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Repetição de indébito no caso de (ir)responsabilidade tributária em liquidação de sociedades anônimas

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6 – Conclusão

Essa reflexão sobre a possibilidade de restituição de valores pagos a título de tributos, geralmente exigidos por meio de critérios ilegais e até mesmo inconstitucionais, sobretudo mediante o emprego da analogia, teve como objetivo apresentar de forma sintética uma crítica acerca da forma como se realiza a tributação.

O fisco tem conferido responsabilidade tributária a terceiros, no caso, aos sócios de sociedades anônimas, autorizando dessa forma a exigência de recolhimento de tributos por sujeitos ilegítimos para figurar no pólo passivo da obrigação tributária.

Procura-se disfarçadamente manipular o sentido da norma para ampliar a possibilidade de exigência tributária, fazendo com que se alargue a responsabilidade desses terceiros quanto ao recolhimento de tributo.

A hipótese de incidência prevê que se houver liquidação de sociedade de pessoas, os sócios serão solidariamente responsáveis pelos tributos devidos. Todavia, a norma que prescreve essa situação também tem sido aplicada no que se refere aos sócios de outras espécies societárias.

A autoridade fiscal tem se utilizado da analogia enquanto instrumento de integração da legislação tributária como forma de promover a aplicação da norma tributária a um caso semelhante para o qual inexiste disposição expressa.

Então, a jurisprudência brasileira rechaça essa prática consignando que apenas o sócio de sociedade de pessoas em fase de liquidação responde solidariamente com o contribuinte principal, não se podendo se aplicar essa prescrição legal às situações análogas com finalidade de tributar.

Nitidamente, constata-se uma irregularidade na constituição do crédito tributário com a cobrança do pagamento de sujeitos passivos ilegítimos para figurar no pólo passivo da obrigação tributária. Caso isso realmente se consume, não resta dúvida de que o recolhimento indevido de qualquer valor para adimplir a dívida é passível de devolução.

O propósito é justamente alertar os contribuintes quanto ao pagamento de diversos tributos muitas vezes indevidos, embora exigidos. A carga tributária bastante exorbitante expande-se ainda mais com a constituição de créditos tributários sem fundamento legal, onerando demasiadamente o contribuinte.

É por essas e por outras práticas abusivas por parte do fisco que a sonegação fiscal aumenta, e a necessidade de reforma fiscal para concretizar o texto constitucional torna-se ainda mais emergencial.


7 – Bibliografia

AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro.14. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 2008.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. v. 2., 9. ed. de acordo com a nova Lei de falências., São Paulo: Saraiva, 2006.

KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed., São Paulo: Martins Fontes, 1998.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed., rev., atual. e amp.. São Paulo: Malheiros editores, 2008.

PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.


Notas

  1. O artigo 128 do Código Tributário Nacional (CTN) dispõe que: "Sem prejuízo do disposto neste Capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação."
  2. A responsabilidade tributária pode ocorrer ainda por sucessão ou substituição segundo Luciano Amaro. Para este autor, a responsabilidade tributária nessa situação: "(...) dá-se no plano da obrigação tributária, por modificação subjetiva passiva. Assim, o sucessor passa a ocupar a posição do antigo devedor, no estado em que a obrigação se encontrava na data do evento que motivou a sucessão." (AMARO, 2008, p.320).
  3. Existe também a responsabilidade tributária dos sucessores, embora não seja objeto de análise deste artigo.
  4. Segundo Luciano Amaro "(...) não se cuida de responsabilidade solidária, mas subsidiária, restrita às situações em que não haja possibilidade de exigir o cumprimento da obrigação pelo próprio contribuinte." (AMARO, 2008, p. 326). Diferentemente, de acordo com o referido autor, é o caso do artigo 135 do CTN que trata da responsabilidade pessoal do terceiro, e não de responsabilidade subsidiária ou solidária.
  5. MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 29. ed., rev., atual. e amp.. São Paulo: Malheiros editores, 2008, p. 158.
  6. Dispõe o artigo 981: "Celebram contrato de sociedade as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens e serviços, para o exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados."
  7. Fábio Ulhoa Coelho define sociedade anônima como: "(...) a sociedade empresária com capital social dividido em valores mobiliários representativos de um investimento (as ações), cujos sócios tem, pelas obrigações sociais, responsabilidade limitada ao preço de emissão das ações que titularizam." (COELHO, 2006, p. 66)
  8. Leandro Paulsen apresenta uma breve divisão dos tipos societários para explicar o inciso VII do artigo 134 do CTN. Vide: PAULSEN, Leandro. Direito Tributário: Constituição e Código Tributário à luz da Doutrina e da Jurisprudência. 11. ed., Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 972-973.
  9. Hans Kelsen assevera que: "Se por ‘interpretação’ se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, consequentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro desta moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que - na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar - têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato do órgão aplicador do Direito – no ato do tribunal, especialmente." (KELSEN, 2003, p. 390-391)
  10. Dispõe o artigo 110 do CTN: "A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias."
  11. O parágrafo 1º do artigo 108 do CTN prescreve que: "O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto na lei."
  12. Segundo Luciano Amaro, o CTN apresenta-se como a lei que complementa as disposições constituições atinentes à matéria tributária, mesmo tendo originalmente natureza de lei ordinária. Isso se deve pelo fato de ter sido criado em 1966, ainda na vigência da Constituição de 1946, numa época que não existia no seu texto a previsão de lei complementar. Logo, as leis ordinárias que estão em vigor até hoje foram recepcionadas com status de lei complementar. Com a violação de preceitos do CTN (lei complementar), consequentemente se estaria violando a Constituição. (AMARO, 2008, p.170-172)
  13. AMARO, Luciano. Direito Tributário brasileiro.14. ed., rev., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 212-213.
  14. Embora na redação conste o termo "edificação", o entendimento na doutrina é de que o legislador pretendia se referir à identificação do sujeito passivo.
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Sobre os autores
Luiz Márcio Siqueira Júnior

Mestrando em Direito Público pelo Programa de Pós-graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais (FAPEMIG).Advogado.

Francine Machado de Paula

Pós-graduanda em Ciências Penais pelo Instituto de Educação Continuada da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Advogada.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SIQUEIRA JÚNIOR, Luiz Márcio ; PAULA, Francine Machado. Repetição de indébito no caso de (ir)responsabilidade tributária em liquidação de sociedades anônimas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2439, 6 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14473. Acesso em: 25 abr. 2024.

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