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O Direito e o fenômeno político

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16/01/2010 às 00:00
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4 - Conclusões

Diante do exposto podemos extrair as seguintes conclusões:

1.O fenômeno político é complexo, englobando diversas realidades;

2.Sociedade, Poder, Bem Comum e Estado são objetos mais relevantes da ciência política;

3.A ciência política não se encontra exclusivamente no plano do ser, nem do dever ser, tratando-se, dada a complexidade de seu objeto, de disciplina de síntese;

4.A judicialização da política ocorre naturalmente, pois que diretamente ligada a fatos como Poder (Soberania), Estado e Bem Comum (Sociedade), o direito a toma como fato juridicamente relevante, disciplinando, mediante normas jurídicas (portanto prescrições imperativas) o seu regime, pelo que, por essa mesma razão, a política passa a ser objeto da ciência do direito, enquanto norma integrante do sistema jurídico;

5.Na medida em que ocorre a judicialização da política, é legitima a interferência direta desta por outros poderes, eu não o Político, desde que na forma e nos limites impostos pelo sistema jurídico.


5 - Referências

ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Editora Universidade de Brasília, 1998.

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de teoria do Estado e ciência política. 5. ed. atual. e ampl. São Paulo: C. Bastos, 2002.

BARROSO, Luis Roberto. Judicialização, Ativismo Judicial e Legitimidade

Democrática. In Atualidades Jurídicas. Revista Eletrônica do Conselho Federal da OAB. Disponível em: www.oab.org.br/oabeditora/users/revista/1235066670174218181901.pdf Acesso em: 16.03.2009.

BOBBIO, Norberto. Teoria geral da política: a filosofia política e as lições dos clássicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2000.

BONAVIDES, Paulo. Reflexões política e Direito. Fortaleza: Imprensa Universitária, 1973.

BOMPAM, Ferndanda. Gazeta Mercantil/Caderno A. TJ-SP seqüestra conta para pagar precatório não alimentar. São Paulo: 2009, p. 10.

DALLARI, Dalmo. O Futuro do Estado. São Paulo: Saraiva: 1972.

HESSE, Konrad. A força normativa da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: S. A. Fabris, 1991.

HUMBERT, Georges Louis Hage. Direito Urbanístico e função socioambiental da propriedade imóvel urbana. Belo Horizonte: Fórum, 2009.

KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

VILANOVA, Lourival. As estruturas lógicas e o sistema de direito positivo. 3. ed. São Paulo: Noeses, 2005.


NOTAS

  1. Oportuno e relevante o esclarecimento preliminar de Noberto Bobbio, para quem "... cada acepção de ‘filosofia política’ corresponde um modo distinto de se propor a questão das relações entre filosofia e ciência política, colocando assim de sobreaviso qualquer um que esteja tentado a acreditar que o problema tenha uma solução única". Na seqüência, o citado autor apresenta o que, na sua concepção, são os quatro diferentes significados de ‘filosofia política’, quais sejam: "1 (...) como descrição, projeção, teorização da ótima república, ou, se quisermos, como a construção de um modelo ideal de Estado (...) 2. (...) como a busca do fundamento último do poder (...) na determinação de um ou mais critérios de legitimidade do poder; 3. (...) como atividade autônoma, modo ou forma de Espírito (...) que tem como características específicas que a distinguem tanto da ética quanto da economia, ou do direito ou da religião. (...) 4. (...) como discurso crítico, voltado para os pressupostos, para as condições de verdade, para a pretensa objetividade, ou não valoração da ciência política." (BOBBIO, 2000: 67-69). É no terceiro sentido que se enquadra o presente estudo.
  2. A noção de bem comum remonta à antiguidade. Conforme apontava Platão, o bem comum da cidade deve sobrepor a bens particulares. Para este filósofo, o bom governante é aquele que considera seu próprio interesse subordinado ao interesse do Estado. Portanto, a política é, segundo esta doutrina, a arte de cuidar do todo, sendo a sua finalidade o bem geral dos cidadãos. Aristóteles também se dedicou ao tema. No livro primeiro de sua Ética Nicomaquea, aborda a problemática do bem e sua relação com a felicidade do homem. Ao identificar as diferentes situações que produzem felicidade, propõe a existência de uma hierarquização, pelo que se infere que a contemplação do bem - a visão do bem comum -, em sua acepção mais ampla, é a política. Já salientamos que "O bem comum é o fim precípuo, é inerente ao próprio Estado Social Democrático de Direito. Consubstancia-se no conjunto de condições sociais que possibilitam a felicidade coletiva. Enfim, é o fazer algo em benefício de todos. Da ordem posta, isto é, do Direito Positivo Brasileiro, extraem-se duas acepções, dois conceitos jurídicos de bem comum. No plano infraconstitucional, a expressão bem comum está inserta no art. 5º da LICC, que dispõe que "na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum." Portanto, trata-se de método de aplicação da lei. No plano constitucional é referido pelo art. 3º da CF, de onde pode extrair o seu conteúdo mínimo que lhe confere densidade normativa: Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Destarte, verifica-se, nesta segunda hipótese, que a promoção, o alcance, o atendimento, ou ao menos a busca incessante da consecução do bem comum não é só um objetivo, uma questão política, sociológica, um desejo ou mera recomendação: é prescrição, imposição legal." (HUMBERT, 2009: 70-71).
  3. Kelsen averba: "O momento coação, isto é, a circunstância de que o ato estatuído pela ordem como conseqüência de uma situação de fato considerada socialmente prejudicial deve ser executado mesmo contra a vontade da pessoa atingida e — em caso de resistência — mediante o emprego de força física, é o critério decisivo". (KELSEN, 2006: 37).
  4. Com efeito, a coisa julgada é garantia fundamental, inserta no art. 5°, XXXVI da Constituição, como base do Estado Democrático de Direito que se norteia pela segurança jurídica. Segundo o nosso ordenamento, denomina-se coisa julgada material a eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso. (CPC, art. 467)
  5. Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 35.
  6. "As normas de uma ordem jurídica regulam a conduta humana." Kelsen, Hans. Teoria Pura do Direito. São Paulo: Martins Fontes, 2006, p. 33.
  7. À título de exemplo pode ser citado a recente tentativa de promulgação de uma Constituição Européia, frustrada apenas em razão da não referendação por dois integrantes do Bloco Europeu.
  8. Consoante esse Autor "Nesse conceito, se acham presentes todos os elementos que compõem um Estado e só esses elementos. A noção de poder está implícita na de soberania, que, no entanto, é referida como característica própria da ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência da própria ordem jurídica. A politicidade do Estado é afirmada na referência expressa ao bem comum, com a vinculação deste a um certo povo, e, finalmente, a territorialidade limitadora da ação jurídica e política do Estado está presente na menção a determinado território." (DALLARI, 1972: 104).
  9. Isto porque, dentre outros fatores, não há que se falar em pós-positivismo. A palavra pós remete-nos a idéia de superação, de algo que foi ultrapassado e substituído. E isto, a toda evidência, não reflete a realidade do positivismo jurídico, que, nas suas mais variadas facetas, permanece válido e em pleno uso, sendo que seu método de estudo do direito ainda é serviçal ao desenvolvimento de pesquisa nesta seara.
  10. Confira-se, neste sentido, os arts. 44 a 135 da nossa Carta Magna que dispõem acerca da organização dos Poderes.
  11. Por isso mesmo que o Poder Judiciário tem acertado ao, constatando-se a omissão (que, não há dúvidas, é violação de dever jurídico) da Administração na efetivação de Políticas Públicas, determine a adoção de providências em determinado caso concreto, interferindo diretamente na Política própria de uma das esferas do Poder (a Executiva ou Administrativa). Nesta esteira, brilhante a decisão proferida pelo Ministro Celso de Mello: EMENTA: CRIANÇA DE ATÉ CINCO ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO PELO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV, NA REDAÇÃO DADA PELA EC Nº 53/2006). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). AGRAVO IMPROVIDO.- A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV).- Essa prerrogativa jurídica, em conseqüência, impõe, ao Estado, por  efeito da alta significação social de que se reveste a educação   infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de   maneira concreta, em favor das "crianças até 5 (cinco) anos de idade" (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré-escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal.- A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. - Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da    discricionariedade político- -administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social.- Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases  excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos    estatais competentes, por   descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais  impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à "reserva do possível". Doutrina. (STF - AI 677-274-8, grifamos)
  12. Cite-se, ademais, recente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que deferiu o sequestro de conta do Município de Guarulhos para pagamento de precatório não alimentar, uma vez que o exequente, que não possuía plano médico e é aposentado, possa quitar dívida contraída perante hospital privado em razão de doença grave e continuar o tratamento indispensável à sua sobrevivência (BOMPAM, 2009:10) Nesta esteira, cite-se, ainda, presente decisão do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, interferindo diretamente na Política Pública de saúde da Administração local, assim decidiu:

    APELAÇÃO CÍVEL. ECA. realização de cirurgia. PRELIMINAR de ilegitimidade passiva e perda do objeto afastadas. SOLIDARIEDADE ENTRE OS PODERES. PREVALÊNCIA DOS DIREITOS CONSTITUCIONAIS À VIDA E À SAÚDE. DESNECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO ADMINISTRATIVO. ALEGAÇÃO DE INGERÊNCIA desacolhida.

    Existe solidariedade entre a União, os Estados e os Municípios, quando se trata de saúde pública, cabendo ao necessitado escolher quem deverá lhe fornecer o tratamento médico pleiteado. A realização de exames, cirurgias ou a aquisição de medicamentos à criança independe de previsão orçamentária, tendo em vista que a Constituição Federal, ao assentar, de forma cogente, que os direitos das crianças e adolescentes devem ser tratados com prioridade, afasta a alegação de carência de recursos financeiros como justificativa para a omissão do Poder Público. Restando comprovado que o menor necessita do tratamento médico do medicamento postulado, prevalece o direito constitucional à saúde da criança e do adolescente. A administração pública, que prima pelo princípio da publicidade dos atos administrativos, não pode se escudar na alegada discricionariedade para afastar do Poder Judiciário a análise dos fatos que envolvem eventual violação de direitos. O princípio da dignidade humana e a garantia de atendimento prioritário às crianças e adolescentes, além do exame da prova dos autos, conduz ao pronto atendimento do pedido da inicial." TJRJ – 8ª Cam. Cível; ACI n.° 70026720326, j. 30/10/2008, v.u)

  13. Cumpre firmar que há autores que admitem, ou melhor, partem do pressuposto de que o Direito é realidade viva, é aquilo que os diversos fatores sociais diz que é, a final, aquilo que os juízes decidem, havendo um sincretismo entre norma, moral, ideologias etc. Não se nega a interferência destes fatores na formação e conformação do Direito. Contudo, estes não são objeto do Direito e somente são juridicamente relevantes a partir do momento em que o sistema jurídico os incorpora pelo método legalmente previsto, positivando-os. Ademais, não se pode confundir a atividade de descrever o direito, daquela proferida pelo intérprete do direito. Sobre o tema, consulte-se CARRIÓ, Genaro Ruben. Principios jurídicos y positivismo jurídico. Buenos Aires: Abeledo-Perrot, 1970.DINIZ, Maria Helena. A ciência jurídica. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de introdução à ciência do direito. 17. ed., à luz da Lei nº 10.406/2002. São Paulo: Saraiva, 2005. DINIZ, Maria Helena. Conceito de norma jurídica como problema de essência. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito. São Paulo: Atlas, 1977.
  14. FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. Introdução ao estudo do direito: técnica, decisão, dominação. 4. ed., rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2003.KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Tradução de João Baptista Machado. 7. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

  15. O conceito de sistema aqui se emprega no sentido kelseniano. As normas jurídicas, conforme lição recorrente, nunca podem ser examinadas isoladamente. (KELSEN, 2006: 52). Também nesta acepção, resguardadas as peculiaridades e objeto de cada obra, são precisas as lições de Lourival Vilanova ao tratar das estruturas lógicas do Direito, as quais, apesar de extensas, não podemos olvidar em transcrever em sua íntegra: "O direito positivo, sempre historicamente individualizado pelo substrato social a que responde, como contrapartida normativa, tem estruturas de diversos tipos. Em conjunto, é uma estrutura social, inseparável o suporte factual e a capa normativa, pois não há fato social sem normatividade. É um sistema social, e dentro do sistema global que é a sociedade, cumpre a função de um subsistema ou sistema-parte desse todo". Continua o citado mestre: "Entre as estruturas, há aquelas que residem no fato de o direito ser um produto objetivo da cultura, fixado num sistema de linguagem. E na linguagem encontramos, pondo de parte as estruturas meramente gramaticais, as estruturas lógicas ou formais. Assim, o direito positivo se não é, tende a ser um sistema. Não é mero agregado de proposições normativas, simples justaposição de preceitos, caótico feixe de normas. A própria finalidade que tem de ordenar racionalmente a conduta humana sujeita-o às exigências da racionalidade, de que a lógica é a expressão mais depurada. É da ordem da práxis, sem deixar de pertencer à razão prática". Ao final, remata: "O ser-sistema é a forma lógica mais abrangente. As partes são as proposições. Onde há sistema há relações e elementos, que se articulam segundo as leis...". (VILANOVA, 2005:86-87).
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Sobre o autor
Georges Louis Hage Humbert

Advogado e professor. Pós-doutor pela Universidade de Coimbra. Doutor e mestre em direito do Estado pela PUC-SP. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de São Paulo. www.humbert.com.br

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HUMBERT, Georges Louis Hage. O Direito e o fenômeno político. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2390, 16 jan. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14197. Acesso em: 18 abr. 2024.

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