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Operações de crédito por antecipação de receitas:

vinculação pelos Municípios das cotas de ICMS

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01/09/2000 às 00:00
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Posição da jurisprudência

Quando, ainda, estávamos na Consultoria Jurídica do Município a Prefeitura de São Paulo levou ao Judiciário a solução do impasse provocado pela sua credora, Caixa Econômica Estadual que, munido de procuração bastante, sacava direta e periodicamente, junto ao Banco do Estado de São Paulo, as cotas do ICMS dadas em garantia para a amortização do empréstimo público. Inconformada com a autocobrança que já vinha prejudicando o plano de ação governamental a Municipalidade revogou a procuração notificando o Banespa desse fato. Como os saques continuaram foi impetrado o mandado de segurança contra o Presidente do Banco logrando obter a medida liminar que impediu a sangria mensal dos cofres públicos. Por razões processuais houve extinção do processo e cassação da liminar. Em grau de apelação a sentença foi reformada para que o juiz apreciasse o mérito, visto que a Corte não vislumbrou a alegada falha na representação processual (Ap. civ. nº 135.447-1-SP-8ª Câmara do Tribunal de Justiça, Relator Des. Jorge Almeida). No curso do processo houve acordo, culminando com o total pagamento pela Fazenda Estadual dos créditos tributários indevidamente compensados por conta do débito da impetrante junto à Caixa Econômica. Em outra oportunidade a mesma 8ª Câmara decretou a rescisão parcial do contrato de execução de obra pública para excluir a cláusula que vinculava as receitas do ICMS para a garantia do pagamento (Ap. Civ. nº 168.220-1, Rel. Des. Regis de Oliveira). Também o E. 1º TACIVIL manteve a liminar concedida em medida cautelar preventiva, requerida pela Municipalidade de Araçariguama para suspender os poderes outorgados ao Banco-credor (Banespa) para recebimento do ICMS em pagamento a mútuo decorrente de contrato firmado entre as partes (AI nº 722.535-3, Rel. Juiz Antonio de Pádua Ferraz Nogueira. A íntegra desse v. acórdãol acha-se estampado no Boletim de Direito Municipal, CDJ, julho/97, p. 412). Em sentido contrário, o recente acórdão proferido, em 9/10/97, pelo E. 1º TACIVIL julgado constitucionais e legais as cláusulas contratuais que permitiam ao credor a retenção do numerário referente ao ICMS, dado em garantia de operação de crédito, por antecipação de receita, pelo Município de Mauá (Ap. Civ. nº 715.815-8 da 11ª Câmara Extraordinária "A", Relator Juiz Silveira Paulilo).

Como se vê na jurisprudência, também, a matéria não está pacificada. Porém, podemos afirmar que a tese da possibilidade jurídica de vinculação de receitas, notadamente, na modalidade de antecipação de receitas do ICMS, intensamente praticada pelas comunas, repousa mais na interpretação literal do texto do art. 167, IV da CF e do § 4º desse artigo.


Verdadeira natureza jurídica da vinculação

A essa altura é de se indagar: se a interpretação literal do texto constitucional não pode subsistir qual seria, então, a natureza jurídica da garantia aí referida? A vinculação, ao nosso ver, nada tem a ver com os institutos da garantia real, regulados pelo Código Civil. Não possibilita ao credor, na hipótese de inadimplemento do Poder Público, a execução da garantia. Essa vinculação surte efeitos exclusivamente no âmbito do Direito Financeiro. A Carta Magna facultou à entidade política promover despesas por conta das receitas estimadas de impostos, obtendo os respectivos recursos por meio de operações de crédito, vinculando as receitas tributárias futuras. A vinculação tem o sentido de preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada, evitando-se situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, a entidade política mutuante é obrigada a manter, permanentemente, na lei orçamentária anual dotação específica para garantia do pagamento da dívida, enquanto esta perdurar. Tem, também, o sentido de inspirar credibilidade e confiança ao mutuante, que ficará sabendo de antemão, que o mutuário estará simplesmente suprindo deficiência momentânea de caixa, antecipando a receita, que nem sempre ocorre com a mesma intensidade nos doze meses do exercício.

Assim, essas garantias dadas pelos diversos Municípios não são nulas. Só não comportam excussão pelo credor, na hipótese de inadimplemento do devedor.


Conclusões

As entidades políticas estão autorizadas, pela Carta Política, a contratar operações de créditos, na modalidade de antecipação de receitas orçamentárias, mediante vinculação do produto de arrecadação de impostos, quer o de sua competência impositiva, quer o daqueles partilhados.

Essa vinculação não representa uma garantia real para a instituição financeira credora, que não poderá excuti-la na hipótese de inadimplemento do poder público. Receitas públicas existem para a garantia da sociedade e não do credor. Representam instrumentos para o Estado, no desempenho de sua missão constitucional, cumprir a finalidade última de promover o bem comum.

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Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Operações de crédito por antecipação de receitas:: vinculação pelos Municípios das cotas de ICMS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 45, 1 set. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1414. Acesso em: 24 abr. 2024.

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