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A (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar empregados públicos

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07/06/2009 às 00:00
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3 Entendimento atual do Supremo Tribunal Federal

Em decisão monocrática proferida na ADI nº 3.395 (BRASIL, 2009ª), o então Presidente do STF, Exmo. Ministro Nelson Jobim, deu interpretação conforme ao inciso I do art. 114 da CF, com redação dada pela EC 45/2004, e suspendeu, ad referendum, toda e qualquer interpretação que inclua na competência da Justiça do Trabalho, a "(...) apreciação (...) de causas que (...) sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ele vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo". Consagrou-se a discussão de inconstitucionalidade no que tange à eventual existência de vício formal na aludida emenda constitucional. Constatou-se que não constou do texto promulgado a exceção registrada pelo Senado Federal, no sentido de que não se encontrava albergada, dentre as relações de trabalho passíveis de análise pela Justiça Laboral, a competência para dirimir controvérsias dos servidores públicos ocupantes de cargos criados por lei, de provimento efetivo ou em comissão, da administração direta, suas autarquias e fundações, além daqueles detentores de empregos públicos..

Pode-se dizer que a decisão em pauta, por meio da técnica da interpretação conforme a Constituição, permitiu com que fosse mantida a ordem jurídica, sua unidade, e a idéia da presunção de constitucionalidade das normas. Excluiu-se, com qualidade vinculante, da plurissignificação do art. 114, da CF/88, a possibilidade de a Justiça do Trabalho prestar jurisdição acerca de demandas que envolvam servidores públicos, ainda que contratados em caráter temporário, dada a qualidade administrativa da relação.

Com base na interpretação em pauta, alguns entes públicos, notadamente os estados federados, vêm ingressando com reclamações perante o Preclaro STF (vide Reclamações nº 5.933, 5.946 e 7.316 (STF, 2009)), a fim de manter a autoridade da decisão da Suprema Corte proferida na ADI nº 3.395, ao argumento de que falece competência à Justiça do Trabalho para aferir a validade dos contratos temporários, devendo a controvérsia ser dirimida pelo juízo competente para apreciar questões administrativas. Enfim, a relação do servidor temporário com a Administração Pública é de caráter eminentemente jurídico-administrativo.

Com efeito, o STF acolheu, em várias decisões monocráticas, a aludida tese e determinou a suspensão de diversas reclamações trabalhistas de servidores temporários, entendendo que o processamento das referidas ações na Justiça Obreira afrontaria a decisão adotada na ADI nº 3.395-6.

3.1 Preservação da autoridade da decisão do STF na ADIN nº 694-1

Tal ADIN (BRASIL, 2009c) ressalta a competência da Justiça Comum para discussão acerca de regime jurídico próprio dos servidores admitidos em caráter temporário, dado o caráter indisponível (e administrativo) da contratação, bem como determinam a incompetência da Justiça Trabalhista para o seu julgamento – matéria de Direito Administrativo a ser discutida na Justiça Estadual.

3.2 Repercussão geral da questão constitucional discutida do RE nº 573.202-AM (de 20.08.2008)

No Recurso Extraordinário (RE) nº 573.202-AM (BRASIL, 2009d), julgado em 20 de agosto 2008, discutiu-se a competência para julgamento de causa referente à contratação temporária regida por legislação anterior à CF/88. Ocorre que o RE foi interposto com base no art. 102, III, "a", da Carta Política Fundamental, contra acórdão do TST que consignou ser competente a Justiça do Trabalho para julgar requerimento deduzido por empregada admitida pelo Estado do Amazonas, sob o regime de contratação temporária prevista na Lei local nº 1.674/84, quando a devida competência é a da Justiça Estadual. Caso contrário seriam violados os artigos 37, IX e 114 da mesma Carta.

Esse julgamento fixou orientação no sentido de que a relação entre o servidor e o Estado é uma relação de direito administrativo, estando subordinada, em qualquer situação, à Justiça Comum. Logo, toda a relação jurídica introversa da Administração Pública, ainda que em regime celetista, submete-se ao crivo da Justiça Comum, federal ou estadual.

Cumpre mencionar que a tal questão constitucional foi atribuída repercussão geral, uma vez que é por deveras relevante, do ponto de vista social e jurídico, bem como ultrapassa o interesse subjetivo da causa. Ademais, o tema abordado no Recurso Extraordinário supramencionado se repete em diversas ações com idêntica controvérsia, tais como no Conflito de Competência (CC) nº 7.533-AM; CC nº 7.530-AM; AI nº 388.717/-AM e CC nº 7.203-AM (STF, 2009). Em todos estes julgados foi firmado o entendimento de que compete à Justiça Comum a apreciação de vínculo jurídico-administrativo entre servidor contratado temporariamente e o ente público pertinente.

3.3 Da Reclamação constitucional nº 5.381-AM (DJE 8.08.2008)

O Supremo Tribunal federal, por maioria, julgou procedente pedido formulado em reclamação ajuizada pelo Estado do Amazonas em face de decisão proferida pelo Juízo da 14ª Vara do Trabalho de Manaus/AM, que antecipara os efeitos da tutela requerida nos autos de ação civil pública, assim como do processamento desta. No presente caso, o Ministério Público do Trabalho e o Ministério Público do Estado do Amazonas pediram a nulidade de todos os contratos temporários celebrados pelo ente federado na área de saúde (BRASIL, 2009e).

Nesse sentido, entendeu-se que a decisão impugnada violou a autoridade da decisão proferida pelo Supremo na ADI nº 3.395-6 (DJU de 10/11/2006), que suspendeu toda e qualquer interpretação dada ao inciso I do art. 114 da CF, na redação da EC nº 45/2004, que inclua na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, tendo por base vínculo de ordem estatutária ou jurídico-administrativa. Ressalta-se que o ora relator, Ministro Carlos Britto, asseverou ser suficiente, no caso em pauta, o fato de existir a Lei Estadual nº 2.607/2000, a qual rege a contratação emergencial, remetendo-se ao Estatuto dos Funcionários Públicos, para fixar a competência da Justiça Comum ao julgamento da matéria.

3.4 Do Conflito de Competência nº 7.514-AM (DJE de 11.10.2007)

Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pela Juíza de Direito da Comarca de Eirunepé/AM, tendo como suscitado o Tribunal Superior do Trabalho. Ocorre que tal conflito teve origem em reclamação trabalhista ajuizada contra o Estado do Amazonas, em virtude da contratação temporária pelo chamado regime especial (BRASIL, 2009f).

O Tribunal Regional do Trabalho da 11ª Região negou provimento aos recursos ordinários interpostos, rejeitando a preliminar de incompetência da Justiça do Trabalho. Em face dessa decisão, o Estado-membro protocolou Recurso de Revista, o qual foi provido pela 1ª Turma do TST, para declarar a incompetência da Justiça do Trabalho, determinando a remessa dos autos à Justiça Comum. Dessa forma, a Juíza de Direito da Comarca de Eirunepé/AM suscitou o presente conflito negativo de competência.

O Ministro-relator, então, em seu voto, reconheceu a competência originária do Supremo Tribunal Federal para dirimir o conflito de competência entre Juízo Estadual de primeira instância e o Tribunal Superior do Trabalho, de acordo com o art. 102, I, "o", da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. No mérito, o relator destacou a jurisprudência firmada no sentido de que compete à Justiça Comum Estadual conhecer de ação que versa sobre direitos decorrentes do regime especial estabelecido por lei local, conforme segue:

Justiça do Trabalho. Incompetência. - Esta Corte, ao julgar hipóteses análogas à presente em que se tratava de servidor estadual regido por regime especial disciplinado por lei local editada com fundamento no artigo 106 da Emenda Constitucional nº 1/69, firmou o entendimento (assim, a título exemplificativo, no CJ 6.829, nos RREE 130.540 e 215.819, e no RE 136.179-AgR) de que a competência para julgar as questões relativas a essa relação jurídica é da Justiça comum estadual e não da Justiça trabalhista. Dessa orientação divergiu o acórdão recorrido. Recurso extraordinário conhecido e provido [RE n. 367.638/AM, Relator o Ministro MOREIRA ALVES, DJ de 28/03/2003]. (BRASIL, 2009f)

Ainda, destacou-se neste julgamento que a relação entre o servidor e o Ente Público é de natureza estatutária, e não trabalhista, sendo o servidor do Município, no caso concreto, submetido a regime especial, disciplinado por lei local. A competência para julgamento das questões relativas a essa relação jurídica é, portanto, da Justiça Comum estadual e não da Justiça do Trabalho.

Seguiu-se tal entendimento tendo como base que a nova redação do art. 114, I, da CF/88, dada pela EC nº 45/04, não se aplica ao caso, uma vez que a medida cautelar concedida na ADI nº 3.395-6 suspendeu toda e qualquer interpretação que inclua, na competência da Justiça do Trabalho, a "(...) apreciação [...] de causas que [...] sejam instauradas entre o Poder Público e seus servidores, a ela vinculados por típica relação de ordem estatutária ou de caráter jurídico-administrativo" (BRASIL, 2009f) [10]. Ao final, o relator conheceu do conflito e declarou a competência da Justiça Comum do Estado do Amazonas.

3.5 Recurso Extraordinário nº 232.721-AM (DJU de 28/3/2003)

No Recurso Extraordinário mencionado, reconheceu-se que é competente a Justiça Comum para julgar pretensões advindas da relação de servidor estadual regido por regime especial disciplinado por lei local editada com fundamento no artigo 106, da Emenda Constitucional nº 1/69. O entendimento firmado consolidou-se no sentido de que a competência para julgar as questões relativas a essa relação jurídica é da Justiça Comum, e não da Justiça Trabalhista (BRASIL, 2009g).

3.6 Reclamação Constitucional nº 7.109, Rel. Min. Menezes Direito

Em recente decisão, assim decidiu a Corte Constitucional brasileira:

Contrato de Trabalho Temporário e Competência da Justiça Comum

O Tribunal, por maioria, negou provimento a agravo regimental interposto contra decisão que julgara procedente pedido formulado em reclamação e determinara a remessa dos autos de reclamação trabalhista ao Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais. Na espécie, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região desprovera recurso ordinário do ora reclamante, para manter a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento da ação. Alegava-se ofensa à autoridade da decisão proferida pelo Supremo na ADI 3395 MC/DF (DJU de 10.11.2006), que suspendera qualquer interpretação ao art. 114 da CF/88 que incluísse na competência da Justiça do Trabalho a apreciação de causas instauradas entre o Poder Público e seus servidores, tendo por base o vínculo de ordem estatutária ou jurídico-administrativo. Observou-se que, quando do julgamento da Rcl 5381/AM (DJE de 8.8.2008), o Tribunal firmara entendimento de que, estando a contratação regulada por uma lei especial, estadual, que, por sua vez, submete a contratação aos termos do Estatuto dos Funcionários Públicos, verificar-se-ia a relação de caráter jurídico-administrativo prevista na ADI 3395/DF. No entanto, posteriormente, fixara nova orientação no julgamento do RE 573202/AM (DJE de 5.12.2008), segundo a qual a relação entre o servidor e o Estado é uma relação de direito administrativo, estando subordinada, em qualquer situação, à Justiça Comum. O Min. Gilmar Mendes, Presidente, mesmo salientando não ser a hipótese dos presentes autos, alertou ser possível, numa reclamação apropriada, ponderar-se no sentido de se modularem os efeitos, a fim de evitar que os casos que já tiverem sentença voltem à estaca zero. Vencido o Min. Marco Aurélio, que assentava ser da Justiça do Trabalho a competência para o julgamento do feito, ante as causas de pedir e o pedido, e o Min. Carlos Britto, que adotava o entendimento firmado no julgamento da referida Rcl 5381/AM.

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Rcl 7109 AgR/MG, rel. Min. Menezes Direito, 2.4.2009. (Rcl-7109). (BRASIL, 2009h)

O julgamento não manobra abertura: afirma peremptoriamente que qualquer relação entre um agente público e o Estado "lato sensu" deve ser dirimida pela Justiça Comum, fato este que tributa coerência à tese ora defendida. Dessa forma, pode-se perceber que as decisões oriundas da Suprema Corte brasileira posicionam-se no sentido de compete à Justiça comum o julgamento da relação de um empregado público para com a Administração estatal. Tudo conforme interpretação conferida na ADIN nº 3.395-6 – DF.

Assim, considerando que os servidores contratados foram admitidos de forma regular e estando sua relação de trabalho submetida ao regime jurídico administrativo (regida pela CLT, mas vincada nos princípios da Administração Pública), a competência para apreciar a demanda permanece sendo de uma das Varas da Fazenda Pública da Justiça Estadual ou Federal. Cumpre referir, outrossim, que mesmo diante da redação do inciso I do art. 114 da CF, dada pela Emenda Constitucional nº 45/04, resta mantida a competência da Justiça Comum para apreciar as causas envolvendo relações de natureza estatutária ou de caráter jurídico-administrativo, por força de liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal na referida ADIN.

Consigne-se que a matéria não é nova, tendo sido objeto de inúmeros julgados favoráveis à tese ora defendida. Confira-se: Rcl nº 5.124 e a Rcl nº 4.940, DJE de 14/5/07 e DJ de 14/2/07, respectivamente; a Rcl nº 4.673, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJE de 9/10/06; a Rcl nº 4.425, Relator o Ministro Gilmar Mendes, DJE de 22/6/06., a Rcl nº 4.338; Relator o Ministro Joaquim Barbosa, DJE de 5/6/06; a Rcl nº 4.626, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJE de 19/9/06 [11] (STF, 2009).

Nesse sentido, a interpretação conforme (verfassungskonforme Auslegung) conferida ao art. 114, da CF/88, veiculado na ADIN nº 3395-6 - Distrito Federal (Relator: Ministro Cezar Peluso) deve ser vinculante a todos os demais juízos nacionais, a fim de se preservar o entendimento do STF em controle abstrato de constitucionalidade, bem como a fim de se permitir a evidência da força normativa do texto constitucional.


CONCLUSÃO

Como já dito anteriormente, não é a categoria jurídica em que os servidores estão inseridos que determina a competência para julgamento de pretensão dos daqueles em relação ao Estado, mas sim a presença ou não do regime jurídico administrativo, não havendo, assim, competência bastante da Justiça do Trabalho para julgá-los. Quanto a isto, há algumas premissas a serem demonstradas e detalhadas:

a) Que os empregados públicos detêm um vínculo jurídico-administrativo para com o ente estatal, por estarem inseridos no conceito maior de "servidores públicos". Sendo assim, compete à justiça comum analisar tal relação;

b) Conforme foi demonstrado, há uma tendência do Supremo Tribunal Federal (STF) em assim se posicionar;

c) E mais, se para os vínculos mantidos por contratação temporária, o entendimento do STF consolidou-se em definir a incompetência da Justiça do Comum para analisar pretensões advindas do vínculo mantido entre o agente e o Estado "lato sensu", com muito mais razão merece ser proclamado o presente entendimento no que tange aos detentores de empregos públicos admitidos por concurso ou estabilizados, pelas características administrativas ainda mais intensas que esta reação possui.

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Sobre o autor
Juliano Heinen

Procurador do Estado do RS; Mestre em Direito/UNISC; Professor de pós-graduação e graduação em Direito

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HEINEN, Juliano. A (in)competência da Justiça do Trabalho para julgar empregados públicos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2167, 7 jun. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/12936. Acesso em: 22 dez. 2024.

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