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Direito de superfície e o aparente conflito de normas entre Código Civil e Estatuto da Cidade

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18/03/2010 às 00:00
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3 Direito comparado

Vários ordenamentos jurídicos fazem a previsão do direito de superfície, o que trouxe fundamento doutrinário para posterior previsão legal do instituto também no ordenamento brasileiro.

No direito francês não há uma regulamentação positivada do direito de superfície. O direito de superfície existe lá por conta da imposição doutrinária e jurisprudencial, partindo de uma interpretação sobre a existência de uma presunção relativa sobre o direito de propriedade, conforme o que dispõe o art. 553 do Código Civil de Napoleão, senão vejamos:

Art. 553 Todas as construções, plantações e obras em um terreno ou sobre ele presumem-se ter sido feitas às custas do proprietário e pertencerem-lhe, se não se prova o contrário...

Desta forma, é possível que se prove que as plantações ou construções feitas em terreno alheio não são do dono do terreno, mas de quem as realizou.

Este raciocínio não podia ser usado quando ainda vigia o Código Civil de 1916 no Brasil, haja vista que a previsão do então art. 545 não dizia respeito à propriedade da construção ou plantação, mas apenas a quem as tivesse feito e a quem incorria as despesas necessárias a sua efetivação. Note:

Art. 545 Toda construção, ou plantação, existente em um terreno, se presume feita pelo proprietário e à sua custa, até que o contrário se prove.

O próprio art. 547 afastava a possibilidade da superfície, dizendo claramente que "quem semeia, planta ou edifica em terreno alheio, perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções..."

O Código Alemão, até 1919, previa o direito de superfície, permitindo que um imóvel fosse gravado em favor de terceiro com o direito de ter uma construção acima ou abaixo do solo. Esse direito era alienável e transmissível por sucessão e não se extinguia pelo perecimento da construção. Ainda havia previsão de que o direito de superfície se estendesse a uma parte do imóvel que não fosse necessária a construção, mas que oferecesse utilidade ao uso dela. Porém, há vedação a que o direito de superfície ficasse restrito a uma parte de uma edificação, sobretudo um pavimento. O acordo de vontade feito entre as partes deveria ser feito no cartório de registro de imóveis.

As normas sobre direito de superfície, tal como constavam do Código Civil Alemão, não mais atendiam às necessidades pós-guerra, motivo pelo qual editou-se uma lei em 1919, regulamentando o direito de superfície.

Na Itália, o Código Civil de 1865 não disciplinou o direito de superfície. Sua existência e moldes foram feitos segundo a doutrina, como ocorreu na França. Houve uma presunção contrária ao que estava disposto no art. 448 do Código, tal qual fizeram os franceses.

O Código Civil Italiano de 1942 acabou por disciplinar a matéria expressamente, com um título especialmente para o assunto, trazendo a possibilidade de construção com propriedade diversa da do proprietário do solo, bem como sua alienação separadamente. Previu ainda a possibilidade de superfície por tempo determinado, segundo o qual, findo o prazo, o proprietário do solo adquire a propriedade da construção. No entanto, esse direito só vale em relação às construções, uma vez que em relação às plantações há disposição expressa no sentido de que não pode ser constituída ou transferida propriedade de plantação separadamente da propriedade do solo.

No direito inglês, até hoje subsistem os contratos superficiários denominados de building lease.

No direito austríaco, há previsão expressa de que a propriedade é dividida em propriedade do solo e propriedade da superfície.

A legislação suíça hoje é no sentido de que as construções e outras obras feitas na superfície ou no subsolo, bem unidas ao terreno de qualquer outra forma durável, podem ter um proprietário distinto, desde que estejam inscritas como servidões no Registro de Imóveis.

A legislação portuguesa disciplina o assunto, permitindo superfície para construção ou plantações, porém, o próprio legislador se confunde, senão vejamos nas palavras de Rosane Pinto (2003:88):

... em análise à legislação portuguesa que disciplina o instituto, os termos árvores e plantação elencados na lei resultaram em confusão, inclusive entre autores estrangeiros. Como solução, sugere-se a interpretação extensiva, para que se estenda aos arbustos, a referência a árvores.

No Brasil, hoje, o instituto da superfície está previsto em dois diplomas legais: no Estatuto da Cidade de 2001 e no Código Civil de 2002.

Eduardo Sócrates Castanheira Sarmento Filho (2008) faz a seguinte observação:

Circunstâncias históricas fizeram com que o direito de superfície fosse introduzido na legislação brasileira em dois textos distintos e cronologicamente muito próximos – o Estatuto da Cidade e o Novo Código Civil -, apresentando unidade estrutural, mas com campos de incidência distintos, além de normas conflitantes, fato que gera alguma dificuldade na sua aplicação.

A forma como o direito de superfície foi abordado em cada um desses diplomas será adiante analisada.


4 Direito de superfície no Estatuto da Cidade

A Constituição de 1988 foi a primeira Constituição brasileira a colocar o Direito à Cidade num patamar constitucional, atribuindo à União Federal a competência para instituir diretrizes para o desenvolvimento urbano. Seus arts. 182 [01] e 183 trazem normas constitucionais de política urbana a ser executadas pelo poder público municipal, com fim de alcançar-se a função social da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.

Vários anos se passaram até que o Congresso Nacional elaborasse uma lei, que regulamentasse os referidos arts. 182 e 183, trazendo princípios para a disciplina das Cidades. Assim, em 10 de janeiro de 2001, foi aprovado o Estatuto da Cidade, Lei Federal n. 10.257 [02].

Esse Estatuto manteve instrumentos antigos; criou novos instrumentos, como o direito de preempção, a outorga do direito de construir e a usucapião coletiva; e restabeleceu instrumentos que caíram em desuso, como o direito de superfície.

No Estatuto, o direito de superfície foi arrolado como instrumento de política urbana, configurando mecanismo de limitação ao caráter exclusivo do direito de propriedade [03].

A superfície age como mecanismo efetivador da função social da posse, ganhando destaque como forma de se evitar a incidência de instrumentos outros, também efetivadores da função social da posse, que atuam de forma bem mais drástica sobre o patrimônio do proprietário, como o IPTU progressivo, o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios ou até mesmo a desapropriação.

Explicita-se, assim, a possibilidade de utilização do direito de superfície como meio de dar à posse uma destinação condizente à sua função social, inclusive lucrativa ao proprietário, sobretudo quando esteja a propriedade na iminência de ser alvo de outros institutos que apresentam caráter punitivo.

Por força do direito de superfície, parte das prerrogativas originalmente do proprietário são, temporariamente, transferidas a terceiros, tratando-se de um instrumento extremamente importante para fazer cumprir a função social do imóvel.

Fernando Dias Menezes Almeida (167) observa:

Com a edição da Lei 10.257/2001, o direito de superfície passou a integrar o Direito positivo brasileiro. Mais recentemente, o novo Código Civil também cuidou do instituto (cf. arts. 1369 a 1377).

Trata-se de instituto que comporta tratamento tanto pelo ângulo do direito civil, como pelo do direito urbanístico, em perspectivas que se complementam.

Ao instituir o direito de superfície, a finalidade a que visou o legislador, através da Lei que ora se comenta, certamente foi estabelecida do ponto de vista urbanístico.

A certeza de que o direito de superfície, aqui, tem contornos urbanísticos advém do fato de que o instituto previsto no Estatuto da Cidade tem aplicação mais ampla no que diz respeito às faculdades do seu titular, pois este se torna titular do domínio útil sobre coisa alheia, pode usar edificações, modificá-las ou ainda construir em terreno não edificado, fruí-las ou delas dispor. Já no Código Civil, esse direito é definido como direito de construir ou plantar em terreno alheio; obviamente, plantar é fenômeno estranho ao direito urbanístico.

É por este motivo que o Estatuto da Cidade, no que diz respeito ao Direito de Superfície dentro da política urbana, é tido como norma especial em relação ao Código Civil.

A norma sobre o direito de superfície no Estatuto vem no Art. 21 [04].

Fernando Dias Menezes de Almeida (168) acentua que:

É certo que o Estatuto da Cidade, ao prever o direito de superfície, visando à finalidade urbanística, ainda assim naturalmente teve de disciplinar aspectos que poder-se-iam dizer "civis" da matéria (exemplo: a forma de sua pactuação, as obrigações das partes envolvidas e sua extinção); mas são aspectos instrumentais em relação ao direito definido.

O objeto do direito de superfície previsto no Estatuto é o terreno urbano.

De acordo com o entendimento que vem desde o direito urbano, por superfície entende-se tudo que é edificado sobre o solo. Desta sorte, o termo "terreno" não quer dizer apenas o solo não edificado, mas também tudo que está edificado sobre este solo.

Por isso, Fernando Dias Menezes de Almeida (168) enfatiza que:

O superficiário pode tanto usar, fruir e dispor de uma edificação já existente, como antes edificar sobre a terra nua.

Assim, a expressão superfície do terreno significa tudo o que está ou será edificado sobre o terreno. É isso que é concedido a outrem, pelo proprietário, como objeto de direito.

Daí dizer-se que a superfície será do terreno. E não se confunde com o próprio terreno.

É notório que o superficiário não terá a propriedade do terreno. Mas há discussão em relação à superfície, se seria esta uma verdadeira propriedade (domínio pleno) ou seria um domínio útil.

Segundo Fernando Dias Menezes de Almeida (169), a dúvida procede pelos seguintes motivos:

... no Direito Romano o superficiário não era proprietário das edificações, em que pese tivesse sobre elas amplo direito; por outro lado, José Afonso da Silva, descrevendo o Direito italiano com base em Balbi, é expresso ao afirmar que o superficiário é proprietário da superfície.

Ora, a Lei 10.257/01 não traz nada expresso sobre a questão. Apesar disso, é da tradição do nosso Direito acolher a tese superfícies solo cedit, ou seja, o solo é o bem principal e a construção e plantação a ele aderidas são o acessório. A conclusão é a de que o acessório não pode ter proprietário diverso do principal.

Nesse sentido, as lições de Fernando Dias Menezes de Almeida (170):

... nada há no regime do direito de superfície, efetivamente introduzido no Direito positivo brasileiro, que permita identificar o afastamento da regra da acessão imobiliária. A Lei 10.257/2001 nada diz sobre o superficiário ser proprietário da construção e ainda dá elementos que reforçam a tese contrária, por exemplo: prevê, como regra, no Art. 24, que o proprietário recuperará o pleno domínio do terreno, bem como das acessões e benfeitorias introduzidas no imóvel.

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Ora, ninguém nega que o domínio direto do terreno o proprietário sempre teve; agora irá recuperar o domínio pleno (somando ao domínio direto as faculdades de domínio útil). E essa regra é aplicada pela Lei ao terreno bem como às acessões e benfeitorias. Ou seja, o proprietário, que já tinha o domínio direto sobre as acessões e benfeitorias, desde sua origem, agora terá o domínio pleno sobre elas.

Neste diapasão, conclui-se que o superficiário é titular do domínio útil da superfície, ou seja, exerce um direito real sobre uma coisa alheia.

Ainda em relação ao termo terreno urbano constante do Art. 21 do Estatuto, conclui-se pelo afastamento da incidência desse direito em relação a terrenos rurais.

A concessão do direito de superfície apenas pode ser dada pelo proprietário do terreno. O poder público apenas poderá fazer tal concessão se tratar-se de seus próprios terrenos.

Nas palavras de Fernando Dias Menezes de Almeida (171):

Aliás, como já visto, o proprietário em questão pode ser um particular, ou mesmo o Poder Público.

Por não tratar-se de alienação da propriedade, senão de simples cessão temporária e voluntária do domínio útil, nada há de incompatível entre o regime dos bens públicos (v.g., inalienabilidade) e o direito de superfície, como de resto já não havia no caso da enfiteuse.

Ainda há que se ressaltar que o direito de superfície não é eterno, podendo ser estabelecido por tempo determinado ou indeterminado.

E segundo Fernando Dias Menezes de Almeida (172):

Tempo indeterminado não se confunde com perpetuidade. Em tese, a distinção entre as duas situações (em casos análogos ao da superfície) diz com a possibilidade, em se tratando de prazo indeterminado, de ruptura do vínculo jurídico em defesa do interesse da parte que não detém o bem.

Em verdade, o Estatuto da Cidade não previu o meio pelo qual essa ruptura em caso de superfície por tempo indeterminado se dará. Neste caso, cabe às partes estipularem o meio contratualmente ou, não o fazendo, cabe a aplicação analógica do Art. 581 [05] do Código Civil, presumindo-se o prazo como sendo aquele necessário ao uso para o qual com concedido.

É de se atentar, ainda, que o caput do Art. 21 do Estatuto impõe uma forma para que as partes estabeleçam o direito de superfície, qual seja, por meio de escritura pública, registrada no cartório de registro de imóveis.

Considerando o Art. 104 [06] do Código Civil, o desrespeito a este mandamento implica na invalidade do negócio jurídico.

É o que leciona Fernando Dias Menezes de Almeida (173):

... o contrato pelo qual as partes estabelecem o direito de superfície deve seguir a forma estabelecida na Lei: escritura pública, registrada no cartório de registro de imóveis. O não respeito a essa forma prescrita na Lei faz incidir a regra do art. 104 do novo Código Civil, prejudicando a validade do negócio jurídico.

Obviamente, como aqui a regra está em uma lei específica, não se aplica o limite do Art. 108 [07] do Código Civil. Portanto, a exigência do registro se faz para qualquer valor.

O §1º [08] do Art. 21 do Estatuto ainda dispõe sobre a possibilidade de o superficiário utilizar-se do solo, subsolo e espaço aéreo correspondente, no exercício do domínio útil.

Tal observação guarda coerência com o próprio Código Civil, que em seu Art. 1.229 [09] afirma que a propriedade do solo abrange a do espaço aéreo e o subsolo correspondentes.

Fernando Dias Menezes de Almeida (173) observa o seguinte:

Seu uso seguirá os limites impostos ao proprietário pelo Código Civil, ou por outras leis (v.g., de direito urbanístico), bem como os que forem estabelecidos no contrato que irá reger a concessão do direito de superfície. Em especial quanto ao subsolo, há que se atentar para as regras dos arts. 20 [10], IX e X, e 176 [11] da Constituição Federal.

É de se atentar ainda para o fato de que nesse parágrafo, a expressão utilizar está empregada em sentido amplo. Assim, abrange não apenas a ação de edificar conforme o coeficiente de aproveitamento, mas o usar e o fruir, que são atributos próprios do direito de superfície.

No contrato da concessão do direito de superfície, as partes devem definir se tal concessão é gratuita ou onerosa. Se onerosa, deverão definir também o valor, forma de pagamento, periodicidade, critérios de reajuste.

O silêncio das partes no que tange a ser gratuito ou onerosa, faz presumir que a concessão desse direito é gratuita. É que, se fosse onerosa, pelo menos um dos elementos acima citados deveriam constar do contrato, indicando a vontade das partes de que fosse onerosa.

Mas o §3º deve ser respeitado, mesmo nos casos de concessão gratuita da superfície, senão vejamos:

Art. 21, § 3º O superficiário responderá integralmente pelos encargos e tributos que incidirem sobre a propriedade superficiária, arcando, ainda, proporcionalmente à sua parcela de ocupação efetiva, com os encargos e tributos sobre a área objeto da concessão do direito de superfície, salvo disposição em contrário do contrato respectivo.

Este dispositivo traz uma responsabilidade e uma obrigação. A responsabilidade está devidamente explicitada logo na primeira frase do parágrafo, ao passo que a obrigação se traduz na palavra arcando.

É que um conceito não se confunde com o outro, conforme bem explica Fernando Dias Menezes de Almeida (175):

A compreensão desse dispositivo pressupõe a distinção entre os conceitos de responsabilidade e de obrigação. Obrigação diz respeito com a relação de dever estabelecida pela norma jurídica, isto é, com a prescrição de determinada conduta, cujo descumprimento faça incidir a sanção. Já a responsabilidade diz com a incidência da sanção, ante o descumprimento da obrigação.

Ainda que normalmente o obrigado a uma conduta seja o responsável pelo descumprimento dessa obrigação, isso não necessariamente ocorre. Assim sendo, o obrigado (aquele que deve se conduzir de determinada maneira, sob pena de fazer incidir a sanção) pode não ser responsável (aquele que sofrerá a sanção, a conseqüência pelo descumprimento da obrigação); e o inverso também vale: o responsável pode não ser o obrigado.

Diante disso, o superficiário será obrigado em relação a parcelas dos encargos e tributos proporcionalmente à sua parte, ou seja, a cobrança será dirigida a ele. Porém, o contrato de superfície pode estabelecer que o obrigado será o proprietário, integralmente ou em relação a uma proporção diversa.

Mas em relação à responsabilidade, o contrato não conseguirá alterar. É que segundo o parágrafo, o superficiário é o responsável pelos encargos e tributos não pagos referentes à sua parcela superficiária.

O Estatuto da Cidade ainda permite que o proprietário e o superficiário disponham no contrato sobre a possibilidade de transferência do direito de superfície a terceiros.

A observação que se deve fazer é que essa transferência trata-se de uma alienação, e não de uma sub-superfície, que pela interpretação sistemática da Lei, parece ser proibida. É que o direito de superfície não é um instituto criado para se auferir renda, mas para viabilizar o uso adequado de um determinado terreno.

Esta alienação pode ser onerosa, em favor do superficiário, sem qualquer obrigação de repasse de parcela dessa remuneração ao proprietário.

Obviamente, a pessoa que adquirir a superfície deverá cumprir o contrato firmado entre o proprietário e o antigo superficiário.

Além de transmissível por ato inter vivos, o direito de superfície também é transmissível causa mortis, conforme dispõe o §5º [12] do Art. 21.

Para tanto, dispensa-se a previsão contratual e, pelo texto do §5º, parece impossível que o contrato disponha de modo contrário, já que sempre que a quis, deixou expressa a possibilidade de o contrato dispor de forma contrária.

Nestes casos, os herdeiros terão direito a sucederem na superfície, pelo prazo que restar ou indeterminadamente se assim era o contrato.

O Estatuto, em seu Art. 22 [13], prevê o direito de preferência na superfície. Caso o proprietário resolva alienar o terreno, em igualdade de condições à oferta de terceiros, o superficiário terá o direito de preferência nessa compra. Caso seja o superficiário que resolva alienar a superfície, terá o proprietário preferência.

Ocorre que é somente esta previsão que existe no Estatuto sobre esse direito de preferência, faltando-lhe, portanto, regras mais específicas. Assim, tem-se utilizado analogicamente as regras referentes à enfiteuse, previstas no Código Civil de 1916, senão vejamos o que ensina Fernando Dias Menezes de Almeida (178):

Sugere-se, então, a aplicação analógica das regras previstas no Código Civil de 1916 [14] em matéria de enfiteuse, que ainda vigoram para as enfiteuses existentes, nos termos do Art. 2.038 do novo Código Civil.

O Código de 1916 prevê o direito de preferência nos casos de venda ou dação em pagamento, expressamente. Em casos de doação, constituição de dote ou troca por coisa não fungível do prédio aforado, o Código não prevê a preferência.

Ocorre que o Art. 22 do Estatuto utiliza a expressão doação, sem dizer se a título gratuito ou oneroso. Daí, recorrer-se a interpretação sistêmica para saber em quais alienações a preferência incidirá, conforme esclarece Fernando Dias Menezes de Almeida (179): "É razoável entender que a alienação não onerosa e mesmo a troca por coisa não fungível não podem gerar preferência, por não se adaptarem à lógica do instituto".

Sobre a extinção da superfície, o Estatuto prevê duas modalidades em seu Art. 23 [15].

Nos casos em que o direito de superfície é contratado por tempo determinado, sua extinção se dará pelo advento do termo. Esta extinção se dá de pleno direito, independentemente de qualquer interpelação judicial ou extrajudicial.

Logicamente, embora o Estatuto não preveja, numa analogia com a locação, se advindo o termo, o proprietário tolera a permanência do superficiário por mais de 30 dias, o contrato será considerado prorrogado por prazo indeterminado.

Por outro lado, se o superficiário permanecer no imóvel, mesmo após a exigência deste pelo proprietário, caberá a este tomar medidas judiciais.

Outro modo de extinção da superfície previsto no Art. 23 é pelo fato de descumprimento das obrigações contratuais. Se as partes não resolverem consensualmente, caberá ao Poder Judiciário apurar a ocorrência de hipótese de extinção.

Parece ser exemplo desse descumprimento contratual a hipótese que vem prevista no Art. 24, §1º - mal posicionado, por sinal. É que esse parágrafo prevê a extinção da superfície nos casos em que o superficiário der ao terreno destinação diversa daquela para a qual foi concedida.

Pela observação do próprio artigo, é de se notar que a deterioração ou perda do bem não é causa de extinção da superfície, já que é de sua natureza a faculdade de o superficiário novamente construir o bem.

De outro modo, a desapropriação, em qualquer de suas modalidades, embora não prevista no Art. 23, por óbvio, implica em extinção da superfície. Nestes casos, a indenização é paga ao proprietário, que deverá, eventualmente, repartir o valor proporcionalmente com o superficiário.

Com a extinção da superfície, o pleno domínio do terreno retorna às mãos do proprietário. Nele se incluem as acessões e benfeitorias, conforme disciplina o Art. 24 [16] do Estatuto.

O que acontece é que o proprietário, que durante a superfície manteve o domínio direto sobre o imóvel, retoma o domínio pleno, pois recupera as faculdades inerentes ao domínio útil.

Observa-se que o proprietário exercia o domínio direto sobre as acessões e benfeitorias e passa a exercer o domínio pleno também sobre elas, indenizando o superficiário apenas se houver estipulação contratual.

Por fim, enquanto a constituição do direito de superfície é registrada no cartório de imóveis, sua extinção é averbada.

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Sobre o autor
Ivo Jorge Rocha Teixeira

Servidor do Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, Especialista em direito público pela Universidade Gama Filho, Bacharel em Direito pela UFMG

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

TEIXEIRA, Ivo Jorge Rocha. Direito de superfície e o aparente conflito de normas entre Código Civil e Estatuto da Cidade. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2451, 18 mar. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14506. Acesso em: 22 nov. 2024.

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