Artigo Destaque dos editores

Informação e relação de consumo

Exibindo página 2 de 3
07/05/2009 às 00:00
Leia nesta página:

3. Artigo 72, Código de Defesa do Consumidor: Impedimento de acesso a banco de dados.

Art. 72. Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros:

Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano ou multa.

É a contraface penal do preceito administrativo do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor que estabelece o direito de informação. De fato, tal artigo assegura ao consumidor o "acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes". Ressalta-se que a Constituição Federal também prevê a utilização do habeas data (artigo 5º, inciso LXXII,) como forma de tutelar o direito de informação do consumidor.

Busca-se proteger o direito de informação do consumidor, proporcionando-lhe a autodeterminação informacional [34], que vem a ser o conhecimento dos dados que versem sobre a sua pessoa nos repositórios de consumo.

A conduta tipificada é impedir (embaraçar, obstruir, proibir, enfim, não permitir) ou dificultar (tornar difícil ou custoso, impor impedimentos indevidos) o acesso do consumidor às informações sobre ele existentes em cadastros, banco de dados, fichas e registros. Logo, é crime comissivo de ação múltipla ou de conteúdo variado, pois incrimina duas condutas dirigidas ao acesso do consumidor a dados constantes nos arquivos de consumo. Como conseqüência dessa classificação, mesmo que o sujeito ativo realize mais de uma conduta expressa no tipo, responderá por crime único.

Em relação à ação de impedir, Benjamin explica que "um simples não" já a configura. Continua o autor dizendo que a "dificultação é disfarçada, muitas vezes justificada com argumentos burocráticos ou até a pretexto de que inexiste arquivo com o nome do consumidor. Inclui, no seu contexto, a mera omissão, o silêncio em prestar ou dar acesso ao consumidor" [35]. Nesse contexto, a cobrança de taxa para o fornecimento de informação é exemplo de impedimento, de dificultação.

Ressalta-se que se não houver informação relativa à pessoa do consumidor, não se configura crime a negativa de acesso. Isso porque a lei somente lhe confere o direito à informação quando a mesma for relativa à sua pessoa. Assim, não se tutela um acesso indiscriminado.

Ademais, segundo a decisão proferida pelo relator Élcio Pinheiro de Castro do TRF, 4ª região, o delito em análise não exige a forma escrita para o fornecimento das informações constantes em banco de dados e cadastros, podendo, inclusive, haver renúncia em fornecer os dados desta maneira. Portanto, "o fato de alguém comunicar apenas oralmente algo existente nesses arquivos é absolutamente legal" [36].

Quanto aos elementos normativos do tipo (cadastro, banco de dados, ficha e registro), são válidas as seguintes definições:

a) cadastro é o registro que contém diversas informações sobre o consumidor. A sua principal característica, conforme explica Antônio Carlos Efing, é "a especificidade subjetiva na obtenção dos dados a serem disponibilizados sobre o cadastrado. Ou seja, são lançados dados somente daqueles consumidores que tenham relação comercial com o fornecedor, e em função desta" [37]. Decorre dessa característica, outro ponto fundamental salientado pelo autor: "a informação é prontamente utilizada pelo arquivista", já que ele possui interesse pessoal na mesma. Cabe ainda consignar que no cadastro é perfeitamente possível a utilização de informações subjetivas, que dizem respeito à pessoa do consumidor, demonstrando o juízo de valor feito pelo arquivista.

b) banco de dados "é a compilação organizada e inter-relacionada de informes, guardados em um meio físico, com o objetivo de servir de fonte de consulta para finalidades variadas" [38]. Ao contrário do que ocorre no cadastro, aqui as informações obtidas não têm a especificidade subjetiva, pois a finalidade é conseguir "o maior número possível de pessoas cadastradas" [39]. Sendo assim, nada impede que a informação coletada seja utilizada em momento posterior, futuro. Por outro lado, torna-se obrigatório o uso de dados objetivos, vedando-se juízos de valor. O banco de dados mais conhecido é, sem dúvida, o de proteção ao crédito, popularmente chamado de SPC.

c) ficha: equivale aos informes realizados em peças isoladas, como por exemplo, um papel, um cartão.

d) registro "significa o livro ou o local onde se lançam anotações ou quaisquer outras informações acerca do consumidor, sobretudo relativas a seu crédito" [40]

Diante dos conceitos apresentados, percebe-se que a norma penal foi repetitiva, vez que utilizou conceitos semelhantes. Assim, seria suficiente a utilização de bancos de dados e cadastros de consumidores, pois tais termos abrangem os demais.

Vale mencionar que Antonio Cezar Lima da Fonseca [41] opina no sentido de que a enumeração das fontes de armazenamento das informações acerca dos consumidores é meramente exemplificativa. Em sentido oposto, Pimentel sustenta que há uma enumeração taxativa dos elementos normativos do tipo de injusto [42]. Insta observar que deve ser adotado esse último argumento, face a sua consonância com o Princípio da Legalidade que proíbe o emprego da analogia como forma de ampliar o âmbito de atuação das normas penais incriminadoras (art. 1º do CP e art. 5º, XXXIX, da CF).

O elemento subjetivo, por seu turno, é o dolo, traduzido na vontade livre e consciente de realizar a conduta descrita no tipo penal. Inexiste a modalidade culposa.

O sujeito ativo do delito é todo aquele que impede ou dificulta o acesso do consumidor às informações arquivadas. Logo, o crime em comento não se restringe à figura do fornecedor, já que o tipo legal estabelece que a conduta proibitiva pode ser praticada por qualquer pessoa que tenha controle sobre as informações referentes ao consumidor e que constem nos cadastros, banco de dados, fichas e registros. Portanto, explica Pimentel, tem-se um sujeito ativo "diversificado, cuja caracterização se prende à circunstância de ter disponibilidade sobre as informações ou autoridade para impedir o acesso do consumidor aos cadastros, bancos de dados, fichas e registros" [43]. Vale observar que se trata de crime especial próprio, pois somente é praticado por quem possui o dever de permitir o acesso do consumidor às informações.

Quanto ao sujeito passivo, é a coletividade de consumidores, e mediatamente o consumidor individual que tenha interesse às informações existentes a seu respeito nos arquivos de consumo. No entanto, para Alvim et alii, os sujeitos passivos desse crime seriam "o consumidor lesado, em primeiro plano e, mediatamente, o Estado" [44].

É crime de mera conduta, onde se dispensa a comprovação de dano moral ou material ao consumidor.

Finalmente, o crime encontra-se consumado quando o acesso do consumidor às informações é impedido ou dificultado, sendo inadmissível a tentativa.

Vale registrar que esse delito também contraria o princípio penal da intervenção mínima, pelos mesmos motivos já expostos.


4. Artigo 73, Código de Defesa do Consumidor: omissão na correção de dados incorretos.

"Deixar de corrigir imediatamente informação sobre consumidor constante de cadastro, banco de dados, fichas ou registros que sabe ou deveria saber ser inexata.

Pena – detenção de 1 (um) a 6 (seis) meses ou multa".

Seu objetivo é efetivar a norma material contida no parágrafo 3º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor que diz:

"O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas".

A preocupação desses dispositivos legais é a proteção ao direito do consumidor de retificar as informações que constam a seu respeito nos cadastros, bancos de dados, fichas e registros. Outrossim, acaba-se tutelando, de forma mediata, o patrimônio do consumidor, "posto que a eventual transmissão de informações incorretas ou proibidas pode dificultar ou inviabilizar" o seu crédito, esclarece Benjamin [45]. Adverte-se que a utilização do habeas data também é cabível.

O tipo objetivo consiste em deixar (não atuar, abster-se, omitir-se) de corrigir (retificar, dar a forma correta) imediatamente quaisquer informações de consumidor contidas em arquivos de consumo que sabe ou deveria saber serem inexatas. Nessa perspectiva, trata-se de crime omissivo próprio ou puro, visto que o sujeito ativo não realiza uma conduta positivamente imposta.

Ponto relevante vem a ser o significado da palavra "imediatamente" utilizado pelo artigo 73. Como bem observou Pimentel, o "advérbio imediatamente se presta para interpretações subjetivas, dada a circunstância de ser vicariante a noção do que deve ser entendido como imediato" [46]. Assim, são possíveis interpretações pessoais a respeito do momento em que nasce a obrigação de corrigir os dados relativos ao consumidor. Costa JR [47], por exemplo, sugere que, por analogia ao artigo 43, §3º, deve-se considerar que imediatamente significa cinco dias úteis, que é o mesmo período que o arquivista possui para comunicar a incorreção dos dados a terceiros. Entretanto, René Ariel Dotti, citado por Luiz Regis Prado, discorda desse entendimento ao dizer que o prazo de cinco dias úteis refere-se à obrigação do arquivista de comunicar as retificações feitas nos dados do consumidor. Portanto, o dever de proceder às correções é instantâneo, sem intervalo temporal, já a comunicação dessa correção pode ser feita em até cinco dias úteis [48].

Diante das considerações doutrinárias apresentadas, o único ponto certo é que o legislador ordinário, ao utilizar o advérbio imediatamente, não respeitou o Princípio da Legalidade, no aspecto da Taxatividade ou Determinação, haja vista o seu conteúdo ser extremamente vago e impreciso, permitindo uma análise subjetiva do intérprete e do aplicador da lei.

Há dois tipos de elemento subjetivo no presente crime. Na primeira parte, têm-se o dolo direto, no qual o agente sabe da incorreção e mesmo assim não procede a retificação imediata das informações. Já na segunda parte, há dolo eventual, retratado pela locução verbal deveria saber.

O sujeito ativo desse crime é a pessoa física encarregada de corrigir as informações relativas ao consumidor no cadastro, banco de dados, fichas e registros. Portanto, é um delito especial próprio, posto que somente pode ser praticado pelo agente que tem o dever de proceder as retificações.

Já o sujeito passivo, em primeiro plano, é a coletividade de consumidores. Em segundo, o consumidor individualmente considerado que pretende a correção dos seus dados. Repita-se aqui o posicionamento de Arruda Alvim et alii apresentado no artigo 72.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

No tocante à consumação, esta se verifica quando a informação acerca do consumidor constante nos arquivos de consumo não é corrigida imediatamente, embora a mesma sequer tenha sido utilizada pelo arquivista. É inadmissível a tentativa, por se tratar de crime omissivo próprio.

De acordo com Filomeno et alii, classifica-se, ainda, como sendo crime instantâneo com efeito permanente, cuja "consumação se protrai no tempo até que cesse a permanência nos registros, arquivos, fitas gravas ou qualquer outro meio de armazenamento de informações" [49]. No entanto, Fonseca adverte que essa classificação é incompatível com o entendimento de que o elemento normativo imediatamente corresponde ao prazo de cinco dias úteis para correção dos dados. Isso porque, no crime instantâneo de efeito permanente, como o próprio nome indica, a consumação é instantânea e a sua permanência independe da vontade do agente, que pode ser preso em flagrante a qualquer momento. Assim, "se entendemos que a lei concede um prazo ao arquivista, ele não está em estado de flagrância enquanto dentro do prazo que a lei própria lei lhe concedeu" [50].

Quanto ao resultado, é delito de mera conduta, cuja importância reside na constatação de que as informações não foram corrigidas "imediatamente", pouco importando se sobreveio resultado danoso ao consumidor. Claro que ocorrendo dano, seja patrimonial ou moral, é cabível a propositura de uma ação cível, como previsto no artigo 6º, VI do Código de Defesa do Consumidor. Nesse contexto, também pode ser classificado como sendo delito de perigo abstrato.

Também é crime de menor potencial ofensivo e a ação penal é pública incondicionada.

Por fim, vale registrar que esse delito também contraria o princípio penal da intervenção mínima, pelos mesmos motivos já expostos.


5. Conclusões Principais.

Diante da análise dos artigos 69, 72 e 73 do Código de Defesa do Consumidor, verifica-se que a finalidade principal dos mesmos é dar efetividade à parte material da lei consumerista.

Foi realizada uma análise das estruturas típicas mencionadas, destacando as posições doutrinárias existentes quanto ao assunto, com destaque ao entendimento da total desnecessidade de criminalização das condutas de: organizar dados técnicos, fáticos e científicos da mensagem publicitária, impedir o acesso do consumidor às informações constantes em bancos de dados e omitir na correção de dados incorretos referentes à pessoa do consumidor. Nesse sentido, foi apresentado o posicionamento de que bastaria a imposição de penalidades civis ou administrativas, em respeito à natureza fragmentária e subsidiária do direito penal que decorrem do fato do Estado brasileiro ter erigido a dignidade da pessoa humana como valor primordial (art. 1º, CF).

Registra-se que esse posicionamento não contraria o tratamento constitucional dispensado ao consumidor, que o elevou à categoria de bem jurídico fundamental e merecedor de tutela jurídico-penal. A postura defendida é no sentido de que as condutas definidas como crime não realizam uma efetiva proteção à relação de consumo.


6. Referências.

ALVIM, Arruda; ALVIM, Thereza; ALVIM, Eduardo Arruda; MARINS, James. Código de Defesa do Consumidor, 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995.

BENJAMIN, Antônio H. V. O controle jurídico da publicidade. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, n. 9, p. 25-57, jan./mar. 1994.

Crimes de Consumo no código de defesa do consumidor

. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, v.3, p. 88-124, set./dez., 1992.

A repressão penal aos desvios do "marketing". Revista Brasileira de Ciências Criminais. São Paulo, v.2, n.6, p. 87-109, abr./jun. 1994.

CENEVIVA, Walter. Publicidade e direito do consumidor. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1991.

CHAISE, Valéria Falcão. A publicidade em face do código de defesa do consumidor. São Paulo: Saraiva, 2001.

COSTA JUNIOR, Paulo José da. Crimes contra o consumidor. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999.

EFING, Antônio Carlos. Bancos de dados e cadastro de consumidores. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.

FONSECA, Antonio Cezar Lima da. Direito penal do consumidor: Código de Defesa do Consumidor e Lei 8137/90. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.

GOMES, Luiz Flávio; MOLINA, Antonio García-Pablos de; BIANCHINI, Alice. Direito Penal – Introdução e princípio fundamentais, v.1. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal – parte geral, v. 1, 9ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2007.

GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; FINK, Daniel Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; WATANABE, Kazuo; NERY JÚNIOR, Nelson; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto. 8ª edição. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

LUISI, Luiz. Os princípios constitucionais penais. 2. ed. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2003.

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.

PIMENTEL, Manoel Pedro. Aspectos penais do código de defesa do consumidor. Revista dos Tribunais. São Paulo, n.661, p.249-258, nov. 1990.

PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro, parte geral, v. 1, 7ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Direito Penal Econômico. 2ª edição. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007.

Bem Jurídico-Penal e Constituição. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2.003.

TEIXEIRA DE ALMEIDA, Aliette Marisa S.D.N. A publicidade enganosa e o controle estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor. Revista de Direito do Consumidor. São Paulo, a. 14, n. 53, p. 11-38, jan.-mar. 2005..

TICIANELLI, Marcos Daniel Veltrini. Delitos Publicitários. Curitiba: Juruá, 2007.

Assuntos relacionados
Sobre a autora
Tatiana Moraes Cosate

Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Norte do Paraná, graduada em comunicação social- Jornalismo pela Universidade Estadual de Londrina, especialista em Direito e processo penal pela Universidade Estadual de Londrina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

COSATE, Tatiana Moraes. Informação e relação de consumo. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2136, 7 mai. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12766. Acesso em: 4 mai. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos