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As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito

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18/04/2009 às 00:00
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8 CONCLUSÃO

A presente pesquisa teve por objetivo demonstrar as ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes de trânsito, sob o enfoque constitucional e infraconstitucional. Analisamos, dentre outros aspectos, se as funções atualmente desempenhadas por essas instituições estão dentro de seu âmbito de competência, se estas podem ser consideradas como órgãos componentes do SNT, assim como se podem ser designadas como agentes de trânsito ou atuarem sob a forma de convênio.

Vimos, inicialmente, que as guardas municipais possuem mais de 115 anos de história e estão presentes em 786 municípios brasileiros, contando com um efetivo de 74.797 pessoas. Com relação ao vínculo de subordinação, verificamos que 769 fazem parte da Administração Direta e apenas 16 pertencem à Administração Indireta.

Com relação às funções atualmente desempenhadas por essas instituições, notamos que, apesar da Carta Magna restringir sua atuação à proteção dos bens, serviços e instalações do município, sua atuação é desvirtuada das mais diversas formas. Essa atuação tem por supedâneo legislações municipais que, inadvertidamente, vêm atribuindo diversas funções que, constitucionalmente, são reservadas a outros órgãos, tais como patrulhamento ostensivo, atendimento de ocorrências policiais, atividades de defesa civil e proteção ambiental.

No que tange à análise de sua atuação como agentes da autoridade de trânsito, sob a ótica constitucional e do CTB, restou comprovada a total impossibilidade de sua utilização, seja sob a forma de nomeação, designação, credenciamento ou através de celebração de convênio.

O primeiro ponto a ser considerado para apontar a impossibilidade jurídica de sua atuação reside no simples fato de que as Guardas Municipais não foram erigidas como órgãos ou entidades componentes do Sistema Nacional de Trânsito. Apesar de não apresentar nominalmente os órgãos e entidades executivos de trânsito e executivos rodoviários, conforme fazia o antigo CNT, apresentou-nos o legislador um rol taxativo de órgãos nas três esferas de poder, delimitando expressamente suas competências e áreas de atribuições.

E nem poderia ser diferente, uma vez que se o legislador enumerasse nominalmente os órgãos e entidades de trânsito viria a reduzir sensivelmente o poder de conformação das estruturas administrativas a serem criadas, o que colidiria frontalmente com as disposições do artigo 8º, que confere ampla liberdade aos entes federados para estruturação dos seus órgãos executivos de trânsito e executivos rodoviários.

Portanto, é de clareza insofismável que as guardas municipais não compõem o SNT, conforme enumeração taxativa do artigo 7º do CTB, e, disso decorrente, não podem ser organizadas ou reestruturadas para atuarem como órgãos ou entidades de trânsito, nem serem vinculadas ou subordinadas ao órgão ou entidade de trânsito para atuarem como agentes da autoridade de trânsito, seja sob a forma de nomeação, designação, credenciamento ou convênio, o que se explica, igualmente, por força de interpretação constitucional, tendo em vista a expressa delimitação de suas funções institucionais, eventual desvio de função e a falta de lei complementar federal, nos termos do inciso XI e § único do artigo 22 da CF/88, que autorizaria o município a legislar sobre trânsito e transporte, além da competência que lhe é concedida (interesse local).

Com a edição do CTB ampliou-se sensivelmente o campo de atuação do município nas atividades relacionadas com o trânsito, notadamente na fiscalização, engenharia de tráfego e educação para o trânsito. Mas para que essas atribuições sejam legitimadas torna-se necessário que o município se integre ao SNT, conforme preceituam o § 2º do artigo 23 e artigo 333.

Para tanto é necessária a criação ou reestruturação de um órgão municipal de trânsito e de uma JARI, nomeando-se, por meio de decreto, os seus membros. Com relação aos agentes da autoridade de trânsito pode o município optar entre a utilização de um corpo de funcionários próprios, lotados no órgão de trânsito, ou delegar, total ou parcialmente, suas atividades a outros órgãos que lhes sejam subordinados hierarquicamente ou celebrar convênio com a Polícia Militar.

Desejando exercer com exclusividade a fiscalização de trânsito, restam à autoridade de trânsito duas possibilidades: nomeação de novos funcionários, com cargo e atribuições próprias para a fiscalização de trânsito, ou utilização dos funcionários já pertencentes ao órgão, desde que as atribuições de seus cargos permitam a realização dessas funções, ou seja, não deverá recair sobre qualquer servidor pertencente aos quadros do município como se mencionou em alguns acórdãos do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, sob pena de termos que admitir a plausibilidade jurídica de que um médico e um gari, somente por serem servidores civis, podem exercer a função de agente da autoridade de trânsito. Podemos afiançar que essa não foi, certamente, a intenção do legislador.

Como vimos, essas opções não englobam as guardas municipais, uma vez que a enumeração taxativa de suas atribuições pela Carta Magna não permite a sua nomeação, designação ou credenciamento como agentes da autoridade de trânsito, sendo esse um segundo ponto determinante para a impossibilidade de sua atuação.

Primeiro porque sua competência funcional se resume à proteção dos bens, serviços e instalações municipais; segundo porque, ainda que se entenda que possa a legislação municipal dispor sobre a competência da guarda municipal, não pode o município legislar sobre trânsito e transporte além daquilo que lhe é peculiar (interesse local), por imiscuir-se em competência legislativa privativa da União (art. 22, inc. XI), ou seja, não pode a legislação municipal dispor sobre competência para o exercício do poder de polícia de trânsito às guardas municipais, eis que a delimitação dessas atribuições já foi alvo de regulamentação pela União através do CTB; e terceiro porque exercem atividade de império (típica de Estado) e, portanto, não podem ser desviados de sua função precípua, que é a proteção de bens, serviços e instalações municipais.

Outro ponto a ser considerado está no fato de que o termo "designado", utilizado pelo legislador no § 4º do artigo 280, foi empregado no singular e é separado pela conjunção alternativa "ou", fatos que são mais do que suficientes para determinar que somente o policial militar pode ser designado, ou seja, não pode a autoridade de trânsito designar um guarda municipal para atuar como agente de trânsito, o que demonstra, à saciedade, que o exercício da função de agente da autoridade de trânsito pressupõe a existência de corpo de funcionários próprios, com cargos e atribuições próprias.

Com relação ao termo "credenciamento", empregado na definição de agente da autoridade de trânsito trazida pelo Anexo I, melhor sorte não persiste, uma vez que a autoridade de trânsito não pode credenciar agentes de trânsito por dois motivos: o primeiro se refere ao fato de que a única possibilidade de credenciamento possibilitada pelo CTB no âmbito municipal é aquela relacionada com o serviço de escolta de cargas superdimensionadas (art. 24, XII), diferentemente da amplitude atribuída ao órgão executivo estadual (art. 22, X); em segundo porque falece competência à autoridade municipal de trânsito para credenciar quem quer que seja (servidor civil ou policial militar) para o exercício das atividades de policiamento ostensivo de trânsito ou patrulhamento.

Conforme vimos, o CTB permite a celebração de convênios entre os órgãos e entidades de trânsito, assim como entre estes e particulares (pessoas físicas e jurídicas). Mas essa delegação de atividades deve observar, entretanto, a possibilidade de assunção dessas funções pelo outro partícipe, uma vez que determinadas funções não podem ser atribuídas a particulares ou a órgãos ou entidades estranhos ao SNT.

A delegação de atividades relacionadas com o exercício do poder de polícia de trânsito (fiscalização, imposição de penalidades, arrecadação de multas e valores de remoção e estadia, entre outros), permitida pelo artigo 25, por estar ligada à exteriorização do poder estatal, somente pode ser celebrada entre os órgãos e entidades de trânsito que compõem o SNT.

Nesse ponto, conforme exaustivamente demonstrado, não sendo a Guarda Municipal órgão ou entidade de trânsito componente do SNT e não lhe sendo permitida a nomeação, designação ou credenciamento como agente da autoridade de trânsito, também não pode figurar como partícipes na celebração de convênio para a fiscalização do trânsito, restando-lhe, por via de conseqüência, tão somente a possibilidade de convênio para serem devidamente capacitadas ou assessoradas por outros órgãos ou entidades de trânsito (§ único do artigo 25).

Convém trazer à colação, com a finalidade de arrematar o assunto e reafirmando nosso entendimento, que o DENATRAN, órgão máximo executivo de trânsito da União e que presta assessoria jurídica ao CONTRAN, e o Ministério das Cidades, a quem compete a coordenação máxima do SNT, já externaram entendimento no sentido de que "falece à guarda municipal competência para atuar na fiscalização de trânsito, incluindo o procedimento relativo à aplicabilidade de multas, também não detendo legitimidade para firmar convênio com os órgãos de trânsito objetivando tal fim".


9. REFERÊNCIAS

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Sobre o autor
Benevides Fernandes Neto

Oficial da Polícia Militar em São José do Rio Preto/SP, Bacharel em Direito, Especialista em Segurança Pública pela PUC/RS e em Direito Administrativo pelo Centro Universitário do Norte Paulista (UNORP).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERNANDES NETO, Benevides. As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2117, 18 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12636. Acesso em: 23 nov. 2024.

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Título original: "As ilegalidades decorrentes da atuação das guardas municipais como agentes da autoridade de trânsito sob a ótica constitucional e do Código de Trânsito Brasileiro."

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