006.2004.492.05.00-2, Relatora Juíza LOURDES LINHARES – Rectes.: Antônia Marise Lins de Oliveira Ministro e outros; Recda.: Caixa Econômica Federal. Disponível em http://www.trt5ªr.gov.br
  11. Ac. da 1ª T do TST – RR 771.237/01.8 – Rel. Juiz Aloysio Corrêa da Veiga, Convocado – j 04.12.02 – Recte.: Eliene Barbosa dos Santos; Recdo.: Bar e Restaurante Primor de Cubatão Ltda – DJU 1 14.02.03, p 484 – ementa oficial – Repertório de Jurisprudência IOB – 1 quinzena abr 2003 – n 7/2003 – Caderno 2, p 178.
  12. Com o advento da EC nº 45, de 08.12.2004, os Tribunais de Alçada foram extintos, nos termos do art. 4º, daquela Emenda, verbis: Art. 4º. Ficam extintos os tribunais de Alçada, onde houver, passando os seus membros a integrar os Tribunais de Justiça dos respectivos Estados, respeitadas a antiguidade e a classe de origem.
  13. Rel. Juiz Amauri Alonso Lelo – j. 2.10.1990 – Aptes.: Anésio de Seara Campos Jr. e outros: Apdos.: Osório Augusto Dias e sua mulher - ementa oficial – IOB, 2ª quinzena fev/1991, nº 4/1991,p. 75
  14. § 4º Será preferido para a defesa da causa o advogado que o interessado indicar e que declare aceitar o encargo.
  15. STJ-Bol. AASP 1.703/205 – In Theotônio Negrão.
  16. Ac. da 2ª T do TRT da 10ª R – AgRO 0210/01 – Rel. Juíza Heloisa Pinto Marques – j. 30.10.02 – Agte.: Rosely de Melo Berbary; Agda.: Fundação Universidade de Brasília (FUB) – DJU 3 17.01.032, p. 23 – ementa oficial) - In Repertório de Jurisprudência IOB.
  17. Artigos constitucionais conexos: 5º, LXXIV, 92 e segts, 136, § 3º, 217.
  18. Legislação infraconstitucional: Lei nº 9.307/96 (Lei de Arbitragem).

  19. Artigo constitucional conexo: 134
  20. Legislação infraconstitucional: Lei nº 1.060/50; Lei Complementar nº 80/94 (organiza a Defensoria Pública da União e prescreve normas gerais para a sua organização); Lei nº 10.317/01(estabelece normas para a concessão de assistência judiciária aos necessitados para conceder a gratuidade do exame de DNA)

  21. Carrion, op. cit.
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Sobre o autor
Adenor José da Cruz

advogado, pós-graduado em Direito Processual Civil, vice-diretor da Escola Superior de Advocacia Prof. Amilton de Castro (ESAD), em Ilhéus (BA)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CRUZ, Adenor José. Assistência judiciária gratuita na Justiça do Trabalho, à luz da Lei nº 1.060/50 e da CF/88 (artigo 5º, XXXV e LXXIV).: A inconstitucionalidade do caput do artigo 14 da Lei nº 5.584/70. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2051, 11 fev. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12285. Acesso em: 18 abr. 2024.

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