Artigo Destaque dos editores

Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.

Uma proposta de análise empírica

Exibindo página 3 de 3
Leia nesta página:

CONCLUSÃO

Diante do exposto, cumpre salientar que a ausência de reflexão crítica do fenômeno da judicialização da política e do ativismo judicial, centrando a discussão na argumentação jurídica para formulação e justificação das decisões judiciais, acarretou uma "alienação" no discurso sobre o papel do Poder Judiciário pós-Constituição de 1988. O Direito não é apenas produzido, aplicado e modificado nos Tribunais, com clara desconexão entre direito, ciência política e sociologia (BELLO, 2008).

O fenômeno da judicialização da política e o ativismo judicial é muito mais frequentemente utilizado como "retórica" daqueles que não concordam com o posicionamento do Poder Judiciário, quando poderia ser compreendido como um importante fenômeno no próprio processo de efetivação dos direitos fundamentais sociais.

Conforme apontado, a judicialização da política pode ser enquadrada como um conceito mais amplo do qual o ativismo judicial faz parte. Mas ambos possibilitam um diagnóstico do exercício jurisdicional em temas de cunho político e consequentemente relacionados com uma possível "invasão" nas funções típicas dos Poderes Executivo e Legislativo. Desta forma é que o ativismo judicial seria visível como uma tentativa do Poder Judiciário de "fazer política".

A proposta do presente trabalho buscou enfrentart a "retórica" a partir da análise de dados empíricos. A motivação exposta pelos magistrados nos casos analisados demonstra uma preocupação em não desestruturar a política pública de saúde de caráter nacional, inviabilizando o diagnóstico de ativismo judicial no recorte empírico abordado.

Conforme apontamos, a concessão de 72,5% de liminares na temática demonstra mais uma adesão do Poder Judiciário ao compromisso com a efetivação dos direitos sociais do que uma tentativa de "fazer política", pois então não respeitaria os parâmetros estabelecidos pela política pública nacional, exigência recorrente nas decisões analisadas. Reiteramos aqui que o objetivo não é elaborar juízo de valor sobre a decisão, se justa ou injusta, mas analisá-la à luz de duas concepções teóricas: o papel do Judiciário na efetivação dos direitos sociais e o fenômeno do ativismo judicial.

Portanto, a partir do recorte da realidade elaborado, ainda que não representativo no sentido de generalizações, infere-se que esta motivação não significa ativismo judicial propriamente dito. Demonstra, ainda, o urgente desafio do Poder Judiciário e da pesquisa em Direito de pesquisas empíricas que possibilitem uma melhor compreensão dos fenômenos. Como as análises têm se concentrado na argumentação jurídica utilizada para a concessão ou não do direito demandado em casos mais divulgados na mídia, não há evidências empíricas se as fundamentações utilizadas expressam um ativismo judicial ou uma adequação ao novo papel atribuído ao Poder Judiciário.

Assim, a alegação de ativismo judicial no contexto da efetivação dos direitos sociais precisa ser melhor analisada e ponderada no contexto da nova ordem constitucional de 1988 e sua preocupação com a Justiça Social. Nossa proposta aqui foi de chamar a atenção para o fato de que o Poder Judiciário, por intermédio das alegações de judicialização da política e de ativismo judicial, está, na verdade, cumprindo o texto constitucional ao garantir a efetividade de políticas públicas de cunho social.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARANTES, R. B. Judiciário e Política no Brasil. São Paulo: Idesp, 1997.

BARCELLOS, Ana Paula de. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais – o princípio da dignidade da pessoa humana. 2 ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BELLO, Enzo. Cidadania e direitos sociais no Brasil: um enfoque político e social. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito sociais – fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p. 177-205.

BERCOVICI, Gilberto. A problemática da constituição dirigente: algumas considerações sobre o caso brasileiro. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 36, n. 142, abr/jun 1999, p. 35-51.

____________________Constituição e Política: uma relação difícil. Lua Nova, nr. 61, 2004, p. 5-24.

___________________ A Constituição Dirigente a Crise da Teoria da Constituição. In: BERCOVICI, G.; SOUZA NETO, C.P.; MORAES FILHO; J.F.; LIMA, M.M. Teoria da constituição – estudos sobre o lugar da política no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 75-150.

BONTEMPO, Alessandra Gotti. Direitos Sociais – eficácia e acionabilidade à luz da Constituição de 1988. Curitiba: Juruá, 2009.

BRASIL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Audiência Pública Saúde. Disponível em: http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaSaude&pagina=Cronograma. Acesso em julho 2009.

CARVALHO, Ernani Rodrigues. A judicialização da política no Brasil: apontamentos para uma nova abordagem. Revista Sociologia Política, Curitiba, n. 23, Nov 2004, p. 115-126.

CASTRO, Marcus Faro de. O Supremo Tribunal Federal e a judicialização da política. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 12, nr. 34, junho/1997, p. 147-156.

CITTADINO, Gisele. Poder Judiciário, ativismo judiciário e democracia. ALCEU, v. 5, n. 9, jul./dez. 2004, p. 105-113.

GALANTER, Marc. Direito em Abundância: a actividade legislativa no Atlântico Norte. Revista Crítica de Ciências Sociais, nr. 36, Fev. 1993, p. 103-145.

GARAPON, A. O juiz e a democracia. Rio de Janeiro: Revan, 2001.

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

HALIS, Denis de Castro. A supremacia judicial em debate: ativismo, fabricação de decisões e democracia. Direito, Estado e Sociedade, v. 9, n. 24, jan/jun 2004, p. 32-66.

KMIEC, Keenan. The origin and current meanings of "judicial activism". California Law Review, v. 92, 2004, p. 1441-1477.

LIMA, Martonio Mont’Alverne Barreto. Jurisdição Constitucional: um problema da teoria da democracia política. In: BERCOVICI, G.; SOUZA NETO, C.P.; MORAES FILHO; J.F.; LIMA, M.M. Teoria da constituição – estudos sobre o lugar da política no direito constitucional. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2003, p. 199-255.

LINDQUIST, Stefanie A.; CROSS, Frank B. Measuring Judicial Activism.Oxford: University Press, 2009.

MACIEL, D.; KOERNER, A. Sentidos da Judicialização da Política: duas análises. Lua Nova, nr. 57, 2002, p. 113-134.

SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos Direitos Fundamentais. 6 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.

SARMENTO, Daniel. A proteção judicial dos direitos sociais: alguns parâmetros ético-jurídicos. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito sociais – fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.553-586.

SOUSA SANTOS, B., MARQUES, M.M.; PEDROSO, J.A.; FERREIRA, P.L. Os tribunais nas sociedades contemporâneas – o caso português. 2. ed. Porto: Edições Afrontamento, 1996.

SOUZA NETO, Cláudio Pereira de. A justiciabilidade dos direitos sociais: críticas e parâmetros. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira; SARMENTO, Daniel. Direito sociais – fundamentos, judicialização e direitos sociais em espécie. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 2008, p.515-551.

TATE, N. Why the expansion of judicial power? In: TATE, N.; VALLINDER, T.(org). The Global Expansion of Judicial Power. New York: University Press, 1995, p. 27-37

VALLE, Vanice Regina Lírio do (org). Ativismo Jurisdicional e o Supremo Tribunal Federal.Curitiba: Juruá, 2009.

VALLINDER, T. When the courts go marching in, In: TATE, N.; VALLINDER, T.(org) The Global Expansion of Judicial Power. New York: University Press, 1995, p. 13-26.

VIANNA, L. W. et al. A judicialização da política e das relações sociais no Brasil. Rio de Janeiro: Revan, 1999.

________________ (org) A democracia e os três poderes no Brasil. Belo Horizonte: UFMG, 2002.


Notas

  1. Por não ser objeto específico do presente trabalho, remetemos o leitor à literatura mais especializada para maiores detalhamentos sobre estes dois conceitos, como por exemplo Ingo SARLET (2006), Ana Paula BARCELLOS (2008), Daniel SARMENTO (2008) e Claúdio Pereira de SOUSA NETO (2008).
  2. Para mais detalhes ver GINSBURG, Tom. Judicial review in new democracies - Constitutional Courts in Asian Cases. Cambridge University Press, Cambridge, 2003; e SHAPIRO, Martin; STONE, Alec Sweet. The new constitutional politics of Europe. Comparative Political Studies, v. 26, nr. 4, jan 1994, p. 397-420.
  3. Importante registrar a participação dos integrantes do Grupo de Pesquisa Democracia, Direitos Fundamentais e Cidadania – DDFC, registrado no CNPq, e que agrega alunos da especialização e do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público no levantamento e análise dos dados. Um agradecimento especial a Janete Ricken Lopes de Barros, responsável pelo filtro dos processos junto à Distribuição do TJ-DFT.
  4. "O exame do posicionamento do Poder Judiciário na implementação dos direitos sociais, por meio de uma avaliação qualitativa das decisões judiciais (e não quantitativa), com a sistematização e contraposição dos principais argumentos jurídicos desfavoráveis e favoráveis à acionabilidade dos direitos sociais, demonstrou a fragilidade dos argumentos erigidos contra a realização dos direitos sociais pelo Poder Judiciário" (BONTEMPO, 2009, p. 318).
Assuntos relacionados
Sobre as autoras
Ana Cândida Eugênio Pinto Ribeiro

Advogada Sindical e Trabalhista em Brasilia, integrante do grupo de Pesquisa do Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP “Democracia, Direitos Fundamentais e Cidadania”.

Julia Maurmann Ximenes

Advogada, Mestre em Direito, Doutora em Sociologia Política pela Universidade de Brasília, professora da Pós-Graduação e do Mestrado do Instituto Brasiliense de Direito Público - IDP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Ana Cândida Eugênio Pinto ; XIMENES, Julia Maurmann. Efetivação dos direitos fundamentais e ativismo judicial.: Uma proposta de análise empírica. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2306, 24 out. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13752. Acesso em: 19 abr. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!
Publique seus artigos