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Ensaio ao estudo da imparcialidade do Ministério Público

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25/04/2009 às 00:00
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III – CONCLUSÕES

Considerando as razões acima expostas, sugerem-se neste ensaio algumas conclusões que se coloca a teste para a classe acadêmica e profissional, como forma de reflexão sobre o tema.

Considerando a condição de imparcialidade do Ministério Público, independentemente da condição de demandante ou de interventor no processo instaurado, tem-se que são asseguradas as prerrogativas do Ministério Público, inclusive a assento à direita dos magistrados e intimação pessoal, na atuação como autor;

Evidencia-se inviável a aplicação de multa de embargos protelatórios ao Ministério Público, em sede de embargos de declaração, eis que os interesses defendidos são primários, coletivos e objetivos, sem qualquer traço de subjetividade ou protelação;

Não se aplica à tutela coletiva o instituto da preclusão para a produção de provas, nos moldes concebidos na tutela individual, eis que o interesse tutelado não tem como fundamento a regra de julgamento segundo o ônus da prova, permitindo até a propositura de nova demanda, diante de novas provas sobre a mesma lide, conforme se depreende da inteligência do artigo 103, I, do CDC.

Se há possibilidade de instauração de nova demanda com novas provas, por que razão não poderia utilizar no processo já instaurado as provas adquiridas, em sede de inquérito civil público ou em qualquer procedimento pelo Ministério Púbico? Razão não existe, portanto, para aplicação da preclusão nos moldes concebidos pela tutela individual.

O limite para isso seria apenas a possibilidade de retrocesso ou tumulto processual grave, motivo pelo qual não parece razoável a utilização de provas produzidas após a prolação da sentença, eis que o juiz já terá entregado a tutela jurisdicional.

A imparcialidade do Ministério Público também fundamenta a validade das provas produzidas em sede de inquérito civil público ou outro procedimento adotado, para utilização em juízo, sem a necessidade de repetição, eis que produzidas por sujeito imparcial e tais provas têm presunção de legitimidade e veracidade, nos termos do artigo 19, II da CRFB e dos artigos 334, IV e 364 do CPC.

Ainda, nessa mesma linha de raciocínio não se concebe a impossibilidade de exercício do poder de iniciativa e de investigação do Ministério Público, frente à existência de demanda versando sobre o mesmo objeto, por várias razões: a uma: porque a investigação do Ministério Público diante de lide pendente não significa que as provas serão utilizadas no processo judicial, eis que a produção administrativa de provas pelo Ministério Público não colide com o instituto da preclusão; a duas: porque em tutela coletiva a preclusão para produção de provas é mitigada, podendo ser utilizada durante toda a fase probatória, já que a improcedência por insuficiência de provas não transita materialmente em julgado e permite a repetição da demanda; a três: porque, mesmo que o trânsito em julgado fosse material, com base na regra de julgamento do ônus da prova, o que não se aplica ao caso, o Ministério Público estaria autorizado utilizar os poderes de investigação para fins de propositura de ação rescisória; e a quatro: porque ainda que a improcedência dos pedidos de ação civil pública seja pelo convencimento do juiz que apreciou a demanda, com suficiência de prova, o Ministério Público pode produzir provas para a propositura de ação rescisória, nas hipóteses do artigo 485, em especial, nas hipóteses de documento novo, invalidação de confissão, desistência ou transação, erro de fato, conluio etc.

A aplicação do princípio da imparcialidade permite que o poder de investigação do Ministério Público não seja suspenso, eis que atua sempre na defesa de interesses coletivos (lato sensu) e da ordem jurídica.

É de clareza solar a não recepção dos dispositivos pré-constitucionais que traçam regras de parcialidade ao Ministério Público, em especial, as regras do CPC, que versam sobre impedimento e suspeição dos membros do Ministério Público, considerando o perfil constitucional do Ministério Público, antes de 1988, que ainda permitia o exercício da advocacia privada e a defesa e consultoria do Estado (sentido lato), dentre outras situações.

Nesse sentido, verifica-se que os casos de suspeição e impedimento dos membros do Parquet, são os mesmo aplicados aos juízes com as devidas adaptações, esteja atuando como demandante ou órgão interveniente.

Essa afirmação tem fundamento no sistema de garantias e vedações institucionais e dos membros do Ministério Público, como concretização do princípio da imparcialidade, da atuação independente, da possibilidade de formar seu livre convencimento, da busca da verdade real [20] e da defesa da ordem jurídica e democrática. Com efeito, as hipóteses de impedimento e suspeição funcionam como uma verdadeira garantia de imparcialidade; representam uma garantia para a sociedade como um todo e para os litigantes.

Na ordem constitucional vigente, há inclusive a consagração de sistemas de controle para situações de ofensa à imparcialidade com o Conselho Nacional de Justiça e o Conselho Nacional do Ministério Público, já que a violação a tal princípio representa ofensa aos valores de toda sociedade que espera um sistema processual isento de qualquer favorecimento.

Nesse contexto, verifica-se que o membro do Ministério Público é impedido de atuar em processo em que: 1) seja pessoalmente parte da relação processual ou tenha interesse pessoal na causa (art. 134, I do CPC); 2) assumiu posição anterior no mesmo processo na condição de mandatário da parte, de perito, de juiz, ou de testemunha, já que o acesso aos fatos como outro sujeito na relação processual comprometem a imparcialidade e trás intranquilidade à relação processual (134, II); 3) conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe exarado parecer (134, III); tenha relação familiar com quem estiver postulando, como advogado da parte, na condição de cônjuge ou qualquer parente, consanguíneo ou afim, em linha reta, ou na linha colateral até o segundo grau (134, IV); 5) algumas das partes seja cônjuge, parente, consanguíneo ou afim em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau (134, V); 6) participe de órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa, como por exemplo nos casos de associações de classe etc. (134, VI).

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No mesmo contexto, ao contrário do que preconiza o artigo 138, I, do CPC [21], é suspeito o membro do Ministério Público, ainda que demandante [22], se interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes, eis que a atuação ministerial é objetiva.

Este dispositivo, que exclui das hipóteses de suspeição o inciso V, do artigo 135, do CPC [23], tinha sentido na época em que o Ministério Público acumulava a Defensoria e a Advocacia Pública dos entes da federação e os membros podiam exercer a advocacia privada.

Não se pode conceber qualquer interesse do membro do Ministério Público no julgamento da causa em favor de qualquer das partes insertas na relação processual, sob pena de ficar caracterizado o vício processual da imparcialidade, eis que do contrário estar-se-ia a permitir que o membro do Ministério Público se beneficiasse de vantagem obtida no processo ou prejudicasse qualquer dos litigantes, o que não se coaduna com a nova ordem constitucional e com o princípio da imparcialidade.

Nos demais casos não há qualquer discussão, já que há fundada suspeição de parcialidade do membro do Ministério Público em que: 1) seja amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes (135, I); 2) alguma das partes for credora ou devedora do membro do Ministério Público, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau (135, II); 3) for herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes (135, III); 4) receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo, aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio (135, IV).

Outro aspecto que implica em violação ao princípio da imparcialidade é a situação em que dois ou mais membros do Ministério Público forem parentes, consanguíneos ou afins, em linha reta e no segundo grau na linha colateral. Neste caso, o primeiro, que conhecer do procedimento no ofício, impede que o outro exare parecer; circunstância em que o segundo se escusará, remetendo o processo ao seu substituto legal.

São essas as conclusões que se põe como ensaio ao estudo da imparcialidade do Ministério Público.


Notas

  1. Comete-se essa redundância (parte parcial), em razão da utilização pela doutrina, mas na certeza de que a origem etimológica das duas palavras tem semelhante semântica.
  2. Esta situação é a que a doutrina denomina de custos legis.
  3. MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39.
  4. MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39
  5. Significa assoalho em francês e até hoje é utilizado para fazer menção ao Ministério Público.
  6. MAZZILLI, Hugo Nigro. Regime Jurídico do Ministério Público. 6. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 39.
  7. No mesmo sentido Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público. p. 70.
  8. "O princípio da proteção integral consagrado no Estatuto da Criança e do Adolescente, proclamado em seu artigo 1º, cobra do juízo menorista atuação sui generis e, dentre outras particularidades, desconsidera o princípio da inércia da jurisdição e obriga o magistrado, por regra, a atuar de ofício e só por exceção aguardar provocação". In: TORELLI, Jefferson Barbin. Reflexões sobre o artigo 194 do Estatuto da Criança e do Adolescente. http://www.epm.sp.gov.br/SiteEPM/Artigos/Artigo+54.htm. Acessado em 16.02.2008.
  9. Além dos casos acima, pode-se citar: condenar o litigante de má-fé, caso em que até mesmo o tribunal está autorizado a atuar sem provocação (CPC, art. 18); ordenar a reunião de ações propostas em separado, em havendo conexão ou continência (CPC, art. 105); declarar a nulidade da cláusula de eleição de foro, em contrato de adesão (CPC, Parágrafo Único, 112); determinar as provas necessárias à instrução do processo, indeferindo as diligências inúteis ou meramente protelatórias (CPC, art. 130); determinar, a qualquer tempo, a intimação do executado para indicar bens passíveis de penhora (CPC, § 3º, art. 652); investigar livremente os fatos e ordenar de ofício a realização de quaisquer provas. (CPC, art. 1.107).
  10. Na obra Teoria Geral do Processo. 13ª edição (1997), p. 302 se visualiza esta posição, no entanto, na 24ª edição (2008), p. 320, constata-se, lamentavelmente, a mudança de entendimento.
  11. Ver artigos 83 e 499, § 2º do CPC.
  12. Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
  13. I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;

  14. Art. 134. É defeso ao juiz exercer as suas funções no processo contencioso ou voluntário:
  15. I - de que for parte;

    II - em que interveio como mandatário da parte, oficiou como perito, funcionou como órgão do Ministério Público, ou prestou depoimento como testemunha;

    III - que conheceu em primeiro grau de jurisdição, tendo-lhe proferido sentença ou decisão;

    IV - quando nele estiver postulando, como advogado da parte, o seu cônjuge ou qualquer parente seu, consangüíneo ou afim, em linha reta; ou na linha colateral até o segundo grau;

    V - quando cônjuge, parente, consangüíneo ou afim, de alguma das partes, em linha reta ou, na colateral, até o terceiro grau;

    VI - quando for órgão de direção ou de administração de pessoa jurídica, parte na causa.

    Parágrafo único. No caso do no IV, o impedimento só se verifica quando o advogado já estava exercendo o patrocínio da causa; é, porém, vedado ao advogado pleitear no processo, a fim de criar o impedimento do juiz.

  16. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
  17. I - amigo íntimo ou inimigo capital de qualquer das partes;

    II - alguma das partes for credora ou devedora do juiz, de seu cônjuge ou de parentes destes, em linha reta ou na colateral até o terceiro grau;

    III - herdeiro presuntivo, donatário ou empregador de alguma das partes;

    IV - receber dádivas antes ou depois de iniciado o processo; aconselhar alguma das partes acerca do objeto da causa, ou subministrar meios para atender às despesas do litígio;

    V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

    Parágrafo único. Poderá ainda o juiz declarar-se suspeito por motivo íntimo.

  18. A palavra "parte", (qualquer porção de um todo, litigante etc.), tem a mesma origem etimológica da palavra "parcial", (que é parte de um todo, mais favorável a uma das partes no litígio etc.), e traz a idéia de sujeito interessado subjetivamente na causa.
  19. Dicionário on line da língua portuguesa. http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx. Acessado em 28.02.2009.
  20. "O bem que constitui objeto das relações jurídicas substanciais (primárias) é o bem da vida, ou seja, o próprio objeto dos interesses em conflito (uma importância em dinheiro, um imóvel etc.). O objeto da relação jurídica processual (secundária), diferentemente, é o serviço jurisdicional que o Estado tem o dever de prestar, consumando-o mediante o provimento final em cada processo (esp. sentença de mérito)". In: CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 24. ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 308.
  21. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 13ª ed. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 302.
  22. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo, DINAMARCO, Cândido Rangel e GRINOVER, Ada Pellegrini. Teoria Geral do Processo. 24ª ed. São Paulo: Malheiros, 2008, p. 320.
  23. Hodiernamente, não há mais campo para a clássica afirmação de que o processo civil busca a "verdade formal" e o processo penal a "verdade real", pois a verdade real também é objetivo do processo civil, que busca atingir "um grau tal que permita a prolação de um provimento que corresponda à verdade dos fatos, ou seja, à certeza". In: Câmara, Alexandre Freitas. Lições de direito processual civil, p. 374.
  24. Art. 138. Aplicam-se também os motivos de impedimento e de suspeição:
  25. I - ao órgão do Ministério Público, quando não for parte, e, sendo parte, nos casos previstos nos ns. I a IV do art. 135;

  26. Art. 135. Reputa-se fundada a suspeição de parcialidade do juiz, quando:
  27. [...]

    V - interessado no julgamento da causa em favor de uma das partes.

  28. Hipótese conhecida como parte pela doutrina, na condição de dono da lide, o que seria excluído da hipótese de suspeição.
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Sobre o autor
Sandoval Alves da Silva

Mestre em Direito pela Universidade Federal do Pará, na linha de pesquisa em constitucionalismo, cidadania e direitos humanos. Professor da Universidade Federal do Pará, nas disciplinas Teoria Gral do Processo e Processo Civil. Procurador do Trabalho do 8ª Região.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Sandoval Alves. Ensaio ao estudo da imparcialidade do Ministério Público. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2124, 25 abr. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12699. Acesso em: 24 abr. 2024.

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