CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos vários posicionamentos doutrinários e da recente discussão instaurada no âmbito do Judiciário foi levantada a questão quanto à possibilidade de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza sobre a execução dos contratos de leasing.
Os dois pontos mais relevantes para a resposta dessa questão consistem na definição do conceito de "serviço" para fins de incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza, e se o objeto do contrato de leasing se enquadra nesse conceito.
A questão controvertida é de caráter constitucional, tendo em vista que a Constituição Federal utiliza o vocábulo "serviço" ao delimitar as competências tributárias no ordenamento jurídico brasileiro.
Portanto pode-se afirmar que existe um conceito pressuposto de "serviço", que não pode ser alterado pelo legislador infraconstitucional, que deve se limitar a apontar quais "serviços", dentro daqueles que se encaixam no conceito constitucional, poderão ser tributados pelos municípios.
A extrapolação do conceito de "serviços" pelo legislador ordinário, ao elaborar, através de Lei Complementar, a lista de serviços tributáveis, consiste em desobediência à Constituição, passível de declaração de inconstitucionalidade.
Diante da falta de uma conceituação expressa de "serviço" pela Constituição Federal foi necessária a realização de um levantamento doutrinário sobre o tema, onde foi possível concluir que o instituto consiste em uma "obrigação de fazer". É necessário esclarecer que o "serviço" passível de tributação não consiste em qualquer fazer, mas em um negócio jurídico onde seu objeto consista em um fazer. A distinção é importante para separar a incidência de diferentes tipos de tributo, por exemplo, o Imposto Sobre Produtos Industrializados do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Estabelecida essa premissa, foi necessário dissecar o contrato de leasing no ordenamento jurídico brasileiro para extrair seu objeto, sob o ponto de vista estritamente jurídico (que é o único que importa para saber se determinado imposto irá incidir ou não sobre o contrato, seu objeto).
É pacífico o entendimento que sob o aspecto econômico o contrato de leasing consiste em um financiamento, onde um sujeito que não possui capital suficiente contrata com quem o possui para obter um bem que lhe é necessário.
Ocorre que a realidade econômica e a realidade jurídica não se misturam. O contrato de leasing, no ordenamento jurídico brasileiro, é um contrato típico, que tem por objeto o "arrendamento" de um bem, podendo o arrendatário, ao final do contrato, realizar a opção de compra do bem.
Por qualquer ângulo que se olhe não se observa no contrato de leasing uma atividade por parte da arrendadora. Talvez em um ou outro contrato específico de leasing possa existir alguma cláusula que consista em uma obrigação de fazer, mas reafirma-se que essa não é a essência do contrato de leasing.
Em não havendo uma atividade por parte da arrendadora, não há que se falar em "serviço", e em não existindo serviço prestado, não há a incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Com relação à locação de bens móveis, o Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre a inconstitucionalidade da incidência do Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza.
Diante das premissas adotadas nesse trabalho pode-se afirmar que a natureza jurídica do contrato de leasing é muito próxima da locação de bens móveis, consistindo na cessão do direito de uso e gozo de determinado bem. Caso prevaleça esse entendimento, o item 15.09 da lista anexa da Lei Complementar 116/2003 [60], no que se refere ao leasing, também será declarado inconstitucional.
Atualmente a questão encontra-se em discussão pelo Supremo Tribunal Federal [61] no Recurso Extraordinário 592.905, de Santa Catarina, e já tendo sido reconhecida a repercussão geral sobre a matéria.
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Notas
- BRASIL. Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974.
- BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
- BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
- MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. p. 268.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. p. 682-683.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. p. 268-269.
- Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2ª ed. rev. e ampl. p. 1577.
- RODRIGUES, Silvio. Direito Civil V. 2. Parte geral das obrigações. p. 31.
- MELLO, José Eduardo Soares. ISS – aspectos teóricos e práticos. p. 38.
- BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Direito tributário, linguagem e método. p. 689.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. p. 272.
- BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
- AMARAL, Gustavo da Silva. ISS – Materialidade de sua Incidência. p. 494-495.
- Idem, p. 279.
- HOFFMAN, Susy Gomes. O Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza. p. 522.
- CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. p. 310-314.
- Idem, p. 342.
- BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
- Idem.
- COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3. p. 145.
- SILVA, José Guimarães da. Direito bancário e temas afins, p. 23.
- DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, 3º volume, p. 720.
- SILVA, Geraldo José Guimarães da. Direito bancário e temas afins, p. 24.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. p. 614.
- BRASIL. Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974.
- BRASIL. Conselho Monetário Nacional. Resolução nº 2.309 de 28 de agosto de 1996.
- Idem.
- Idem.
- Artigo 8º, inciso I, a) e b) da Resolução 2.309 do Conselho Monetário Nacional.
- Artigo 8º, inciso II da Resolução 2.309 do Conselho Monetário Nacional.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. p. 615.
- GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Elementos do contrato de arrendamento mercantil (leasing) e a propriedade do arrendatário.
- BRASIL. Conselho Monetário Nacional. Resolução nº 2.309 de 28 de agosto de 1996.
- Idem.
- Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 2ª ed. rev. e ampl. p. 1577.
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- GICO JUNIOR, Ivo Teixeira. Elementos do contrato de arrendamento mercantil (leasing) e a propriedade do arrendatário.
- COELHO, Fabio Ulhoa. Curso de direito comercial, volume 3. p. 147.
- VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: contratos em espécie. p. 614.
- BRASIL. Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974.
- BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
- BRASIL. Lei nº 6.099, de 12 de setembro de 1974.
- BRASIL. Lei Complementar nº 116, de 31 de julho de 2003.
- Idem.
- Idem.
- Idem.
- Idem.
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