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A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora

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23/11/2009 às 00:00
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4.CASOS DE EXCLUSÃO DA MULTA

Neste capítulo serão tratados os dois casos mais importantes de exclusão da multa em si, deixando-se de lado os casos de extinção do crédito tributário, como a remissão, a prescrição e a decadência, por serem impertinentes ao destaque abordado.

4.1.Exclusão da multa como incentivo ao pagamento

O incentivo ao pagamento de tributos em atraso pode justificar-se por:

a)urgente necessidade pública, geralmente relacionada à formação de disponibilidade financeira para fazer frente a compromissos inadiáveis assumidos pela administração com obras, programas de governo ou despesas com outros encargos públicos;

b)dificuldade dos contribuintes em saldar seus débitos para com a Fazenda Pública, decorrente de calamidade pública ou situação de emergência que inviabilize o pagamento regular dos tributos a um universo limitado de contribuintes afetados pelo mesmo fenômeno.

A fórmula adotada para fomentar a receita ou diminuir a inadimplência é a edição de lei específica, dentro das condições e da competência constitucionalmente prescritas.

A Constituição de 1988, no artigo 24, em matéria de repartição vertical de competência, produziu inovações ao atribuir poder e legitimidade às pessoas políticas para legislar de modo pleno, mesmo diante da inexistência de normas gerais. Aprimorou, assim, o federalismo clássico, que tende a evoluir para um federalismo de equilíbrio [20].

A lei complementar está adstrita a estabelecer normas de caráter geral, não podendo, por consequência, nem interferir nem inovar dentro da matéria de competência privativa do ente tributante.

Para Fonseca Reis: "Qualquer interpretação que busque a definição do conteúdo e alcance dessas normas gerais deverá preservar a autonomia financeira, isto é, a repartição de competência tributária e o seu exercício de modo pleno" [21].

O constituinte, além da repartição das competências tributárias, estabeleceu princípios garantidores do estatuto do contribuinte, aceitando ser o crédito tributário e penalidades bens indisponíveis, fixando no § 6º do art. 150 que a remissão e a anistia somente podem ser concedidas através de lei específica federal, estadual ou municipal.

Pode-se daí deduzir que tal matéria não poderá ser objeto de norma geral.

É vedado conceder anistia, remissão a não ser através de lei específica. Respeitada a autonomia das entidades políticas, no regime federativo brasileiro, se a penalidade decorre de preceito de lei estadual, se o crédito tributário resulta da incidência de lei ordinária estadual, lei federal não pode conceder anistia, nem remissão. Tal só poderia ocorrer no âmbito da competência para os tributos federais.

Fica evidente, destarte, que as normas constantes do Código Tributário Nacional, especialmente quando tratam de exclusão de responsabilidade, devem limitar-se à punibilidade subjetiva criminal, sobre a qual é competência da União legislar, não se podendo admitir que a recepção de tais normas, como o caso do artigo 138, numa verdadeira anistia em abstrato, venha excluir a responsabilidade objetiva, dispensando o pagamento de todas as multas tributárias aplicáveis por normas que se situam dentro da competência privativa das pessoas políticas tributantes, pelo menos quando estas tenham emitido leis tratando do assunto ou estabelecendo sanções que garantem o cumprimento da obrigação tributária.

A anistia é a simples dispensa do pagamento dos acréscimos legais ao tributo, nos casos estabelecidos em uma Lei específica, como parte da política fiscal do Estado, cujo objetivo, em regra, é promover o ingresso de recursos para incremento da receita tributária em um determinado exercício financeiro.

A anistia não deve ser confundida com a isenção (= dispensa obrigação tributária, mantendo-se a atividade isenta dentro do campo de incidência) e com a remissão (= extinção, perdão da obrigação tributária através de lei específica).

As anistias e remissões, em respeito ao princípio da estrita legalidade (art. 97, VI do CTN), só poderão ser concedidas por meio de lei editada pela pessoa política tributante.

4.2. Exclusão da multa pela Denúncia Espontânea

A denúncia espontânea exclui a responsabilidade pela infração. Esta hipótese de exclusão da multa punitiva está prevista no artigo 138, do Código Tributário Nacional.

A consideração analítica do tema exige uma visão sistemática.

Considera-se, destarte, equivocada a exegese literal do artigo 138, do CTN, sendo imprescindível uma interpretação sistemática com o art. 161 da mesma lei e os artigos 146, 150, § 6º e 155,§ 2º, inciso XII, da Constituição Federal.

Para Amaro, "considera-se denúncia espontânea o procedimento adotado que regularize a obrigação que tenha configurado uma infração, dispensada a comunicação da correção da falta..." [22].

Amaro coloca aqui uma interrogação: "Poder-se-ia, então, concluir que a multa de mora teria sido proscrita pelo Código Tributário Nacional, sendo inexigível em qualquer situação? Parece que não, pois o próprio Código se reporta às multas de mora no parágrafo único do art. 134, para dizer que, nas hipóteses ali referidas, somente são devidas penalidades de caráter moratório" [23].

A fazenda pública vem desposando o entendimento de que a falta de pagamento de tributo não exclui a responsabilidade do devedor em pagá-lo com os acréscimos legais, inclusive o da multa moratória.

A multa de mora tem mais relação com o valor do tributo e o lapso de tempo transcorrido, que com a conduta do contribuinte.

É Carvalho quem ensina: "as multas de mora são também penalidades pecuniárias, mas destituídas de nota punitiva. Nelas predomina o intuito indenizatório, pela contingência de o Poder Público receber a destempo, com as inconveniências que normalmente acarreta, o tributo a que tem direito" [24].

Entre essas sanções, como se verá, está aquela que incide sobre o comportamento, considerado irregular, de pagar-se o tributo fora do prazo, para o qual fixa-se a multa de mora proporcional ao atraso e independente de lavratura do auto de infração ou de notificação pelo agente fiscal.

Esta postura não exclui o benefício, entretanto, assume que existe um prazo, ultrapassado o qual, ocorre a preclusão para seu exercício (preclusão, no sentido de perda da oportunidade para exercício de um direito), fixado na lei ordinária que instituiu o tributo, em relação à multa de mora, até o vencimento do tributo, considerando ser o transcurso de tempo inexorável, retirando a eficácia do arrependimento do sujeito passivo.

É princípio do Direito Penal do arrependimento posterior, segundo o qual o agente responde pelo dano já provocado.

Algumas leis, expedidas pelos entes tributantes, dentro de sua competência constitucional, como por exemplo, o Estado de Santa Catarina, prevêem como infração, ou procedimento irregular, o simples pagamento extemporâneo do tributo, sujeitando-o à multa de mora proporcional ao atraso ocorrido entre o vencimento da obrigação e a data em que for realizado o pagamento.

É o caso da Lei estadual catarinense n 10297, de 26 de dezembro de 1996, que prevê um tipo de multa que coloca o tema em cheque:

Art. 53. Submeter tardiamente operação ou prestação tributável à incidência do imposto ou recolher o imposto apurado, pelo próprio contribuinte, ou devido por estimativa fiscal, após o prazo previsto na legislação, antes de qualquer procedimento administrativo ou medida de fiscalização.

Multa de 0,3 % (três décimos por cento) ao dia, até o limite de 25% (vinte e cinco por cento) [25].

Em relação aos tributos federais, o Decreto-Lei 1893, de 16 de dezembro de 1981, determina em seu artigo 9º que os créditos da fazenda nacional decorrentes de multas ou penalidades pecuniárias aplicadas, na forma da lei pertinente, até a data da decretação da falência, constituem encargos da massa falida [26].

O Supremo Tribunal Federal expediu as súmulas 191 e 192 que prescreviam a exigibilidade das "multas moratórias" e a exclusão das "multas punitivas", em relação à massa falida. [27]

Na discussão a respeito de ter a multa de mora caráter punitivo ou indenizatório, a partir do Código Tributário Nacional, ninguém melhor que o autor de seu anteprojeto, Gomes de Sousa, para esclarecer: "... a sua natureza é comparável à das indenizações por prejuízos, previstas no direito civil, e por isso se diz que a mora é uma penalidade de caráter civil" [28]. Mais adiante, Gomes de Sousa complementa: "Justamente por ser uma reparação do prejuízo do credor, a multa de mora é fatal, isto é, sempre devida, desde que se verifique o atraso, independentemente dos motivos deste" [29].

Dissertando a respeito dos efeitos do início do procedimento fiscal, Fanucchi, em obra prefaciada por Gomes de Sousa, refere-se aos efeitos normais ao procedimento corretivo espontâneo como sendo: "exclusão de multas punitivas mas não das compensatórias por atraso no recolhimento do tributo" [30].

Rosa Jr., no seu extenso "Manual de direito financeiro & direito tributário", conclui, sobre a denúncia espontânea e seus efeitos (CTN, art. 138): "... ficam excluídas apenas as multas punitivas, continuando o sujeito passivo obrigado ao pagamento do tributo, juros de mora, correção monetária e multas moratórias" [31].

Recentes acórdãos do Tribunal Regional Federal da Primeira Região, publicados no Diário da Justiça, convergem no mesmo sentido: [32]

AG 1999.01.00.011466-6 /MG ; AGRAVO DE INSTRUMENTO; JUIZ OLINDO MENEZES (280); TERCEIRA TURMA; DJ 24/03/2000 p.69; TRIBUTÁRIO. MULTA DE MORA. DENÚNCIA ESPONTÂNEA. REGIME LEGAL. 1. A multa de mora não é incompatível com a denúncia espontânea (art. 138 - CTN). 2. Improvimento do agravo de instrumento.

AMS 1997.01.00.051521-0 /BA ; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA; JUIZA ELIANA CALMON (175 ); QUARTA TURMA; DJ 01 /10 /1999 p.332; TRIBUTÁRIO - MORA - DENÚNCIA ESPONTÂNEA: ART. 138 DO CTN. 1. Cobra-se neste processo multa moratória e não sanção pecuniária. 2. Inaplicabilidade do disposto no art. 138 do CTN - denúncia espontânea . 3. Recurso improvido. nos autos. Agravo de instrumento improvido.

AMS 1998.01.00.035558-0 /MG ; APELAÇÃO EM MANDADO DE SEGURANÇA; JUIZ OLINDO MENEZES (126); TERCEIRA TURMA DJ 14/05/1999,p.88. TRIBUTÁRIO.DENÚNCIA ESPONTÂNEA. INCIDÊNCIA DE MULTA DE MORA. 1. A denúncia espontânea, que não exclui os juros de mora (art. 138-CTN), também não é incompatível com a multa de mora, que não tem caráter punitivo. O Código Tributário Nacional faz distinção entre as penalidades punitivas e moratórias (art. 134, parágrafo único). 2. Improvimento da apelação da empresa. Provimento da apelação da União e da Remessa.

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É mais evidente a inaplicabilidade da denúncia espontânea ao caso, por exemplo, do ICMS, quando o contribuinte já informou ao fisco através de Guia de Informação Apuração, o valor do tributo devido, não havendo mais o que denunciar.

De outro prisma, a exclusão de multas no âmbito da denúncia espontânea é regra restrita de benefício que não admite interpretação extensiva, pela indisponibilidade dos bens públicos, considerando-se ainda o princípio do fim social da lei.

Na interpretação da norma, é de suma importância, especificamente no campo do Direito Tributário, a assertiva de Maximiliano: "o rigor é maior em se tratando de disposição excepcional, de isenções ou abrandamentos de ônus em proveito de indivíduos ou corporações. Não se presume o intuito de abrir mão de direitos inerentes à autoridade suprema" [33].

Importante de destacar-se é que deve ser adotado um tratamento diferente a quem pagou o tributo fora do prazo, em relação a quem pagou no prazo, valorizando a atitude deste último. Faz-se então um juízo de equidade.

Há uma inversão de valores quando se atribui maior benefício a quem paga, mesmo espontaneamente, fora do prazo legal, em relação a quem pagou dentro do prazo. A atitude do contribuinte, pagando espontaneamente o tributo fora do prazo na lei deve, quando muito, ser considerada como atenuante na aplicação da sanção.

Além do mais, a denúncia espontânea, no direito tributário, é de aplicação restrita a um universo privilegiado de contribuintes, mormente os empresários, não atingindo a grande massa de assalariados que têm seus tributos retidos na fonte, sem nenhuma concessão de prazo e fora de qualquer possibilidade do desvio de conduta que é oportunizada ao contribuinte empresarial. E a prática deste desvio de conduta, que é o pagamento extemporâneo, não pode gerar benefício ao agente, em vista do princípio universal segundo o qual a ninguém é dado beneficiar-se da própria transgressão.

O princípio da equidade sugere sejam tratados de maneira semelhante apenas os casos que sejam realmente semelhantes.

Assim, quando a lei impõe prazos para pagamento de tributos e multa de mora para pagamentos fora deste prazo, a situação de igualdade entre o contribuinte que pagou fora do prazo e aquele que pagou pontualmente só será restabelecida após o pagamento da multa de mora e dos demais acréscimos legais.

O Código Tributário Nacional deve ser desmistificado, e sua recepção na Constituição de 1988 deve ser vista com restrição, pelo menos nos casos em que não trata de normas gerais. No caso denúncia espontânea, o entendimento adotado pelo signatário deste trabalho é o de que o CTN só foi recepcionado até onde não conflite com a lei ordinária que fixa prazo e estabelece sanções para pagamento fora do prazo. Esta lei ordinária é de competência da pessoa política tributante, obedecido o princípio federativo. Fora disso o CTN foi recepcionado como lei federal válida para regular os tributos de competência da União, enquanto a mesma União não fixar normas sobre prazo e sanções para descumprimento destes prazos, aplicáveis aos referidos tributos.

Em se tratando de princípios constitucionais, o apoio da obra de Carrazza é imprescindível:

Reforça o princípio republicano o da capacidade contributiva... O princípio da capacidade contributiva - que informa a tributação por meio de impostos – hospeda-se nas dobras do princípio da igualdade e ajuda a realizar, no campo tributário, os ideais republicanos... Intimamente ligado ao princípio da igualdade, é um dos mecanismos mais eficazes para que se alcance a tão almejada justiça fiscal...

O princípio da igualdade exige que a lei, tanto ao ser editada, quanto ao ser aplicada: a) não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação jurídica equivalente; b) discrimine, na medida de suas desigualdades, os contribuintes que não se encontrem em situação jurídica equivalente [34].

Se o devedor deixou de pagar o tributo no prazo da norma e manifesta seu arrependimento, pela denúncia espontânea, a situação assemelha-se à do arrependimento posterior, do Direito Penal, em que o agente deve responder pelos atos já praticados. Se o curso do tempo é inexorável, o prejuízo à sociedade, pela omissão do contribuinte, em termos de realização dos fins do Estado a que se destina o tributo, já ocorreu. O arrependimento não será, portanto, eficaz, enquanto o agente não indenizar o Estado pelos danos causados. Os juros e a correção monetária apenas repõem o custo financeiro do tributo não recolhido. A multa de mora será indenizatória dos danos causados pelo agente.

Ao interpretar o dispositivo, Baleeiro não fala em multas, mas em responsabilidade, ressalvando, pela equiparação à lei penal, a responsabilidade pelos danos provocados pelos atos já praticados pelo agente.

Para Baleeiro, "as multas ora indenizam um prejuízo ao fisco, como as da mora no pagamento de tributos, ora são métodos de repressão (multas pela sonegação de impostos) e de intimidação pelo perigo potencial resultante do procedimento do indivíduo (infração de tráfego, por exemplo)" [35].

Baleeiro, na sua obra "Direito Tributário Brasileiro", ao comentar o artigo 138, do CTN refere-se à exclusão da responsabilidade pela infração, aduzindo que "há, nessa hipótese, confissão e, ao mesmo tempo, desistência do proveito da infração. A disposição, até certo ponto equipara-se ao art. 13 do CP: ‘O agente que, voluntariamente, desiste da consumação do crime ou impede que o resultado se produza, só responde pelos atos já praticados’" [36].

Tem-se ainda a lição de Minatel, quando repele a "... interpretação extensiva que se pretende atribuir ao artigo 138 do CTN, quando se intenta condecorá-lo com eficácia suficiente para afastar a multa de mora..." [37].

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Sobre o autor
Ivo Zanoni

Auditor Fiscal da Receita Estadual/SC, bacharel em Direito, Mestre em Ciências Jurídicas (UNIVALI/ITAJAÍ), Doutorando em Direito (UCSF, Universidad Catolica de Santa Fe, Argentina)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ZANONI, Ivo. A denúncia espontânea tributária e a exigência da multa de mora. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2336, 23 nov. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/13902. Acesso em: 26 abr. 2024.

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