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A repetição das normas da Constituição federal de observância obrigatória pela Constituição estadual.

A relevância ou não da repetição

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4- CONCLUSÃO

Se as Constituições dos Estados-membros são subordinadas à Constituição total, é desnecessária a cópia das normas de observância obrigatória da Constituição federal – normas da Constituição total – pelo Poder Constituinte Decorrente. É que norma inferior não pode determinar a eficácia de norma superior. Desse modo, o Estado-membro não é obrigado a copiar as normas da Constituição federal obrigatórias a esse ente parcial, sob pena de considerá-las subordinadas às normas inferiores da Constituição estadual.

Mesmo as normas sobre a organização dos Estados-membros contidas na Constituição federal não precisam ser copiadas para a Constituição estadual. Não há razão para diferenciar normas da Federação que garantem a unidade federal das que estabelecem subordinações aos entes parciais.

No entanto, caso o Poder Constituinte estadual copie norma da Constituição total, mesmo não sendo obrigado, pode-se afirmar que o ato de cópia implica a criação de mero texto pertence à Constituição estadual, que não pode ser considerado pertencente ao Direito, ou melhor, norma jurídica. Se toda norma jurídica, a não ser a norma fundamental – a qual só cria norma jurídica – e o último ato de aplicação do direito – o qual só aplica a norma jurídica –, deve aplicar e criar norma jurídica [27], é porque as normas da Constituição estadual que repetem normas da Constituição federal de observância obrigatória não são normas jurídicas. Primeiro, porque o ato da cópia não representa a aplicação da norma superior da Constituição Total, que, ao instituir o Poder Constituinte Decorrente, apenas o limitou a observar os princípios da Constituição federal (artigo 25, da CF). Segundo, porque a cópia de norma pelo sujeito obrigado não cria norma inferior. Terceiro, porque não se pode considerar ilícito/inválido o ato de cópia de normas de observância obrigatória da Constituição federal pelos Estados-membros.

Quanto a um possível caráter de reforço dessas "normas" da Constituição estadual [28], trata-se de fenômeno não pertencente ao Direito, para o qual importa apenas o ato do sujeito obrigado, e não a vontade de cumprir ou descumprir a norma superior. Como afirmou Kelsen [29], com acerto, a vontade do sujeito obrigado pela norma de aderir ao seu comando é irrelevante, já que se pode aderir a um comando e não o cumprir – como o criminoso que aprova a norma que proíbe o homicídio, mas que, num acesso de raiva, acaba matando alguém – como também cumprir o comando sem aderir à ordem– como o pagamento de imposto por contribuinte que tem a certeza de que o dinheiro pago será desviado após o ingresso na receita do Estado.


NOTAS

  1. FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da Constituição Federal In Interpretação e estudos da Constituição de 1988. São Paulo: Atlas, 1990, p. 90.
  2. SCHIMITT, Carl. O guardião da Constituição, tradução de Geraldo Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey: 2007, p. 82-83.
  3. HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Belo Horizonte, 1964, p. 62
  4. SALDANHA, Nélson. O poder constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986, p. 81
  5. CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed.. Coimbra: Almedina, 1998, p. 786-787.
  6. Embora haja classificações das mais variadas referindo-se ao Poder dos Estados-membros de se auto-constituírem, tais como, Poder Constituinte Constituído, Poder Constituinte de Direito, entre outras, adotar-se-á nesse trabalho a denominação proposta primeiramente por Anna Cândida da Cunha Ferraz, Poder Constituinte Decorrente, denominação que explicita o fato de a Constituição dos Estados-membros ocupar hierarquia inferior à Constituição Federal, que estabelece suas normas e o seu procedimento. Segundo a autora: "[...] O Poder Constituinte que, todavia, transforma esse Estado independente em Estado Federado, quer apareça claramente na fase inicial de formação constitucional da entidade federada, quer manifeste-se, apenas, para reformar a Constituição primeira, tem outra natureza, porque tem outro fundamento: é um poder que recebe da Constituição Federal o caráter de constituinte; é, pois, um poder constituinte constituído, um poder de direito" (FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Poder constituinte dos estados-membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979, p. 83).
  7. A distinção entre normas de conduta (que estabelecem dever no mundo dos fatos) e de competência (normas de como fazer direito, normas sobre normas) é feita apenas para demonstrar relação das primeiras com o dever de obediência, típico do princípio hierárquico, e a relação das segundas com as atribuições de poderes aos entes políticos – típico problema de divisão de competências do Estado Federal. A distinção é apenas de conteúdo, dos textos previstos pelas normas. Já que, como provou Alf Ross, toda norma de competência desemboca em outra de conduta e vice-versa. Segundo o autor: "O certo é que toda norma de organização encerra preceito relativo à conduta. Quando se diz que determinado serviço será estruturado de tal modo, fica implícito que as pessoas encarregadas de fazê-lo não poderão agir senão no sentido do planejamento estabelecido. Portanto, têm aquelas pessoas sua conduta funcional rigidamente disciplinada. Prejudica-se, assim, o objetivo específico da classificação" (ALF ROSS. Sobre el Derecho y la Justicia, p. 32, apud VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 177).
  8. Segundo Marcos Bernardes de Mello, aclarando as idéias de Pontes de Miranda : "[...]A incidência é, assim, o efeito da norma jurídica de transformar em fato jurídico a parte do seu suporte fático que o direito considerou relevante para ingressar no mundo jurídico. Somente depois de gerado o fato jurídico, por força da incidência, é que se poderá falar de situações jurídicas e todas as demais categorias de efeitos jurídicos" (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003).
  9. HORTA, Raul Machado. Normas Centrais da Constituição Federal. Revista de informação legislativa, Brasília, a. 34n. 135 jul./set. 1997, p. 176.
  10. Kelsen demonstra o erro da doutrina que afirma poder o federalismo originar-se de um acordo dos estados-membros, de um pacto federativo: "[...]seria preciso limitar o conceito de Estado federativo ao momento histórico do processo de formação; isso nos obrigaria, porém, a readotar como base jurídica justamente o acordo, o qual dificilmente poderia ser concebido como outra coisa que não um tratado internacional. Com isso estaríamos renunciando à diferenciação com a confederação de Estados, ou seja, ao conceito específico de Estado federativo. Não nos resta outra possibilidade, portanto, senão a de caracterizar o Estado federativo em termos de conteúdo jurídico e concebê-lo como um caso particular, no âmbito técnico-organizacional, de um Estado pensável somente como Estado unitário"(KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 8).
  11. MELLO, Celso Antonio Bandeira. Natureza Jurídica do Estado Federal, 1979 apud SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE 229096, Relator Ministro Ilmar Galvão, DJ 11-04-2008.
  12. PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A intervenção federal e o federalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002, p. 217
  13. Por conta disso, o ex-ministro Sepúlveda Pertence prefere denominar as normas de reprodução, espécie de normas centrais, de "normas federais de absorção compulsória"(Rcl 370-MT, Relator Ministro Octavio Galloti, DJ 29.06.2001).
  14. Segundo Raul Machado Horta: "[...] a primazia da Constituição Federal, como centro de normas, confere ao ordenamento do Estado Federado o caráter de ordenamento derivado, quando recebe e acata as normas originárias da Constituição Federal, para projetá-las no próprio ordenamento, mediante atividade de simples recepção do constituinte estadual. O ordenamento autônomo do Estado-membro é misto: parcialmente derivado e parcialmente originário" (HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte: Belo Horizonte, 1964, p. 62-63).
  15. HORTA, Raul Machado. Normas Centrais da Constituição Federal. Revista de informação legislativa, Brasília, a. 34n. 135 jul./set. 1997, p. 178.
  16. HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito Constitucional Brasileiro. Belo Horizonte: Belo Horizonte, 1964, p. 225.
  17. SCHIMITT, Carl. O guardião da Constituição, tradução de Geraldo Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey: 2007, p.37.
  18. SCHIMITT, Carl. O guardião da Constituição, tradução de Geraldo Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey: 2007, p. 82-83.
  19. O autor denomina de descentralização estática essa divisão no espaço entre fontes produtoras de normas jurídicas. Totalmente diferente para o autor é o fenômeno da descentralização dinâmica. Segundo o mestre vienense, a descentralização dinâmica tem lugar quando as normas são criadas por órgãos diferentes, ainda que pela mesma fonte de competência. Segundo ele: "Se, por exemplo, as normas centrais que regulam as diferentes matérias são criadas por diferentes órgãos – como no caso em que um governo de gabinete é estabelecido, a Administração Pública é dividida em diferentes ramos, e cada ramo da Administração é colocado sob a direção de um ministro de gabinete -, existe descentralização apenas nesse sentido dinâmico" (KELSEN, Hans. Teoria geral do direito e do estado. São Paulo: Martins Fontes, 2000, p. 441-442). A distinção por ele proposta não se diferencia da proposta por Vincenzo Sica entre autonomia (equivalente à descentralização estática de Kelsen) e descentralização (equivalente à descentralização dinâmica). Segundo Raul Machado Horta, explicando as idéias do autor: "[...] a descentralização é transformação dentro do aparelho estatal (apparato statale). É técnica que se move dentro do Estado pessoa, no âmbito do Estado organização, e decorre da atribuição de funções do Estado central[...]" (apud HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Belo Horizonte, 1964, p. 26).
  20. Cf IF-Agr 3977-SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ, 30 abr. 2004.
  21. CAVALCANTI, Themístocles Brandão. Do controle de constitucionalidade. Rio de Janeiro: Forense, 1966, apud CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 134.
  22. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Cf. IF-Agr 3977-SP, Relator Ministro Maurício Corrêa, DJ, 30 abr. 2004.
  23. CLÉVE, Clèmerson Merlin. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 136.
  24. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Rcl. 383, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 21-5-1993.
  25. Para José Afonso da Silva, os princípios que autorizam a intervenção dos Estados nos Municípios são os princípios sensíveis estabelecidos na Constituição Federal. (cf. SILVA, José Afonso. Direito constitucional positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 490); posição também adotada pelo STF, cf. ADI 336, Rel. Min. Célio Borja, DJ 01.11.91. Essa também parece ser a opinião de Enrique Ricardo Lewandowski, que, embora não explicitamente, considera que os Municípios estão limitados, em sua capacidade de auto-organização, também aos princípios indicados na Constituição Estadual. No entanto, nada diz sobre a possibilidade de o Constituinte Estadual considerar esses princípios originários como hipóteses de intervenção nos Municípios. Segundo o autor: "[...]No que tange aos postulados de observância obrigatória pelas comunas, registra-se que a autonomia municipal, por força do que dispõe o art. 29, caput, da Lei Maior, em particular no concernente à capacidade de auto-organização, encontra-se limitada não só pelos princípios estabelecidos na Constituição Federal, como também por aqueles consignados na Carta do respectivo Estado"(LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil. São Paulo: RT, 1994, p. 120). Já Márcia Pelegrini parece admitir liberdade maior aos Estados-membros. Ao criticar o texto do artigo 35, IV, da Constituição Federal, afirma: "[...] O texto constitucional não andou bem ao dispor da matéria dessa maneira. Tratou da intervenção de modo taxativo e exaustivo, inclusive da forma de sua decretação, alterando a prática adotada nas Cartas anteriores que remetiam às Constituições Estaduais a regulamentação da matéria, e ao mesmo tempo remeteu o estabelecimento dos princípios às Cartas Estaduais" (PELEGRINI, Márcia. A intervenção estadual nos Municípios: cumprimento de ordem ou decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 157).
  26. ALVES, Moreira. A jurisdição constitucional estadual e as normas federais reproduzidas nas Constituições dos Estados membros. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002, p. 22.
  27. KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p. 139-140.
  28. Segundo Léo Leoncy: "A inclusão de normas de idêntico teor no texto constitucional estadual funciona como uma espécie de reforço para o respeito das normas constitucionais federais equivalentes e, por isso, não representa, tal postura, nenhum tipo de violação à obra do constituinte originário federal" (LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 26-27).
  29. KELSEN, Hans. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986, p. 54-55.

REFERÊNCIAS

ALVES, Moreira. A jurisdição constitucional estadual e as normas federais reproduzidas nas Constituições dos Estados membros. In MARTINS, Ives Gandra da Silva (Org.). As vertentes do direito constitucional contemporâneo. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional. 6. ed. Coimbra: Almedina, 1998.

CLÈVE, Clemerson Clève. A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1995

FERRAZ, Ana Cândida da Cunha. Poder constituinte dos estados-membros. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.

FERRAZ JUNIOR, Tercio Sampaio. Interpretação e estudos da Constituição de 1988 In Princípios condicionantes do poder constituinte estadual em face da Constituição Federal.

HORTA, Raul Machado. A autonomia do estado-membro no direito constitucional brasileiro. Belo Horizonte: Estabelecimentos Gráficos Santa Maria, 1964.

______. Normas Centrais da Constituição Federal In Revista de informação legislativa, Brasília, a. 34, n. 135, jul./set. 1997.

KELSEN, Hans. Jurisdição constitucional. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

______. Teoria geral das normas. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris, 1986.

______. Teoria pura do direito. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

LEONCY, Léo Ferreira. Controle de constitucionalidade estadual: as normas de observância obrigatória e a defesa abstrata da Constituição do Estado-membro. São Paulo: Saraiva, 2007

LEWANDOWSKI, Enrique Ricardo. Pressupostos materiais e formais da intervenção federal no Brasil. São Paulo: RT, 1994.

MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2003.

PELEGRINI, Márcia. A intervenção estadual nos Municípios: cumprimento de ordem ou decisão judicial. São Paulo: Max Limonad, 2000.

PINTO FILHO, Francisco Bilac M. A intervenção federal e o federalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

SALDANHA, Nélson. O poder constituinte. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1986.

SILVA, José Afonso da. Direito constitucional positivo. 24. ed. São Paulo: Malheiros: 2005

SCHIMITT, Carl. O guardião da Constituição. Tradução de Geraldo Carvalho. Belo Horizonte: Del Rey, 2007.

VASCONCELOS, Arnaldo. Teoria da norma jurídica. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

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Sobre o autor
João Paulo Rodrigues de Castro

Defensor Público Federal

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASTRO, João Paulo Rodrigues. A repetição das normas da Constituição federal de observância obrigatória pela Constituição estadual.: A relevância ou não da repetição. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2318, 5 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13804. Acesso em: 24 nov. 2024.

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